Por Gleyson Teixeira

 Na última semana aconteceu o Acampamento Terra Livre 2025 (ATL), o principal evento de mobilização nacional dos povos indígenas no Brasil, realizado anualmente em Brasília (DF), com a participação de lideranças indígenas de diversos povos no país, entre elas do estado do Acre.  O encontro é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), junto com as organizações indígenas de base.

Como ocorre há mais de 20 anos, o ATL acontece com muita partilha e compromisso político dessas lideranças e suas organizações. Debates, marchas, atos públicos com autoridades governamentais, parlamentares e instituições formaram a agenda, que é envolvida pela força de rituais tradicionais, cantos e rezos. O ATL é um momento importantíssimo para o fortalecimento e a articulação política, para dar visibilidade às pautas, reivindicar direitos e denunciar violências. Mas é também o espaço de alegria, de encontros entre parentes e com parceiros de luta. É, ainda, um espaço de aprendizagem, por meio das trocas mantidas entre seus participantes, como costuma ocorrer em eventos desse tipo.

A mobilização indígena inspira outros movimentos sociais há bastante tempo, pela centralidade que assume o pertencimento dos participantes ao seu povo, orgulho de sua identidade, ao mesmo tempo que se fortalece um coletivo maior pela união entre diferentes povos, que se juntam em lutas comuns, enfrentando o que os ameaça. O protagonismo das mulheres indígenas é expressivo, garantindo lugar e voz na defesa de direitos e na discussão de políticas públicas, assim como é inspirador observar o engajamento dos jovens nessas mobilizações.

O que vemos crescer também é a criação de redes de apoio e alianças com diferentes grupos da sociedade, como organizações não governamentais nacionais e internacionais, universidades, parlamentares e personalidades públicas. Essas parcerias são essenciais para o engajamento social e para pressionar os poderes públicos.

Comitiva de indígenas do Acre na Marcha “A resposta somos nós”, do ATL 2025 (foto: Ila Verus/ CPI-Acre)

O movimento indígena compreende e comunica de maneira notável à sociedade que suas lutas pelo reconhecimento, demarcação e proteção de seus territórios, bem como pela valorização de suas tradições, são inseparáveis da defesa do meio ambiente e da própria existência humana. Essa percepção se fortalece no cenário de agravamento dos efeitos das mudanças climáticas no planeta. Seus conhecimentos e práticas ancestrais são essenciais para resolver problemas socioambientais globais, oferecendo uma perspectiva de resistência ao desenvolvimento que explora recursos naturais e apontando alternativas para sociedades mais sustentáveis e um futuro equilibrado.

Toda essa mobilização mostra a importância da resistência contínua diante de ataques e retrocessos, como a questão do Marco Temporal, que estabelece que os indígenas têm direito somente às terras que estavam em sua posse ou em disputa no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O Marco Temporal foi transformado na Lei 14.701/2023, com o apoio da maioria dos parlamentares acreanos, enfraquecendo a demarcação de novas terras indígenas no estado, assim como ameaçando aquelas já reconhecidas. Além disso, favorece o avanço de projetos de mineração e agronegócio em territórios indígenas e o desmonte de políticas públicas voltadas aos povos.

A APIB e seus aliados estão na luta contra o Marco Temporal, agora tentando derrubar a lei no Supremo Tribunal Federal (STF). O mesmo tribunal que já julgou em 2023 que o Marco Temporal fere os direitos dos povos indígenas, desta vez, por meio de um de seus ministros, Gilmar Mendes, decidiu criar uma comissão especial para discutir e “conciliar” posicionamentos contrários à nova lei e aqueles que são favoráveis. Partidos políticos como o Partido Liberal (PL), o Progressistas (PP) e o Republicanos (REPUBLICANOS) solicitaram ao STF a validação da Lei 14.701/2023, ou seja, depois de aprovarem no Congresso Nacional, continuam forçando a aceitação de uma lei inconstitucional. Precisamos lembrar que a maioria dos deputados federais acreanos são membros desses partidos.

Denunciando uma “conciliação forçada”, a APIB decidiu se retirar da comissão do STF durante a realização da segunda audiência, por considerar inadmissível qualquer negociação sobre direitos fundamentais dos povos indígenas. Nas 16 outras audiências realizadas até o momento, fica evidente que essa tentativa de conciliação é prejudicial aos direitos indígenas.

De olho nos parlamentares

Existem outros projetos legislativos anti-indígenas que recebem o apoio dos senadores e da maioria dos deputados federais do Acre. Entre os projetos que tramitam no Congresso Nacional, vale destacar a PEC 48/2023 (apelidada de PEC da Morte), que propõe alterar a Constituição Federal para incluir a tese do Marco Temporal, defendida pelos senadores Márcio Bittar (Partido União Brasil) e Sérgio Petecão (Partido Social Democrático – PSD). Outra Proposta de Emenda à Constituição é a PEC 59/2023, apoiada pelo senador Alan Rick (Partido União Brasil), que visa transferir para o Congresso Nacional a responsabilidade de demarcação das terras indígenas, tirando essa função das mãos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e permitindo que deputados e senadores decidam sobre o reconhecimento dos territórios.

Diante de todos esses ataques, as mobilizações indígenas se fortalecem e estão presentes em diversas parte do país, denunciando e monitorando os retrocessos impostos por decisões políticas, como o Marco Temporal. É fundamental também estarmos atentos ao apoio que parlamentares acreanos dão ao desmonte de direitos e a projetos que ameaçam os territórios e os modos de vida dos povos, colocando em risco o futuro de todos nós.