CARTA DAS LIDERANÇAS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS
Centro de Formação dos Povos da Floresta
11 de maio de 2018

Nós, Povos e Organizações Indígenas, abaixo assinados, reunidos no dia 11 de maio de
2018 no Centro de Formação dos Povos da Floresta, em Rio Branco-AC, vimos por meio
desta carta manifestar o nosso posicionamento sobre o momento trágico que vivemos na
história recente de nosso país, marcado por retrocessos nos direitos humanos, pelo
avanço das ameaças aos nossos territórios e modos de vida e atos de violência e
criminalização contra nossas lideranças. Na ocasião também reafirmamos nossas lutas,
nossa união e como estamos avaliando quem está de fato ao nosso lado na construção de
um Acre e um país melhor para todos.

Estamos unidos aos demais parentes através da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB) e na realização do Acampamento Terra Livre (ATL), ocorrido em Brasília
entre os dias 23 a 27 de abril e nossa voz está no documento final “O nosso clamor contra
o genocídio dos nossos povos”.

O que denunciamos: a) o desmonte e uso político dos órgãos do Poder Público federal, a
exemplo da FUNAI e da SESAI; b) a paralisação e enfraquecimento de políticas e
programas federais que apoiam nossos trabalhos; c) a paralisação das demarcações e a
tentativa de anulação dos processos de reconhecimento de terras indígenas, d) as
propostas de Emendas à Constituição, como a PEC 215 e Projetos de Lei que colocarão
fim à demarcação e proteção de nossas terras, favorecendo invasões por empreendimentos governamentais e privados; e) os grandes projetos de infraestrutura e de exploração de recursos naturais em áreas que estão no entorno de terras indígenas e que irão impactá-las; f) o ataque do agronegócio, dos ruralistas sobre as terras indígenas e g) a atuação do Judiciário em enfraquecer o reconhecimento de terras indígenas ao exigir que serão demarcadas apenas aquelas terras onde nossos parentes estivessem na data da
promulgação da Constituição Federal de 1988. Isso é erro grave, pois nossa história não
começa nessa data.

Denunciamos também a violência e criminalização de nossas lideranças no Acre e no
restante do país por lutarem por nossos direitos, somados aos casos onde a ignorância e o preconceito por parte de alguns membros dos órgãos de justiça e segurança pública tem
penalizado injustamente alguns de nossos parentes. No Brasil como um todo, seja para os
povos indígenas como para os brancos que não podem pagar um advogado, sabemos que
não existem ainda as condições de assistência pública para que possamos ter acesso ao
amplo e efetivo apoio jurídico nos processos.

Nossos direitos são resultados de várias conquistas realizadas pelas nossas comunidades
ao longo dos últimos 40 anos aqui Acre. Estamos mantendo e ampliando essas lutas e
conquistas iniciadas com grandes lideranças no passado, que juntamente com nossos
parceiros indigenistas desde então, tiraram nosso povo do cativeiro dos patrões.
Conquistamos direitos, lutamos por eles e começamos com pequenas experiências e
projetos que cresceram e criaram referências de como deve ser, para nossos povos, a
educação, a saúde, o uso e manejo da floresta, economia e renda. Com a ajuda de nossos
velhos e velhas fomos pensando e buscando fortalecer nossas tradições. Fizemos com
que essas experiências, criadas nas terras indígenas, fossem apoiadas pelos governos,
reconhecendo nosso papel na definição de políticas públicas. Essas experiências existiram
antes dos governos nos apoiarem e reconhecemos como elas se fortaleceram quando
criamos parcerias com os governos.

Hoje, diante de várias ameaças, seguimos em resistência, dizendo o que queremos e
como queremos para nossas terras indígenas. Nos últimos anos, realizamos diversos
encontros e seminários para discutir e avaliar algumas políticas públicas, que resultaram
em documentos com posicionamentos e recomendações. A partir do que declaramos em
2017 nos três encontros que reuniram lideranças e organizações indígenas, ocorridos no
Centro de Formação dos Povos da Floresta (maio e junho) e na Terra Indígena Poyanawa
(dezembro), reafirmamos as seguintes EXIGÊNCIAS para o cumprimento dos nossos
direitos:

1. Os poderes Executivo e Legislativo nas suas diversas instâncias (federal, estadual e
municipal) cumpram as recomendações da Convenção 169 da OIT e da Declaração
da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas quanto à promoção de consultas
livres, prévias e informadas às nossas comunidades e organizações indígenas a
respeito das políticas públicas, programas e empreendimentos que venham a afetar
nossos territórios e modos de vida;
2. O pleno funcionamento do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI);
3. Uma FUNAI fortalecida e atuante nas terras indígenas, com infraestrutura, recursos
humanos e financeiros, que incluam o fortalecimento das Coordenações Regionais
e das Coordenações Técnicas Locais, bem como o efetivo funcionamento dos
Comitês Regionais como instâncias de controle social e pactuação. Não aceitamos
interferência e loteamento político nos cargos de direção da FUNAI.
4. A efetividade e qualidade das ações da SESAI, em atenção à saúde dos povos
indígenas, respeitando os conhecimentos e práticas tradicionais de saúde.
5. As instâncias de controle social (Fórum de Presidentes dos CONDISIs, os
CONDISIs e os Conselhos Locais) funcionem com regularidade e transparência;
6. A formação permanente dos agentes indígenas de saúde;
7. A infraestrutura e recursos necessários aos programas de saneamento básico,
abastecimento de água e gestão de resíduos, em acordo com o Plano de Gestão
Territorial e Ambiental de cada terra indígena;
8. A plena implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de
Terras Indígenas (PNGATI);
9. O reconhecimento da categoria de Agente Agroflorestal Indígena no estado do Acre
com garantias político-pedagógicas e financeiras para a continuidade e ampliação
da formação e remuneração, em diálogo com a Associação do Movimento dos
Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIAC;
10. Recursos específicos para o financiamento da educação escolar indígena no estado
do Acre, o reconhecimento legal das categorias professor indígena e escola indígena, apoio a elaboração e implementação dos projetos políticos pedagógicos, além da criação de conselhos gestores nas escolas;
11. A criação de um programa de formação de professores indígenas em nível médio
(Magistério Indígena) pela Secretaria de Estado de Educação e Esporte, garantindo
as condições para sua oferta anual;
12. A realização de concurso público para a carreira do Magistério Público Indígena no
estado do Acre (professores efetivos);
13. A criação da Comissão Estadual de Educação Escolar Indígena;
14. O acesso ao ensino técnico, superior e pós-graduação com processos seletivos
específicos, com a garantia de políticas de assistência estudantil;
15. A participação no planejamento, execução e avaliação dos programas e projetos,
prevista e formalizada nas propostas do governo estadual, inclusive nas decisões de
repartição de benefícios;
16. As organizações façam a gestão dos projetos destinados as suas terras, apoiadas
pelos governos para que tenham as condições técnicas e operacionais para a
execução dos mesmos;
17. A criação de marcos legais no estado do Acre institucionalizando e garantindo a
continuidade de políticas e programas para os povos indígenas;
18. A criação do Conselho Estadual Indígena, composto por representantes dos povos
indígenas para formulação e avaliação de políticas indigenistas no estado, como
previsto no parágrafo 4° do Art. 220 da Constituição Estadual;
19. A criação e implementação no estado do Acre de um Fundo para apoio a projetos
das comunidades indígenas e desenvolvimento institucional de suas organizações;
20. A criação de uma secretaria indígena com condições para o seu pleno
funcionamento no executivo estadual e também nas prefeituras.

Assinam:
→ Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais do Acre (AMAAIAC)
→Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
→Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA)
→Associação do Povo Arara do Igarapé Humaitá (APSIH)
→Cooperativa Agroextrativista ShawãdawaPushuã (CASP)
→Associação Kaxinawa do Rio Breu (AKARIB)
→Associação dos Povos Indígenas do Rio Humaitá (ASPIH)
→Associação Agroextrativista Puyanawa Barão e Ipiranga (AAPBI)
→Associação Katukina do Campinas (AKAC)
→Associação dos Produtores e Criadores Kaxinawá da Praia do Carapanã (ASKPA)
→Associação de Seringueiros, Produtores e Artesãos Kaxinawá de Nova Olinda
(ASPAKNO)
→ Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY)
→Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova (ACOSMO)
→Associação do Povo Ashaninka do Rio Envira (ASPARE)
→Associação dos Produtores e Agroextrativistas HuniKuĩ do Caucho (APAHC)
→Associação Povo Jaminawa-Arara do Rio Bagé (Chave do Futuro)
→Organização dos Povos Indígenas HuniKuĩ do Alto Rio Purus (OPIHARP)
→Associação Indígena do Povo Jaminawa-Arara do Rio Bagé (AJARBI)
→Organização dos Agricultores Kaxinawá da Colônia 27 (OAKTI)
→Associação Socio Cultural e Ambiental Kuntamanã (ASCAK)
→Associação do Povo Indígena Nawa (APINAWA)
→Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ)