Através de iniciativa protagonizada pelo Povo Huni Kuĩ e sob coordenação do Professor Doutor Joaquim Maná, foi realizada durante os dias 25 de novembro a 8 de dezembro de 2016 na Terra Indígena Kaxinawá Praia do Carapanã- aldeia Água Viva; oficina de Hãtxa Kuĩ e reflexão sobre a Política de Educação Huni Kuĩ. O grande encontro reuniu 68 professores das regiões de Tarauacá, Feijó, Jordão e Marechal Taumaturgo e teve como objetivo geral fortalecer a educação diferenciada, intercultural e bilíngue do Povo Huni Kuĩ.

Joaquim Maná no inicio da oficina fez uma comparação entre a língua Hãtxa Kuĩ e a língua Portuguesa:

“Durante a nossa formação, através de uma contribuição coletiva, fomos identificando algumas situações dentro do conhecimento do nosso povo. O domínio da língua que temos hoje não é suficiente e começamos a questionar: O que somos agora? Estamos fortalecendo a nossa cultura, enfraquecendo… E chegaram em um desenho, através de falas de situações variadas das Terras Indígenas, chegamos à explicação que uma cultura está engolindo a outra cultura, fazendo um desenho de duas cobras se engolindo. A cobra engolindo seria a língua portuguesa, que está engolindo a cobra pequena, representando a cultura Huni Kuĩ.

No decorrer dos trabalhos, os professores apresentaram a situação da língua indígena em suas terras, evidenciando uma variação entre regiões. Por conta da proximidade do município e uma relação mais frequente com esta sociedade, refletiu-se que a população da região de Feijó necessita fortalecer mais o uso da língua junto as suas comunidades. Nas demais também existe ainda uma variação, porém grande parte destas TIs tem como primeira língua a língua materna. Historicamente, o contato com o homem branco, intensificado durante os tempos do cativeiro (tempo dos seringais) quando os indígenas foram explorados como mão de obra no corte da seringa, o uso da língua indígena era proibido pelos patrões. A partir da conquista da terra, torna-se possível a manifestação de suas culturas de forma livre, dando força a movimentos de revitalização cultural, principalmente no que diz respeito ao fortalecimento da língua indígena.

De acordo com o professor e presidente da Associação dos Produtores e Criadores Kaxinawá da Praia do Carapanã (ASKPA) José Benedito, os professores que participaram do curso estavam em processos distintos de formação:

“Têm pessoas que estão iniciando agora e tem muita dificuldade tanto na escrita como na fala. Já têm outras, vindas de terras indígenas que permaneceram na sua própria cultura, que apresentam uma boa fala na língua. Mas falar é uma coisa e escrever é outra coisa. Durante nossos trabalhos nesta oficina, percebemos que, com relação a escrita, todos estão no mesmo nível. Então precisamos melhorar a nossa gramática e nossa grafia da língua de nosso povo Huni Kuĩ e disso possamos fazer um material didático de qualidade. No passado os professores escreveram, mas não produziram um material didático. Eles registravam as palavras, mas hoje se percebe que os textos não têm uma gramática, pontuações, etc… Agora estamos corrigindo e definindo parte desta questão.

Os povos indígenas são de tradição oral e a codificação escrita ainda é um processo em constante construção e transformação. Segundo o professor Iskubu da TI Kaxinawa Ashaninka do Rio Breu:

” A escrita e a leitura são conhecimentos recentes para os indígenas. É uma experiência nova, que se formos comparar com o ciclo de vida do homem, estaríamos ainda na juventude. É importante termos pessoas que orientam essa nova formação e vemos o Joaquim Maná investindo muito nisso. Ele foi estudar a nossa língua, que é a nossa raiz. Nesse momento político do Brasil, em crise, o povo tem que pensar em se organizar melhor, sonhar junto com isso e o Joaquim tem sonhado isso junto com a gente.”

Durante os dias de oficina, além do conteúdo trabalhado em sala de aula, muito tempo se dedicou as manifestações culturais. Katxanawa, Nixi pae, Kampo, cantorias e cinema indígena, recheavam o conteúdo educacional. Além dos professores participantes do curso, agregavam-se ao grupo lideranças, agentes agroflorestais, artesãs, pajés, agentes de saúde e comunidade em geral; destacando a importância de iniciativas como esta, serem desenvolvidas nas próprias terras indígenas. Ações nesta linha destacam a construção de uma educação do povo Huni Kuĩ, construída pelo povo e junto ao povo.

“A gente não pensa que só os professores são formadores, tem professores da planta medicinal, professor de músicas tradicionais, professor das histórias antigas, o agroflorestal também como professor. Pensamos numa formação dos alunos para a vida, uma vida na aldeia, junto a sua comunidade. Não é pra formar aqui e pensar trabalhar no município.

A educação é específica de cada povo. É uma discussão que já estamos fazendo há um tempo e acredito que os outros povos também vão ter essa iniciativa, para uma educação realmente diferenciada, uma educação pra cada povo. Porque hoje estamos homogeneizados, o Brasil homogeneizou tudo. Para eles que não conhecem a cultura, vão achar que os povos indígenas distribuídos pelo Brasil são todos iguais, sem reconhecer a nossa diversidade”

Antes do encerramento das atividades, houve um momento de discussão de projetos parceiros da educação Huni Kuĩ, com a participação da CEI/SEE-AC, Comissão Pró-Índio do Acre, IFAC/ Tarauacá, IPHAN e FUNAI. Estes parceiros foram convidados com o propósito de articular e apoiar as ações protagonizadas pelo povo Huni Kuĩ junto a setores governamentais e não-governamentais, cujos princípios e objetivos se relacionam com os dos movimentos indígenas.

A Comissão Pró-Índio do Acre, com sua trajetória de três décadas e meia atuando na formação de professores indígenas, a partir de concepções e práticas instituídas pelo projeto “Uma Experiência de Autoria dos Índios do Acre”, que se expressaram em outras linhas de processos de educação junto a jovens e adultos indígenas nas áreas de saúde, agricultura e meio ambiente; foi convidada a relatar sobre a formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs), desenvolvida pela organização desde 1996 e atualmente coordenada pelo Programa de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA).

Foi discutido junto aos participantes e também na presença dos AAFIs da TI Kaxinawá da Praia do Carapanã, o Plano Político Pedagógico de Formação dos Agentes Agroflorestais, um plano pautado na formação de indivíduos que atuam com sistemas agrícolas, recursos florestais renováveis, manejo e conservação dos recursos naturais e que dominem os processos de gestão socioambiental. Estas capacidades detalham habilidades técnicas, além de um conjunto de valores éticos e étnicos, explicitados nos objetivos e justificativas de ordem político-culturais. Este conjunto de aspectos do currículo de formação tem sido objeto de reflexão e debate frequente durante os cursos presenciais desenvolvidos pela CPI-Acre nas aldeias, articulado entre estudantes, professores e lideranças indígenas, com os assessores não indígenas; prática esta que caracterizada a aplicação do conceito de autonomia e co-autoria fortalecido pela organização.

“Estamos buscando cada dia mais a nossa tradição, o nosso conhecimento e buscando trazer isso pra formação do povo. Antes a gente não tinha esse privilégio de ouvir o nosso povo falando na língua, praticando a nossa cultura e hoje já avançamos muito e temos buscado isso na educação, dentro da escola trazendo essa força junto às novas gerações” (Professora Maria Delcinília, aldeia Água Viva).