Txana Inu Bake José Rodrigues Paiva Kaxinawa no Centro de Formação dos Povos da Floresta (foto: Ila Verus)

Por Txana Inu José R. Paiva Kaxinawa

As florestas são culturais. É onde nós vivemos e convivemos com as plantas, animais, pessoas e espíritos e dentro dela também tem muitas histórias dos povos que nela vivem. Ao longo dos anos, de muitos anos, nós, povo Huni Kuĩ, manejamos as florestas, plantamos nas florestas, fazemos também as florestas e até agora nossa terra é quase toda ela coberta de floresta. As florestas são muito importantes para nós e para todos do planeta, pois é ela que ajuda a manter o clima e a vida no planeta.

Esta pesquisa é sobre as histórias de algumas árvores com espíritos fortes, árvores que nós respeitamos e outras que nós usamos. Essas histórias são bonitas e as pessoas mais velhas ainda contam e achei importante registrar algumas delas. Primeiro, pensei em deixar uma pesquisa para os jovens conhecerem melhor a nossa cultura, para os alunos das escolas indígenas que ainda têm pouco materiais didáticos que fale sobre nós, Huni Kuĩ, e para quem gosta de conhecer as histórias de que vêm e vive da floresta, do Alto Rio Jordão.

Eu vou contar umas histórias que aprendi durante o trabalho da minha vida. Meu nome é José Rodrigues Paiva Kaxinawa, meu nome indígena é Txana Inu Bake, tenho 50 anos de idade. Moro na aldeia Verde Floresta, onde está a escola indígena Coração de Jesus, Terra Indígena Kaxinawa do Rio Jordão, município de Jordão no Acre. Eu moro com 17 famílias e 103 pessoas, todos falam em hãtxa kuĩ e também falamos em português. No ano de 2003, a minha comunidade me escolheu e me indicou para trabalhar como Agente Agroflorestal da minha aldeia e hoje sou AAFI formado no Centro de Formação dos Povos da Floresta, da CPI-Acre.

Antigamente o pai e a mãe dos meus avós trabalhavam acompanhando as florações e as frutas das árvores, a época da chuva e o tempo do verão. O povo Huni Kuĩ não sabia os nomes dos dias, das semanas, dos meses e dos anos. Eles sempre viam quando saiam as flores na floresta. Quando eles viam a goiaba macho florescer, já começavam a brocar o roçado. Já sabiam que chegava o tempo de verão e a chegada do frio. Era o tempo de engordar os bichos. Quando sai a flor da sumaúma-cêra, é tempo de plantar mudubim na praia (mês de junho). Já é verão e não chove mais. O rio fica limpo e não tem alagação. Por isso, é tempo de plantar mudubim. Tem as árvores que gostam de produzir frutas no fim do inverno (final de março e início de abril). O nome dela é Coração de Negro/guela de jacú/Arueira (Hunũ). Quando ela está dando fruta, também é o tempo de começar a brocar, derrubar tudo e semear o milho dentro do roçado. Quando o milho crescia e ficava no tempo de comer, eles colhiam, faziam caiçuma, bebiam e trabalhavam. Quando o milho seca, broca de novo e faz manejo tradicional com fogo. No tempo que sai fruta do Coração de Negro, fazemos dois roçados: o roçado do milho e o roçado dos legumes. Brocamos no fim de março e semeamos o milho, em junho o milho já está seco. Colhemos tudo e batemos. Depois a gente planta tudo: banana, roça, macaxeira, milho, mamão, batata doce, inhame, taioba, cana.  A seguir conto a histórias da árvore Kumanewã:

Shai xarabu haskawati: ẽ kuru shai, pesi shai, kana shai, shasha shai, tama shaiki, hatiki shai kena xaraburã. Ha shairã eskawa xarabutiki:  kuru shairã hiwe wakinã, ha bitimaki mĩ ha bishũ hiwewarã, tsua hawẽ hiweama, hiwe besti kurua tsaumis kiaki. Ha pesi shairã haska atiki, txaipabu nũku xarabu shukati peki, ha kana shairã hawẽ yura inũ, hawẽ nixirã paxĩ nipaki inĩnã. Hanua ha shasha shaiki, shasha shairã ha hiwewakĩ bitimaki, mĩ ha hiwewarã samama shashai unũ, kuru putui samama shasha kirani, sẽke miski, ha atimaki. Ha tama shaiki, tama shairã hawẽ hirã txuri txuripaki, haskai hawẽ bimirã; unu meshkã meshkãpa imiski, hakaya ha shai bimi betxitãnã, tsekatã sheme, sheme akĩ mebixkiri iki itikiaki. Mĩ haskamisrã unu hanu mĩ tama meshai anurã, habia yuiti kiaki, ha tama tatsutã mĩ yui kiaki: shai bimi, shai bimi, ishũ mĩ mesharã ha tamarã, meshkã meshkãpa imis kiaki.  Hanua ha shai pei sasapaki, shai pei sasaparã hawẽ pei yabi ha mãi tamu bishũ, hayabi ketxaki ũpashki maeshũ, habia yurabu yume kasmai, habia ewa piti pia hanã katis imakĩ, na yume imana pixi bextxa, hawẽ hãtsiti kiaki. Hirã habia rau keyuki, yui tese kaya ẽ ashukirã. Hatũ bixashu shane txana ni ibuã ashuki. Haux, haux.

Kumanewã (cumaru ferro)

O cumaru ferro é um outro tipo de árvore grande e muito dura. Dentro de seu tronco tem grandes ocos. Ele produz a fruta quando está começando o verão. O povo Huni Kuī gosta de se alimentar com sua castanha. Quando o povo vai colher suas castanhas, se as crianças colocarem a castanha no fogo para assar, dá muito frio à noite. Quando você colhe a castanha do cumaru, se as pessoas fizerem barulho conversando, as frutas se escondem. De primeiro, tinha um homem chamado Kumã Txai Kanawa. Ele sempre pegava todas as frutas do cumaru antes de todo o mundo. As pessoas chegavam e não achavam nenhuma. Quando Kumã Txã Kanawa pegava as sementes, quebrava as castanhas na própria perna, escondido, para ninguém ver. Só ele fazia isso. O japó e o japinim gostam de morar no galho do cumaru. As araras criam seus filhotes no oco dele. E o sapo mora no oco dele também. O grilo grande, que também é espírito, grita lá dentro do oco. Ninguém pode imitá-lo. Também mora dentro dele o shama nishu. Quando ele grita, se passar o vento, os galhos todos balançam. Se a gente anda sozinho perto do cumaru, pode se encantar. O nosso povo fazia tipoia com o galho dele. Se a criança chorava, colocava ela na tipóia do galho de cumaru e não soltava até o pajé chegar. Hoje, o cumaru serve para construir casa, barco e faz também lenha. A gente faz carvão e ele serve para tudo. Estas histórias são do meu avô paterno. Eu ouvi meu avô contando.

  

*Este artigo foi retirado da publicação “História das árvores – cultura das florestas-  Terra indígena Kaxinawa do Rio Jordão”, de autoria de José Rodrigues Paiva Kaxinawa, e faz parte da Coleção Saberes da Floresta – Pesquisa Intercultural. José Rodrigues realizou essa pesquisa como parte de sua monografia para conclusão do Ensino Médio Profissionalizante como Agente Agroflorestal Indígena, junto à Comissão Pró-Indígenas do Acre, no Centro de Formação dos Povos da Floresta

 

Txana Inu Bake José Rodrigues Paiva Kaxinawa na Casa dos Autores, no CFPF. (foto: CPI-Acre)