O coletivo Mahku – Movimento dos Artistas Huni Kuĩ coordenado pelo professor e artista plástico Isaias Sales Ibã, está no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF), da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), participando do XXVI Curso de Formação de Agentes Agroflorestais Indígenas (AFFIs). Ibã foi aluno da primeira turma do curso de magistério indígena da CPI-Acre, em 1983, formando-se como professor em 2000. Agora ele retorna ao CFPF para trabalhar Artes e Ofícios com os AAFIs, ensinando desenho e pintura em tela com tinta acrílica inspiradas nos cantos rituais de nixi pae, do povo Huni Kuĩ.
Nos anos anteriores do Curso de Formação, os AFFIs trabalharam em esculturas de madeira com personagens mitológicos e criação de móveis de cipó. Também receberam aulas de ilustração científica em aquarela e foi nesse módulo que Acelino Huni Kuĩ, AAFI que hoje integra o coletivo Mahku, descobriu-se ilustrador. As mais de 30 telas produzidas pelos AAFIs serão expostas e comercializadas pelos alunos na Casa dos Autores, no CFPF à partir do dia 11 de novembro.
“Todos os anos trabalhamos na disciplina de Artes e Ofício com temas relacionados a cosmologias desses povos, através de personagens mitológicos que tem uma relação na conservação dos recursos naturais. Neste ano Ibã ensina aos alunos o trabalho de pintura em tela através das narrativas das canções de huni meka” conta Renato Antonio Gavazzi, coordenador pedagógico do Curso de Formação de AAFIs, que desde 1996 é responsável pela disciplina Artes e Ofício.
Já foram ministradas no XXVI Curso de Formação, que iniciou no dia 14 de outubro e finaliza no próximo dia 16, as disciplinas de Criação e Manejo de Animais Doméstico e Silvestre; Cartografia Indígena; Horta Orgânica; Língua Indígena e Portuguesa; Fundamentos Diretrizes da Função do AAFI, Informática e Agrofloresta. Nessa semana, além de Artes e Ofício, os alunos também estão estudando Ecologia Indígena com a professora Julieta Matos Freschi, e na semana seguinte serão ministradas aulas de Matemática e Educação Ambiental.
O XXVI Curso de Formação de AAFIs é uma das ações do projeto Experiências Indígenas de Gestão Territorial e Ambiental no Acre, comtemplados na Chamada Pública PNGATI, de 2015, financiando pelo Fundo Amazônia/BNDES e executado CPI-Acre, em parceria com a Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC) e as associações de oito Terras Indígenas no Acre.
Ibã Huni Kuĩ
Foi nos nas suas pesquisas sobre as canções de huni meka, que Isaias Sales Ibã descobriu que as cantigas Huni Kuĩ ganhavam forma e as mensagens poderiam ser ilustradas em tela. Confira abaixo nossa conversa com Ibã.
Como é retornar a CPI-Acre como professor?
Eu iniciei minha formação na CPI-Acre em 1983 estudando magistério indígena. Aqui eu me destaquei e em 2000 me formei como professor indígena, foi uma linda festa de formatura. Esse ano completa 40 anos de CPI-Acre, um lugar certo que temos para receber todos os povos do Acre para ensinar. O Centro de Formação dos Povos da Floresta já formou Professores Indígenas, Agentes de Saúde e Agentes Agroflorestais Indígenas. A gente sabe que o resultado é pró índio mesmo, para o índio. Veja só, hoje estou finalizando um livro sobre cantos e memória Huni Kuĩ que vai ser apresentado, com um dossiê sobre minha trajetória, à Universidade Federal do Sul da Bahia para eu receber o título de doutor por notório saber. Quando terminei o magistério me matriculei na Universidade Federal do Acre em Cruzeiro do Sul, e continuei meus estudos. Foi nessa época que retomei minha pesquisa sobre música da ayahuasca, que comecei lá no magistério. Eu comecei a perguntar para meu pai, com quem ele aprendeu essas músicas. Ele dizia que aprendeu com meu avô, tios, primos e eu ia anotando, escrevendo, perguntando para que serve essas músicas, o tempo que pode usar, porque é uma música que fala da bebida (ayahuasca). É igual rezar, é um conselho, pode escutar bem, a música está nos aconselhando. Então pedi para me ensinar, perguntei para que que serve tomar ayahuasca, e ele me dizia que era para se tratar. Antigamente não existia outro tratamento, tomava a bebida para saber por que estava doente. A CPI-Acre nos incentiva, nos ajuda a melhorar nosso conhecimento, do povo da floresta.
Qual a importância de trabalhar a pintura com as mirações da ayahuasca?
Escrevendo meu livro Nixi Pae – O Espírito da Floresta, que trata sobre a música da ayahuasca, eu fui ver que o que temos de mais antigo é a nossa língua. Tem poética e tem palavras encantadas nessa língua antiga. Nada é inventado, tudo já existe nessas canções. Quando você ouve uma canção, você fica pensando o que quer dizer? No verso nai mãpu yubekã tem céu, pássaro e jiboia. Então essa língua vai para a tela, é o espírito da floresta que vai para a tela.
E o que nos diz sobre essa experiência com os agentes agroflorestais indígenas?
Eles tem muita facilidade com desenho, mas é diferente pintar mirações. Eu vejo os trabalhos, e mesmo sendo os primeiros, estão ficando muito bons né? Eles são protetores da floresta, e isso é proteger todo o planeta. Eu digo para esses jovens AAFIs que trabalham com meio ambiente que é importante que a Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas [Amaaiac] se fortaleça, que eles segurem esse conhecimento.