foto: Haroldo Palo Jr

A fronteira Brasil-Peru

A região fronteiriça Acre/Brasil e Peru é uma das áreas de maior diversidade biológica do planeta. Nos dois lados da fronteira internacional, no trecho que coincide com o estado do Acre, há hoje um mosaico contínuo de pouco mais de 10 milhões de hectares formado por terras indígenas, unidades de conservação e terras reservadas para a proteção de uma das maiores populações de índios isolados da Amazônia. Ambos os países contam com marcos normativos para a conservação e/ou proteção de seus recursos renováveis e sua biodiversidade, sendo signatários de convênios internacionais tais como: o Convenio Sobre Diversidade Biológica (CDB), a Convenção sobre Mudanças Climática e a Convenção sobre o Comercio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres (CITES), entre outros.

Na região fronteiriça do Acre, iniciativas inovadoras têm sido desenvolvidas por indígenas e extrativistas e suas organizações de representação para o reconhecimento oficial e a vigilância de seus territórios coletivos e para o uso sustentável e a conservação dos recursos de suas florestas.

Contudo, em ambos os lados da fronteira internacional, existem ameaças à integridade desses territórios e aos modos de vida dos povos indígenas e das populações tradicionais, especialmente dos povos em isolamento voluntário, acarretadas potencialmente por grandes projetos de infra-estrutura previstos nas agendas dos governos do Brasil e do Peru para o desenvolvimento e a “integração regional”. Essas políticas têm sido definidas e executadas sem qualquer processo de consulta, prévia, consentida, informada e de boa-fé às comunidades locais e às suas organizações, conforme recomendam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, das quais o Brasil e o Peru são signatários.

Esse contexto adverso, nos âmbitos regional, nacional e transfronteiriço, exige a consolidação e o fortalecimento de redes de organizações indígenas e da sociedade civil, comprometidas em exercer efetivo monitoramento e controle social sobre o planejamento e a implementação dos grandes projetos de infra-estrutura e outros projetos oficiais de desenvolvimento. Exigem ainda a definição de agendas estratégicas para a continuidade das iniciativas de gestão e proteção de seus territórios coletivos e de outras áreas de conservação, de maneira a assegurarem formas mais solidárias e sustentáveis de integração e de intercâmbio de conhecimentos entre os povos e populações que vivem na região de fronteira. Neste espaço reunimos conteúdos sobre essas dinâmicas transfronteiriças com destaque para a visão de quem vive na fronteira, sente seus impactos e torna esta faixa de terra mais do que uma linha de separação, mas um motivo de integração via comunidades.

Na CPI-Acre, trabalhamos com o componente transfronteiriço reforçando que a soberania e autonomia dos povos indígenas quando em relação às terras indígenas em região de fronteira não podem ser pensadas em desconexão com o que ocorre no lado peruano e com as políticas de desenvolvimento e avanço das fronteiras econômicas em curso tanto neste país, como no Brasil. Se assim forem, haveria um reforço de uma integração que em sua maior parte ignora as fronteiras já ocupadas e vivas antes do Estado peruano ou brasileiro. Os espaços sociais e políticos onde estão as fronteiras acreanas hoje representam modos de vida e formas de ocupação indígenas que, atualmente, integram o Brasil e o Peru. No entanto, estes modos de vida não são dependentes dos limites destes países e de sua decisão de integração para sua existência e manifestação. Nossa missão é, pois, não segregar a existência dos indígenas – e de suas lutas políticas – da integração e do desenvolvimento regional, movimentos que consideramos inevitáveis e necessários.