Situada no município de Feijó (AC), a Terra Indígena (TI) Katukina/Kaxinawá recebeu no mês de outubro, a primeira etapa do Projeto Experiências Indígenas de Gestão Territorial e Ambiental no Acre, que tem a Comissão Pró- Índio Acre (CPI-Acre) como proponente, em parceria com a Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), a Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e as associações das oito Terras Indígenas no Acre contempladas com o projeto.
“Além das assessorias nos quintais, realizamos diagnósticos participativos para apresentar a proposta de instalação de pontos de captação de água pluvial e também conhecer a situação geral da gestão de resíduos sólidos nas aldeias”, explica Paulo Simeoni, engenheiro florestal e assessor técnico do Programa Gestão Territorial e Ambiental da CPI- Acre.
Ao todo, 13 aldeias da TI Katukina/Kaxinawá foram visitadas e 22 kits de ferramentas foram distribuídos aos AAFIs. A ação, que ocorreu entre os dias 13 e 27 de outubro, teve a participação de dezenas de agentes agroflorestais indígenas (AAFIs), além de indígenas da comunidade, como mulheres, lideranças, jovens e professores, entre eles o coordenador pedagógico Júlio Huni Kui, que acompanhou os assessores na aldeia Paroá. “Nós e os AAFIs fizemos uma análise da situação da higiene, do lixo, dos canteiros de sementeiras, da água e da floresta, como está sendo monitorado o limite das áreas. Essa formação é muito importante para a comunidade porque precisamos ter alimento, multiplicar o que temos é nossa sobrevivência. E estamos fazendo isso com a técnica dos agentes, que nos ajuda e orienta”, explica Júlio.
Segundo Josy Pinheiro, engenheira agrônoma assessora da equipe da CPI-Acre, o diagnóstico realizado com a comunidade apontou que na maioria das aldeias visitadas o abastecimento de água para consumo humano enfrenta desafios: “A situação fica ainda mais agravada no período do inverno amazônico, quando aumenta a incidência de doenças relacionadas ao consumo de água contaminada”.
Embora boa parte das aldeias visitadas possua algum tipo de poço instalado por órgãos governamentais, os assessores observaram algumas casas com sistemas bem simples de captação de água da chuva instalados pelos próprios indígenas, para uso em atividades pontuais como lavar louças e cozinhar, ou mesmo para beber. O agente agroflorestal indígena Ismael Menezes Brandão, da aldeia Shane Kaya, participou de todas as etapas da assessoria. Ele conta que tem muita planta e muito material debaixo da terra e então a água quem vem dos poços e das cacimbas não é boa. “ A água captada das chuvas é o que a natureza nos dá e ninguém sabe aproveitar, então é um modo de ter água de qualidade com os cuidados que deve ter. Sabendo que em tempo de broca e queimada a nuvem está muito poluída ainda, então é o tempo de falar que a primeira chuva que cai é para limpar as nuvens, a segunda chuva que cai é que tem água de qualidade tanto para consumir como para tomar banho, com os cuidados de por cloro. Com esse projeto de captação de água vai melhorar muito porque vamos melhorar esse cuidado”, completa.
Após o diagnóstico, foi indicada a instalação de oito pontos de captação de água pluvial, sendo quatro habitações na comunidade Huni Kuĩ e quatro na comunidade Shanenawa. A seleção realizada pelos indígenas observou as características de cada construção, como dimensão e tipo de telhado (palha, alumínio, ecológico, etc.), e altura da “biqueira” do telhado até o solo.
Lixo na aldeia
Na discussão sobre resíduos sólidos os participantes refletiram sobre os lixos inorgânicos e pontuaram que há muitos produtos que fazem parte do uso rotineiro da população. Destacaram que alguns materiais são reaproveitados, como saquinhos de feijão, açúcar e sal para fazer mudas e sacolas, e que a maior parte do lixo que vem de fora é o plástico. “Não temos o apoio do município para pegar esse material que é da cidade, que nós compramos por necessidade de um óleo, um arroz. Eles fornecem o lixo, mas não tem coleta próximo da aldeia, só distante da aldeia. Fazemos o reaproveitamento dos materiais orgânicos, os bichos comem. E sobre os resíduos da cidade vamos abrir um buraco para aterro, descartar as pilhas em pontos na cidade. Queremos aprender a fazer artesanatos, já usamos os sacos para mudas. Garrafa pet dá para fazer vassoura e queremos saber cada vez mais aproveitar isso”, explica Ismael.
