O Projeto de Lei 225/2020, que regulariza a exploração de florestas públicas por empresas privadas no Acre, voltou a ser debatido na manhã desta quinta-feira, 13, em audiência pública on-line realizada pela Assembleia Legislativa do Acre (Aleac). O PL foi enviado pelo governo do estado para ser votado no final de 2020 e está prestes a ser colocado na pauta novamente, ainda que as organizações representativas de extrativistas e povos indígenas aleguem que as concessões florestais, da forma que estão previstas no PL, poderão causar impactos socioambientais. A audiência pública teve mais de 50 convidados, entre deputados, lideranças comunitárias, pesquisadores e membros da sociedade civil, entre os quais a Comissão Pró Índio do Acre (CPI-Acre).
Em 2001, o Acre cria a Lei 1.426 que trata sobre a preservação e conservação das florestas do estado, institui o Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas, cria o Conselho Florestal Estadual e o Fundo Estadual de Florestas. Essa mesma lei trata sobre a concessão de florestas que estão sob a gestão do estado, incluindo as florestas estaduais. Só em 2006 o governo federal cria a Lei 11.284, que apresentava a gestão de florestas públicas para a produção sustentável no âmbito federal. Desde o ano de 2006, o estado do Acre vem elaborando estudos para atualizar seu marco jurídico sobre a gestão das florestas públicas de propriedade do estado do Acre para produção sustentável. Agora, em 2021, o Projeto de Lei 225 atualiza as regras para a gestão de florestas públicas, tratando sobre a concessão florestal de uma forma mais integrada com a lei de 2006 do governo federal.
Se aprovado, o PL 225 atualizará os regramentos estaduais para processos de concessões florestais em áreas naturais protegidas que estejam sob a gestão do estado. As áreas elegíveis para concessões já estão descritas no Plano Anual de Outorga Florestal 2020 (PAOF) e mira no Complexo de Florestas Estaduais do Rio Gregório (CFERG), formado pelas Florestas Estaduais do Mogno, do Rio Gregório e do Rio Liberdade.
Quando foi criado em 2008, o Complexo de Florestas Estaduais do Rio Gregório (CFERG), o pensamento comum era, mais do que o uso, a conservação dos recursos naturais, assegurando às populações locais os meios de subsistência. Hoje todas as atenções estão voltadas para tornar possível naquela área a exploração madeireira por empresas privadas. De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente do Acre (SEMA), são 430.591,37 mil de hectares elegíveis para a concessão.
O mesmo PAOF descreve que no complexo residem mais de 800 famílias, identificadas pelo Instituto de Terras do Acre (ITERACRE). Para Dione Torquato, secretário geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), nenhuma legislação pode fugir do direito das comunidades locais ao uso do território, e que todo desenvolvimento deve ser compatível aos modos de vida dessas populações. “O manejo comunitário dessas áreas deve estar assegurado e isso deve vir em primeiro lugar”, disse Dione.
Na audiência, a sociedade civil destacou a necessidade de aprimorar o projeto de lei antes de ser votado. É necessário incluir dispositivos de controle legal e de incentivos para participação de cooperativas e associações. “Já existe um processo de manejo comunitário há vários anos no complexo que precisa entrar em produção rápida, primeiro que a concessão de madeiras para empresas. O PL deve garantir mecanismos para participação de organizações comunitárias no processo, tanto pra concorrer na licitação através de cooperativas quanto para opinar nos critérios de avaliação e seleção de empresas concessionárias”, reforçou Moacyr Silva do WWF-Brasil, completando que o PL 225/2020 pode ser melhorado no que se refere aos mecanismos e garantias de maior aproveitamento de mão de obra local nas atividades do manejo e de uma melhor repartição de benefícios sociais e financeiros com as comunidades locais.
Também foi citado na audiência desta quinta-feira que não há no PL dispositivos que regulem os benefícios sociais previstos nas concessões. “Como esses benefícios serão distribuídos? Não aparecem quais mecanismos irão monitorar e regular os benefícios sociais”, questiona Luiz Augusto Azevedo, professor do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre (UFAC). Outro questionamento da sociedade civil foi quanto ao impacto na fauna e segurança alimentar das populações locais e também quais espécies madeireiras seriam manejadas.
A Floresta Estadual do Rio Liberdade, uma das 3 do CFERG, faz divisa com a Terra Indígena Rio Gregório, onde vivem os povos Yawanawa e Noke Ko’í (Katukina). A secretária executiva da CPI-Acre, Vera Olinda, reforça que os impactos nas terras indígenas precisam ser considerados. “A base deve ser o direito de consulta das comunidades e os princípios do direito ambiental. Além disso, outros aspectos, como o social e o ambiental devem ser tratados como importantes e não apenas o econômico. A distribuição dos benefícios deve ser definida para evitar que empresas lucrem e as comunidades não tenham os benefícios justos. A relação é sempre desigual, o que deve ser evitado. Outro ponto é que para uma lei como essa se efetivar com justiça social é preciso que os órgãos de fiscalização e controle tenham orçamento e funcionem com transparência, sem ingerência política. A audiência apontou que é necessária uma etapa de aprimoramento ainda”, diz Vera. (Comunicação/CPI-Acre)