Na década de 1980, empresas madeireiras da família Cameli causaram
profundos danos ambientais e culturais ao povo Ashaninka do rio Amônia. Para
explorar madeiras nobres, principalmente cedro e mogno, essas empresas invadiram o
território ashaninka em três ocasiões: 1981, 1985 e 1987. As madeireiras abriram
dezenas de quilômetros de estradas e ramais na mata, afetando mais de ¼ da Terra
Indígena Kampa do Rio Amônia. A exploração predatória de madeira levou a
consequências dramáticas para o meio ambiente e os Ashaninka. Enormes parcelas de
floresta foram destruídas, empobrecendo significativamente a biodiversidade da
região. As explorações madeireiras afugentaram a caça e poluíram os rios. Enquanto
os donos das empresas lucravam milhões de dólares no mercado internacional com a
venda de madeira nobre, o povo Ashaninka do rio Amônia, cujo modo de vida é
baseado na agricultura de subsistência, pesca, caça e extrativismo, vivia a pior crise de
sua história: trabalho forçado para os madeireiros, doenças, mortes, perdas culturais,
etc.
Aos poucos, os Ashaninka do rio Amônia se organizaram e se recuperaram do
trauma sofrido. Expulsaram os madeireiros, lutaram para a demarcação de sua terra e
iniciaram uma longa luta pela recuperação ambiental do seu território com projetos de
reflorestamento e de desenvolvimento sustentável. Essas ações se estenderam
progressivamente a toda a região do Alto Juruá, beneficiando populações indígenas e
não indígenas.
Ao longo dos últimos trinta anos, as ações dos Ashaninka do rio Amônia em
prol do desenvolvimento sustentável não só do seu território mas de toda a bacia do
Alto Juruá, uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, têm recebido
importante reconhecimento nacional e internacional. A Associação dos Ashaninka do
Rio Amônia (APIWTXA) tem sido periodicamente homenageada com vários prêmios
por suas ações em defesa do meio ambiente e da Amazônia em geral. A última dessas
homenagens foi a outorga do Prêmio Equatorial do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), recebido na sede da ONU, em Nova Iorque, em
setembro de 2017.
A luta constante e incansável dos Ashaninka do rio Amônia para a proteção da
Amazônia e das populações tradicionais, indígenas e não indígenas, está novamente
ameaçada por decisões arbitrarias de justiça brasileira. Em 1996, a APIWTXA, em
ação ajuizada pelo Ministério Público Federal do Acre, denunciou à justiça brasileira
os donos das empresas madeireiras responsáveis pela devastação de parte de seu
território na década de 1980. A Ação Civil Pública de indenização por atos ilícitos,
danos morais e a ambientais, cometidos pelos donos das madeireiras contra o povo
Ashaninka se arrasta há mais de trinta anos no sistema judiciário brasileiro.
Os réus foram condenados em primeira instância na Justiça Federal do Acre,
em segunda instância no Tribunal Regional da 1ª Região em Brasília e, também, no
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, em 2007, os ministros do STJ condenaram
por unanimidade os réus ao pagamento de uma indenização milionária aos Ashaninka
e à União. Contudo, a decisão do STJ não pôs fim ao processo. Diante de uma nova
derrota, os réus usaram manobras jurídicas e apelaram ao Supremo Tribunal Federal
(STF) onde o processo está desde 2011.
Em seu recurso ao STF, a família Cameli e seus advogados alegam a
prescrição do dano ambiental, cuja imprescritibilidade já foi reconhecida pelo STJ.
Assim, mesmo derrotados em todas as instâncias, os réus continuam omitindo suas
responsabilidades e protelando a decisão judicial. Agora, conseguiram, no STF, mais
tempo para não cumprir o que determinou a Justiça.
Em 25 de agosto de 2017, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do
processo no STF, decidiu, num primeiro momento, rejeitar o recurso dos réus,
impondo mais uma derrota aos madeireiros. Em 9 de maio de 2018, alguns meses
após sua primeira decisão, o mesmo Ministro, numa atitude surpreendente,
reconsiderou seu posicionamento e revogou sua própria decisão sem explicar os
fundamentos de tal mudança. Ao agir dessa forma, o Ministro Alexandre de Moraes
deu início à discussão no STF para decidir se há imprescritibilidade dos danos
ambientais cometidos pelos réus. A defesa dos Ashaninka já protocolou novo recurso
ao STF e aguarda posicionamento do Ministro Alexandre de Morais e da Suprema
Corte.
A APIWTXA se mostra profundamente indignada e preocupada com as
manobras políticas e judiciais que têm ocorrido ao longo de mais de três décadas no
âmbito deste processo. As manobras dos réus e de seus advogados visam ocultar a
responsabilidade da família Cameli pelos crimes ocorridos na década de 1980. Cabe
lembrar que essa família integra a elite política e econômica do Acre. Orleir Cameli
foi governador do Estado do Acre de 1994 a 1998. Seu sobrinho, o atual senador
Gladson Cameli, é pré-candidato ao governo do Estado nas próximas eleições.
Os Ashaninka continuam acreditando na justiça brasileira e no respeito à
Constituição Federal de 1988 da qual a Suprema Corte é a guardiã. Contudo, a
lentidão no julgamento desse processo e as mudanças recentes nos preocupam muito.
A APIWTXA está atenta e repudia manobras políticas que procuram pressionar o
judiciário. Está determinada em sua busca por justiça e continuará sua luta em defesa
do povo Ashaninka.
Salientamos que o que está em jogo nesse julgamento não é simplesmente o
interesse de uma comunidade indígena que luta para defender seu modo de vida e
proteger seu território contra as ações criminosas de representantes da elite politica e
econômica regional. A luta do povo Ashaninka do rio Amônia é movida por um ideal
que deveria ser abraçado por todos nós. A defesa da Amazônia, a proteção da
biodiversidade, o combate às mudanças climáticas e a busca de alternativas
econômicas que possam garantir a sustentabilidade ambiental dos nossos recursos
naturais deve ser uma bandeira comum, de interesse de todos, independentemente de
partidos políticos e ideologias. A APIWTXA tem feito sua parte e continuará a trilhar
esse caminho para concretizar esse ideal, em beneficio não só da comunidade
Ashaninka do rio Amônia, mas da população do Alto Juruá, da Amazônia, do Brasil e
do mundo.
Aguardamos dos Excelentíssimos ministros do STF, o respeito à nossa cultura,
à nossa história e o reconhecimento da nossa luta. Esperamos que o consideração do
STF para com o povo Ashaninka não se restrinja às fotografias da exposição
permanente, ofertada por Sebastião Salgado, que ornam as paredes da sublima Corte.

Aldeia Apiwtxa, Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, 24 de Maio de 2018
Marechal Thaumaturgo – Estado do Acre

 

Confira também:

https://cpiacre.org.br/conteudo/2018/05/23/apoio-aos-ashaninka-da-terra-indigena-kampa-do-rio-amonia/

http://pagina20.net/v2/foi-o-pior-exemplo-da-nossa-historia-diz-ashaninka-sobre-desmatamento-ilegal-praticado-por-empresa-dos-cameli/