Defender a floresta trabalhando na gestão territorial e ambiental das terras indígenas é o objetivo dos participantes do XXII Curso de Formação de Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre, que aconteceu entre os dias 18 de julho e 19 de agosto, no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF), em Rio Branco.
A formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs) teve início em 1996, quando aconteceu o primeiro curso realizado pela Comissão Pró-Índio do Acre. Além dos cursos intensivos que acontecem todos os anos no CFPF, a formação também se dá através de intercâmbios, oficinas e assessorias realizadas nas aldeias.
Nesta edição do curso, que teve o apoio financeiro do Fundo Amazônia, participaram 40 Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs), representantes de 10 povos e 17 terras indígenas do Acre. Entre eles, 11 estavam fazendo o curso pela primeira vez.
Os AAFIs Antônio Gilberto Yawanawá, Francisco Domingos Huni Kuῖ, Ivanildo Paulino Huni Kuῖ, José Marcondes Rosa Puyanawa e Raimundo Mateus Martins Huni Kuῖ concluíram as suas monografias neste ano e celebraram a conquista em uma formatura realizada no dia 12 de agosto.
“Hoje sou um defensor da floresta. Essa escola me fez renascer e me apoiou a trabalhar na gestão territorial e ambiental da minha terra”, falou José Marcondes Rosa Puyanawa da Terra Indígena Puyanawa, que fez a sua monografia com o tema “Nome das coisas, dos bichos, das plantas e de tudo da gestão territorial e ambiental na língua Puyanawa”.
“Quando cheguei nessa escola não sabia a minha língua indígena, não cantava uma música. Hoje, canto, escrevo, e vou cantar uma música que significa força, para pedir a força da floresta, dos animais, da terra e da água, e concluir bem a minha formação”, disse Marcondes, emocionado, durante a formatura.
Ivanildo Paulino Huni Kuῖ, da TI Seringal Independência, que tem 16 anos de trabalho como Agente Agroflorestal em sua aldeia, também falou sobre o seu trabalho: “Fui escolhido pela comunidade e agora tenho esse reconhecimento aqui no CFPF. A gente recebe a semente, planta e cuida da saúde alimentar da aldeia, desde o viveiro, sementeira, até o roçado que nós plantamos”.
O AAFI Raimundo Mateus Martins Huni Kuῖ, da Terra Indígena Colônia 27, disse: “É mais passo que estou dando à frente. Venci aqui e pretendo vencer mais na frente, com um bom trabalho, um resultado melhor, e com uma formação de nível superior”.
A coordenadora do Programa de Gestão Territorial e Ambiental da CPI-Acre, Ana Luiza Melgaço, explicou que AAFIs “estão terminando uma etapa e começando outra, para dar seguimento ao trabalho em suas comunidades, sendo multiplicadores da gestão territorial e ambiental, formando outras pessoas e inspirando as famílias em suas terras”.
No evento de formatura dos AAFIs também aconteceu a exposição “Mitos e Esculturas”, que apresentou as obras produzidas pelos participantes do XXII Curso deste ano durante as aulas de Artes e Ofícios.
O XXII Curso de Formação
A programação do XXII Curso de Formação contou com aulas de Horta Orgânica, Sistemas Agroflorestais, Arqueologia da Amazônia, Quelonicultura, Meliponicultura, Ecologia Indígena, Monitoramento ambiental, Línguas, Informática, Matemática, entre outros temas. Para complementar às aulas teóricas de Arqueologia Indígena, foi realizada uma visita ao geoglifo do “Sítio do Jacó Sá”, localizado na BR-317.
Como parte do módulo de quelonicultura, os AFFIs também visitaram à Estância Terra, onde está instalado o Projeto Tartaruga da Amazônia, um criatório comercial com diversos exemplares de quelônios. “A produção de animais silvestres, como a tartaruga da Amazônia e o tracajá, está presente nos Planos de Gestão Territorial e Ambiental das terras indígenas. A criação de animais em cativeiro visa fortalecer a segurança alimentar dos indígenas, já que estes animais estão em situação de escassez em seus territórios”, explicou Paula Lima Romualdo, assessora técnica da CPI-Acre.
A discussão sobre Cadeia de valor da produção agroflorestal aconteceu em uma reunião de articulação no dia 17 de agosto. Os AFFIs tiveram a oportunidade de debater com os representantes do Governo do Acre sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escola (PNAE). “Vocês que estão terminando esse curso são agricultores em potencial que podem acessar ao PAA”, explicou Carlos da Silva, coordenador estadual do PAA na Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof) do Acre.
O objetivo da reunião foi discutir como os indígenas podem acessar a esses programas buscando uma solução para atender a merenda das escolas indígenas. Identificou-se como um primeiro passo o cadastro dos agricultores indígenas para emissão da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP). Também ficou encaminhado a formação de um coletivo para buscar apoio para a identificação de experiências-modelos, promoção de intercâmbios e formulação de proposta de uma iniciativa piloto para a regionalização da merenda, via PAA e PNAE, nas escolas da Terra Indígena a ser escolhida.
O agente agroflorestal do povo Huni Kuῖ, Lucas Sales Kaxinawá, apresentou uma experiência de merenda regionalizada no Rio Jordão explicando como a comunidade está satisfeita em consumir o alimento que é produzido nas comunidades: “É muito ruim comer o alimento industrializado, não é a nossa tradição”.
Marcondes Puyanawa espera que um dia o trabalho do agente agroflorestal indígena seja reconhecido pelo governo, pelo Brasil e pelo mundo: “Nós somos os guerreiros da floresta. Trabalhamos não só para nós, mas para toda a humanidade. Nós trabalhamos com a floresta e é essa floresta que tem salvado o mundo hoje”.