foto: Lígia Apel

Articulações Binacionais Brasil-Peru

O Estado do Acre tem 1.565 quilômetros de fronteira com o Peru e seu território está totalmente incluído na Faixa de Fronteira, a faixa interna de 150 quilômetros de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, estabelecida por lei desde 1979, e resultado de um processo histórico que teve como base a preocupação do Estado com a garantia da segurança e da soberania nacional.

Em 2005, o governo federal brasileiro estabeleceu ao longo da Faixa de Fronteira três áreas de planejamento (Arcos Norte, Central e Sul), definidas na proposta de reestruturação do Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), do Ministério da Integração. O programa tem como objetivo articular a soberania nacional com o desenvolvimento regional e com enfoque econômico, social, institucional e cultural. O Arco Norte abrange a Faixa de Fronteira dos Estados do Amapá, Pará, Roraima, Amazonas e Acre, constituindo-se em um verdadeiro “arco indígena”, como o próprio programa o define, tanto do ponto de vista do território como da identidade territorial.

A formulação de programas nacionais de integração regional por parte dos governos brasileiro e peruano, como o já citado Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, no Brasil, e a Estratégia de Desarrollo e Integração Fronteiriços, no Peru, veio acelerar o processo de integração entre dois países. Em 2009, um acordo foi firmado para criar a Zona de Integração Fronteiriça Brasil-Peru (ZIF). A ZIF “considera os âmbitos territoriais definidos pelos dois países, onde se adotaram políticas e projetos conjuntos, com a finalidade de impulsionar a integração regional, respeitando e incentivando a identidade nacional e cultural e o desenvolvimento sustentável”. A ZIF Peru-Brasil compreende 867.022,25 km² e está formada por três setores contíguos: norte, centro e sul. O Acre abrange os setores centro e sul.

No lado brasileiro, a articulação com as organizações indígenas cada vez mais vem se consolidando e ampliando seu raio de ação em comunidades da Reserva Extrativista e do entorno do Parque Nacional da Serra do Divisor. Isso é notório não apenas no âmbito dos grupos de trabalho (GT) mas, também, nas ações conjuntas e intercâmbios promovidos por projetos que atendem as atividades sociambientais da CPI-Acre juntamente com associações indígenas.

Com organizações ambientalistas e indigenistas do lado peruano, esta articulação com o movimento social do Acre deu uma retomada a partir da Oficina Binacional “Hacia um Desarrollo Sostenible Mediante la Integración Fronteriza Acre – Ucayali”, promovido em Pucallpa, em novembro de 2010, pela Fundación Peruana para la Conservación de la Naturaleza – ProNaturaleza, Instituto del Bien Común – IBC, The Nature Conservancy – TNC, com apoio do Governo Regional de Ucayali e Universidade Nacional de Ucayali.

A continuidade dos processos de articulação binacional foi possível a partir do apoio da Rainforest Foundation Noruega, parceira de longa data da CPI-Acre às ações na fronteira e em relação aos índios isolados no projeto “Proteção dos povos indígenas e conservação da biodiversidade na fronteira Acre/Brasil – Peru” (2007-2010). Tais ações também foram facilitadas com o apoio da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), em parte financiado pela cooperação alemã (GTZ), a partir do projeto “Fortalecendo a Integração Fronteiriça Acre Ucayali” (2010 – 2011).

Problemas de Integração

Governos do Peru e do Brasil tem visões e estratégias diferentes para o uso do espaço fronteiriço entre os dois países. No Brasil, existe uma grande zona de conservação e desenvolvimento sustentável, enquanto que, no Peru, existem extensas áreas destinadas à extração dos recursos naturais em escala empresarial, principalmente madeira, petróleo e minerais, as chamadas concessões florestais.

A presença ativa de narcotraficantes, invadindo os territórios brasileiro e peruano, afeta a segurança da população local, assentada nos dois lados da fronteira, somada a ausência de coordenação entre a polícia peruana e brasileira para combater o narcotráfico na área de fronteira. A situação de violação dos direitos humanos e territoriais dos povos em isolamento voluntário é preocupante. Do lado peruano, estas populações são ameaçadas por atividades ilegais realizadas por empresas madeireiras nas Reservas Territoriais Murunahua e Mashco-Piro.

Correrias, contatos forçados, doenças, trabalho compulsório e migrações recentes rumo ao território brasileiro incluem algumas das violações. As invasões de madeireiros ilegais ocasionam migração de parte dos povos isolados para terras indígenas localizadas em território brasileiro, situação comprovada em sobrevôo realizado em abril de 2008, pelo governo do estado do Acre e a Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira da Funai nas cabeceiras dos rios Humaitá, Envira, Riozinho e Xinane. Tais invasões ocorrem nas imediações do paralelo 10º S, ao longo da linha da fronteira Brasil-Peru.

Experiências de Cooperação entre Povos Indígenas na Fronteira Acre-Peru

As iniciativas comunitárias de articulação e troca de experiências sobre gestão territorial e ambiental entre comunidades indígenas na região de fronteira Acre-Peru vem contribuindo para mudanças positivas relacionadas ao uso do território e dos recursos naturais nas comunidades indígenas do Peru. Estes intercâmbios também possibilitam a produção de informações sobre a situação das terras indígenas e comunidades nativas e sobre os problemas que os povos indígenas estão enfrentando por conta da caça e da pesca ilegal em seus territorios e dos projetos de desenvolvimento econômico e infraestrutura na região, como construção de estradas e outras vias de conexão, e a exploração de madeira, petróleo, minérios e gás natural, que impactam seus modos de vida.

Cooperação entre as comunidades indígenas localizadas nas bacias dos rios Juruá, Amônia, Breu e Tamaya (Acre – Ucayali)
povos Ashaninka, Amauaca, Kaxinawá e Jaminawa

As visitas de representantes indígenas que moram em comunidades ao longo do rio Juruá, no Peru (Comunidades Nativas Dulce Gloria e San Pablo), para as aldeias das Terras Indígenas Kampa do Rio Amônia e Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, para o Centro Saberes da Floresta Yorenka Ãtame, escola construída pela povo Ashaninka do rio Amônia, e para o Centro de Formação dos Povos da Floresta da CPI-Acre, no Brasil, possibilitaram aos indígenas peruanos conhecer experiências e práticas de manejo e conservação dos recursos naturais, e de firmar compromissos e acordos por meio de documentos elaborados no final de cada reunião. Isso tem motivado as comunidades indígenas peruanas a repensar sua maneira de utilizar os recursos naturais dos seus territórios. Além disso, as visitas influenciaram na construção de um novo posicionamento político em algumas comunidades, como Sawawo, Nueva Shawaya, Dulce Gloria, impedindo o ingresso de empresas madeireiras dentro dos seus territorios, como acontecia anteriormente.

Esses encontros e intercâmbios contribuem para a reflexão sobre o uso dos territórios indígenas na fronteira Acre-Peru, e para a definição de estratégias de proteção e vigilância desses territórios.

Cooperação entre a Comunidade Nativa do Alto Tamaya-Saweto (Ucayali) e a aldeia Apiwtxa da Terra Indígena Kampa do Rio Amonea (Acre)
povo Ashaninka

A Terra Indígena Kampa do do Rio Amônia (Brasil) faz limite com a Comunidade Nativa Alto Tamaya-Saweto (Peru), território que tem sobreposição de duas concessões florestais, e onde ocorre uma intensa exploração ilegal de madeira, próxima aos marcos de limites internacionais nºs 41, 42 e 43). Essas atividades têm impactado a TI Kampa do Rio Amônia e o Parque Nacional Serra do Divisor. A articulação entre essas comunidades Ashaninka do Brasil e do Peru nessa região se iniciou em 2005 e vem sendo importante para a definição de uma política de proteção para essa área da fronteira Acre-Peru.

Em 2014, quando foram assassinadas quatro das suas lideranças, os Ashaninka da Alto Tamaya-Saweto estavam trabalhando em articulação com os Ashaninka da Acre na busca por alternativas econômicas sustentáveis. Com apoio político e incentivo da Apiwtxa, as lideranças indígenas peruanas vinham lutando contra os ilícitos que acontecem no seu território e pela regularização e titulação do mesmo.

Ambas as comunidades realizaram atividades de monitoramento nas áreas próximas aos limites da fronteira e no percurso da comunidade Alto Tamaya-Saweto para a aldeia Apiwtxa. Também fizeram o levantamento de informações sobre vestígios de madereiros ilegais que possibilitou a sistematização de dados geográficos. Em 23 de julho de 2015, após pressão política a nível internacional   a Comunidade Nativa Alto Tamaya Saweto recebeu o seu titulo de propriedade da sua terra que corresponde a 13.696.73 hectares.

Cooperação entre os Manchineri da Terra Indígena Mamoadate, no Brasil, os Yine da Comunidade Nativa de Monte Salvado, e a Federación Nativa del Río Madre de Dios y Afluentes (FENAMAD) – (Acre-Madre de Dios)

Outro exemplo de cooperação entre as organizações indígenas e indigenistas para a proteção e vigilância dos territórios indígenas transfronteiriços envolve a CPI-Acre, a FENAMAD e o povo Manchineri/Yine do Brasil e Peru. A partir de uma reunião, realizada em maio de 2012, em Rio Branco, esta cooperação ficou institucionalizada com a elaboração da Carta de intenções para criação de um Grupo Técnico de Trabalho para o Monitoramento Georreferenciado de Índios Isolados na região Acre-Peru e, posteriormente, com a assinatura de um termo de cooperação entre FENAMAD e CPI-Acre, realizada em junho de 2014, e com o estabelecimento de uma agenda de trabalho conjunta.

O termo tem como objeto a cooperação técnica entre as instituições para a integração, compatibilização e manutenção de banco de dados geográficos comuns, visando apoiar as atividades no âmbito do mapeamento dos territórios e ameaças aos povos indígenas isolados da fronteira Acre-Peru. Esta cooperação já produziu um mapa-base da região da fronteira Acre-Madre de Dios, além da realização de três encontros de trabalho e três intercâmbios entre lideranças Yine e Manchineri (dois intercâmbios aconteceram na TI Mamoadate, no Brasil, e um em Monte salvado, no Peru).

Essas iniciativas comunitárias de articulação e troca de experiências de gestão territorial e ambiental entre as comunidades indígenas da região de fronteira Acre-Peru estão cada vez mais fortalecidas. Ao mesmo tempo, as comunidades indígenas estão cada vez mais ameaçadas pela políticas econômicas e pelas grandes obras de infraestrutura que visam a integração binacional. Esses empreendimentos também afetam a biodiversidade da região. Nos fóruns coletivos, como o Grupo de Trabalho Transfronteiriço, os indígenas e seus parceiros têm colocado os seus problemas e desafios em discussão. A conservação efetiva das áreas de fronteira e a proteção dos povos indígenas e tradicionais são desafios permanentes na Amazônia.

GT Transfronteiriço

GT Geográfico

Fórum Binacional