Ismael Menezes Brandão (Siã) – Agente agroflorestal indígena TI Katukina/Kaxinawá, aldeia Shanenawa
Eu moro dentro do meu roçado mesmo. Eu fiz um roçado e a minha casa é dentro de um ambiente de planta. Tem banana, tem mamão, abacaxi e agora tem a laranja e coco. Na aldeia antiga a gente já fazia o plantio de frutas, mas como a aldeia cresceu bastante não tínhamos espaço para plantar, nosso roçado ficava muito longe, ficava muito distante. Decidimos então formar essa comunidade mais familiar com o objetivo de crescer em produção. Na aldeia Shanenawa tem muita banana e mamão. Mas tem macaxeira, milho. E quando a gente chegou nessa aldeia nova fizemos o plantio nos quintais, com apoio de projetos e agora cresceu mais com a assessoria da CPI. Nós estávamos precisando muito dessa assessoria, e relacionado a esse trabalho desenvolvemos muito. A assessoria não chega mandando “você faz isso ou aquilo”, está para observar e vai esclarecer de como podemos trabalhar. A CPI e a AMAAIAC estão levando esse conhecimento, e estamos entendendo melhor o nosso modo de viver, levando uma técnica para evoluir mais, melhorar mais a produção no viveiro e nas hortas. Essa visita dos assessores faz parte da formação e conta como carga horária. O trabalho de agente agroflorestal é um trabalho que orgulha nós da população indígena, principalmente sobre a alimentação, do cuidado, da preservação, dos nossos direitos, das nossas reinvindicações como agente agroflorestal. Como ter o manejo da mata, de não derrubar, mas sim conservar cada vez mais as nossas plantas medicinais, nossa fauna e nossa flora, para não estar derrubando muito porque futuramente vamos ter prejuízo. Se derrubarmos uma árvore plantamos dez, esse é o objetivo do agente agroflorestal. Em época que os animais estão buchudas não matá-los, ter o maior cuidado, para nunca matar na época quando estão em reprodução. Isso a gente aprende não só no curso, mas principalmente com os mais velhos, nosso avô, meu pai. Eles caçavam e já faziam isso. Sempre matavam os machos. Durante essa assessoria recebemos material para fazer os trabalhos, os viveiros. A professora Joseneidy e o professor Paulo explicaram direitinho o que é esse projeto de captação de água da chuva e resíduos sólidos. A importância dentro da comunidade. O papel do agente agroflorestal é cuidar cada vez mais da natureza, da nossa água, que hoje é uma água bem melhor do que no passado, e isso é evoluir mais.
Maria Auxiliadora da Silva Kaxinawá, da TI Katukina/Kaxinawá, aldeia Pupunha
Eu participei na aldeia Pupunha, que é minha aldeia. Foi a primeira vez que participei de uma assessoria da CPI-Acre e eu vi que era importante estar lá, mas você sabe que as mulheres têm suas crianças, e que seus maridos saem e não tem como deixá-las. Eu me destaquei nessa assessoria, acompanhei nas aldeias Pupunha, Paredão, Nova Vida, na Shanenawa. Eu achei muito importante, foi para isso que me avaliei e acompanhei. Eu fui ajudando sobre as plantas, sobre a quantidade de pessoas. Isso é desenvolvimento para nós mulheres.
Projeto Experiências Indígenas
Financiando pelo Fundo Amazônia/BNDES, o Projeto Experiências Indígenas de Gestão Territorial e Ambiental no Acre é executado pela Comissão Pró-Índio do Acre em parceria com a AMAAIAC e as Associações Indígenas de 8 Terras Indígenas no Acre. Em algumas atividades conta ainda com a parceria da OPIAC. Visa apoiar os processos de implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) desses territórios, por meio da formação e trabalho de Agentes Agroflorestais Indígenas, incluindo a promoção de ações de proteção territorial, manejo de quintais e sistemas agroflorestais, resíduos sólidos e captação de agua pluvial.