Nos últimos meses temos sido surpreendidos no estado do Acre com acontecimentos
judiciais que envolvem a condenação ou o constrangimento público de indígenas em processos que estão em fases em que ainda cabem defesa e recursos. Por meio desta nota viemos dar nosso testemunho em favor da liderança Siã Huni Kuĩ, José Osair Sales, que em março passado foi condenado a dez anos de prisão por trafico internacional de drogas. Na medida em que a justiça brasileira tenha que proceder e aplicar condutos aos cidadãos que portam canabis para consumo, como é o caso do Siã, a condenação e o enquadramento do caso em trafico internacional se mostra como procedimento injusto, perverso e excludente, em se tratando de uma liderança com história e bons antecedentes.

O caso do Siã Huni Kuĩ no Acre nos coloca frente a questionamentos sobre o
atendimento e acesso à justiça pelos menos favorecidos. Até que ponto essa justiça cumpre sua missão com imparcialidade? Lamentavelmente vemos no Brasil que uma grande parte da justiça se identifica com os mais privilegiados, que julga diante do não total esclarecimento do caso, quando ainda correm permissão e esgotamento de provas; vemos virar lugar comum a naturalização em que a hipótese vira fato. Entendemos que é preciso corrigir várias distorções no Acre e no Brasil, entre elas o acesso à justiça e a retrógrada hierarquização da autoridade judicial que permite uma atuação dos operadores do direito olhando a condição econômica dos cidadãos. Combater isso é uma das nossas finalidades e não podemos permitir que a aplicação dessa distorção recaia sobre o Siã e as lideranças idôneas e verdadeiramente comprometidas com as lutas do movimento indígena.

A Comissão Pró Índio do Acre acompanha a trajetória do Siã desde quando ele era
muito jovem. Nos anos 80, na companhia do seu pai, o grande e saudoso líder Sueiro Sales, viajava para Brasília para lutar pela demarcação da sua Terra Indígena. Foi um dos Huni Kuĩ que despontou nacional e internacionalmente clamando por direitos indígenas. Siã ultrapassou as fronteiras acreanas. Foi longe como um dos pensadores Huni Kuĩ. Em 1983 acompanhou professores indígenas em viagens a Brasília e Rio de Janeiro para palestras sobre o direito à educação bilíngue e intercultural. Tem uma característica multidisciplinar em seu currículo, porque sempre entendeu a luta pela terra associada a arte e educação indígena. Visitou várias universidades, batalhou para criar a Universidade da Floresta; foi membro da Aliança dos Povos da Floresta, fazendo parceria com o líder Chico Mendes. Pela Aliança acompanhou o artista Milton Nascimento pela floresta do Juruá, viagem que resultou no disco TXAI.

Participou da Eco-92; em 1993 recebeu o Prêmio Reebok dos Direitos Humanos; negociou
projetos, visitou embaixadas sensibilizando governos de outros países a apoiar as ações nas terras indígenas de seu povo. Organizou e coordenou projetos de produção sustentável, é coautor de cartilhas de alfabetização na língua Hãtxa Kuĩ. Tudo isso sempre presente em sua Terra Indígena. Se hoje temos um arcabouço jurídico que protege direitos indígenas no Brasil, expresso na Constituição Federal de 88, podemos afirmar que Siã foi um dos indígenas que muito contribuiu com essa importante conquista.

É desta forma que a Comissão Pró Índio do Acre, nesta declaração por mim assinada,
representando membros de sua equipe técnica e de seus Conselhos, manifesta seu profundo respeito ao Siã Huni Kuĩ e torna público sua fé na inocência dele.

Aproveitando a oportunidade recomendamos a leitura dos documentos de eventos
relacionados à matéria em questão: Roda de Conversa – Direitos indígenas e acesso à justiça e Carta das Lideranças e organizações indígenas, acessível em www.cpiacre.org.com.

Gleyson de Araújo Teixeira
Coordenador Executivo

Subscrevem: Maria Luiza Pinedo Ochoa, Ana Luiza Melgaço, Jose Frank de Melo Silva, Paula
Romualdo, Joseneidy Pinheiro,  Libia Almeida, Eudenice Pinheiro, Renato Antonio Gavazzi, Mara Vanessa Dutra, Vera Olinda Sena de Paiva, Nietta Lindenberg Monte, Francisca Lima Costa, Francisco Piyãko, Ingrid Weber, Joaquim Paulo de Lima Kaxinawa.