por Pupuã Pedro Muniz

Eu me chamo Pedro Evaristo Muniz, Pupuã na língua indígena Nukini. A Terra Indígena (TI) Nukini fica no estado do Acre, Brasil.  O rio que nos serve de estrada é o rio Moa. A TI Nukini faz fronteira com o Peru através do Parque Nacional da Serra do Divisor, que atrai muitos turistas.

Fui criado pela minha avó D. Maria Siqueira. Na mesma hora que eu nasci ela me pegou como parteira e pediu para minha mãe para me criar. No tempo da seringa nós até fizemos uma casa na beira do Igarapé Montevidéu. Eu tinha 5 anos e meu tio me carregava no ombro para o centro da mata. Eu comia muita carne de macaco, veado, porquinho etc. Foi quando eu fui conhecendo as frutas, as terras, os piques de caçada. Só em 2014 comecei os estudos de Agente Agroflorestal Indígena (AAFI), com a Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre), participando de oficinas, assessorias e intercâmbios e em 2016 comecei o curso de formação. Hoje eu já sou formado, fiz ensino médio profissionalizante no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF).

Eu escolhi esse tema das frutas nativas da mata para fazer minha pesquisa de monografia porque eu vivo dentro da floresta e as plantas vivem também. Elas servem de alimento para a gente e servem de medicina. Muitas vezes a gente se cura com estas medicinas, assim como os animais. Quando uma pessoa vai caçar e atira no macaco barrigudo e no macaco preto e não mata, eles vão feridos, pegam as folhas de plantas, amassam, fazem uma trouxinha, colocam na ferida e se curam. São quase gente esses macacos!

Na floresta foi onde eu conheci xahu, awa, navi, mari, comendo vinu. E também conheci as cobras pico de jaca, jararaca, surucucu e também os bichos tamanduá bandeira, tucandeira, lacrau, bicho preguiça. Eu já peguei ferrada de lacrau e tucandeira, doeu muito. Foi por isso o que eu escolhi esta pesquisa. Quando a pessoa leva uma picada de cobra, por exemplo, ela se serve das medicinas da floresta sagrada.  Então, tem que andar direito nela e respeitar a nossa floresta. Tem tudo dentro dela. É o nosso mercado e a nossa farmácia viva.

 

As frutas nativas da mata

Como AAFI, eu estou trazendo as sementes das frutas nativas para plantar dentro do SAF na beira das trilhas da terra indígena. Estou trazendo para perto de casa para as novas gerações conheçam estas frutas também.

Com essas frutas da floresta, quando está chegando o mês delas botarem frutas, os animais como navi, mari, haru, anu, chegam para perto de casa, pois eles vêm para comer estas frutas. Os animais aparecem no mês de cada fruta que estão caídas no chão. Naquele mês fica bom de caça porque o raui sai de dentro do buraco para comer a frutas. Também o xaru, anu, mari vem para perto por causa das frutas e a gente topa com as caças debaixo do pé de fruta.

Na pesquisa sobre as frutas nativas da mata, eu lembro das histórias da minha avó e dos meus tios. Quando era no tempo que eles tiravam caucho para fazer a borracha, eu era menino novo e andava mais eles nos piques. E a gente pegada muitas frutas que tinha nos piques e eles iam me dizendo o nome das frutas que a gente come e as que a gente não come. A minha pesquisa é a minha história e minhas lembranças desta memória. Vou apresentar algumas das frutas nativas que eu pesquisei:

Ramaxuku: habita na terra firme. É uma fruta muita boa, mas quando a gente come, faz uma caretinha porque ela é um pouco azedinha. Ela serve de alimentos para os animais- macaco capelão, porquinho, jabuti, veado. O mês que ela dá fruta é de março a maio. No final de maio as caças estão mais gordas, com muitas vitaminas das frutas e fica uma caça boa de comer.

 Pariri (gulosa):habita na terra preta e serve de alimento para o povo Nukini. O mês dela é abril e maio. A pariri tem um cheiro muito forte; a gente come a fruta, mas tem que saber comer. Se comer muito dá agonia; se tiver com fome tem que comer pouco, mas se tiver com a barriga cheia pode comer muito. A casca dela tem leite e não pode engolir. Ela serve de alimento para os animais como macaco, visu, sukuri, awa, xaru, anu, raui. Todos estes animais que comem a fruta pariri ficam limpos de vermes. Também serve de alimento para o caçador que anda na floresta.

Buriti: habita na terra baixa. O mês dele é de setembro e vai até dezembro, tem muito buritizal na TI Nukini. A gente bebe o vinho, come com farinha e com carne; rói até o caroço. O óleo dele serve de medicina para picada de cobra. Para inchação da picada a gente bebe um pouco e passa em cima da ferida da picada. A palha do buriti serve para fazer artesanato como saia e corda. O tatu no tempo que o buriti está caindo ele fica tão gordo, que ele fica mais de cinco a dez dias na casa dele.

 Xekuni (cajá):  habita na terra firme e tem na margem dos igarapés, mas é mais difícil. Xekuni serve de alimento para o povo Nukini. O mês dele é julho. Dá um suco muito bom. É alimento para os animais como raui, haru, mari. Quando o raui come a cajá até escorre água do canto do olho dele de tanto que a fruta é azedinha. A casca do pé de cajá serve de medicina para lavar um golpe, para curar inflamação. Ela emenda o golpe que está aberto.

Quando eu tinha 12 anos eu me lembro que eu ia caçar mais meus parentes e a gente comia muito frutas e trazia para casa, e no outro dia a gente comia e jogava fora a semente. Nesse tempo a gente não plantava, só tirava e tinha muita fruta. Naquele tempo as pessoas não derrubavam muito. Porque tinha poucas famílias e tinha muita fruta. Com o tempo as famílias foram aumentando muito; colocavam roçando e outros colocavam campo e as frutas foram ficando mais longe e hoje estou ajudando a trazer para mais perto de casa.

Esta pesquisa faz parte do meu trabalho como AAFI, porque eu sou também educador ambiental. Onde está nossa floresta, está nossa medicina tradicional, nossos alimentos, as frutas as madeiras de lei e os animais. É o nosso mercado, uma fonte de alimentos; é a farmácia dos Nukini. Nós sustentamos a floresta e ela nos sustenta. É uma escola espiritual. Os AAFI fazem o manejo das plantas – medicinas, frutas, madeira de lei etc.

*Este artigo foi retirado da monografia apresentada por Pupuã Pedro Muniz para conclusão do Ensino Médio Profissionalizante como Agente Agroflorestal Indígena, iniciado em 2009 junto à Comissão Pró-Índio do Acre, no Centro de Formação dos Povos da Floresta. Orientadora: Vera Olinda Sena de Paiva