Senadores do Acre, Alan Rick (União-AC) e Márcio Bittar (União-AC), na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) que aprovou o PL 2.903/2023. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado aprovou na tarde desta quarta-feira, 23, o relatório do Projeto de Lei (PL) 2903/2023, que agora será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), antes de ser votado no Plenário pelos senadores. O presidente da CRA, senador Alan Rick (União-AC), intermediou o acordo para votação do marco temporal, que foi aprovado por unanimidade pelo seu bloco, do qual o senador Márcio Bittar (União-AC) também faz parte. Ao todo, 13 votos foram favoráveis, entre eles o do senador Sérgio Petecão (PSD-AC), e 3 contrários à proposta. Apesar de inconstitucional, o PL – que já foi aprovada na Câmara dos Deputados com o nome PL 490/2007- vem sendo defendido pela bancada ruralista e é, atualmente, a maior ameaça aos povos indígenas no país.

Embora a maior polêmica gire em torno da tese do Marco Temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, outros pontos do PL 2903 vêm sendo destacados pelo movimento indígena como problemáticos, como o fim do usufruto exclusivo dos indígenas sobre suas terras e a vedação da ampliação de terras indígenas já demarcadas.

Durante a audiência pública na CRA, realizada antes da votação, o coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kléber Karipuna, falou sobre esses outros dispositivos do PL. “Um ponto de destaque é a exigência de uma caracterização física de um indígena para se determinar se aquele povo deve ser reconhecido. Isso é danoso para o processo de reconhecimento dos povos indígenas no Brasil como um todo. O contato forçado com os povos isolados pode levar à extinção de povos em isolamento voluntário. O projeto traz uma mentira: que os povos indígenas são impedidos de produzir em seus territórios. Poderia sim trazer formas de ajudar os povos a trabalharem a sua produção tradicional”, advertiu Karipuna.

Em resumo, o PL também pretende transferir a demarcação das TIs do Poder Executivo para o Poder Legislativo;  atropela o direito à consulta livre, prévia e informada ao permitir a construção de empreendimentos como estradas e hidrelétricas nas terras indígenas; permite que não indígenas atuem dentro dos territórios em parcerias com indígenas; reconhece a legitimidade da posse de terras indígenas por grileiros e enfraquece a proteção aos povos isolados.

A mobilização nacional indígena cobra do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que não avance a votação do Marco Temporal no Senado antes do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Na Corte Maior, a continuação do julgamento – que tem repercussão geral – está prevista para setembro deste ano, e pretende encerrar as discussões sobre essa tese, que é inconstitucional e atenta  contra o direito originário dos povos indígenas.

Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) realiza reunião deliberativa para apreciação do PL 2903/2023, que estabelece marco temporal para reconhecimento de terras indígenas.
Senador Sérgio Petecão (PSD-AC) durante votação.
Foto: Pedro França/Agência Senado

Manifesto da sociedade civil contra o PL 2.903/2023

Na manhã de quarta-feira, 23, mais de 300 entidades, entre elas a Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre), assinaram um manifesto contra o avanço do Projeto de Lei (PL) 2.903/2023. O manifesto foi enviado na terça-feira (22) para ministérios e parlamentares, inclusive para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

As instituições apontam que o texto do PL 2.903/2023 não foi enviado às comissões de Assuntos Sociais (CAS), do Meio Ambiente (CMA) e dos Direitos Humanos (CDH) — o que poderia permitir um diálogo mais aprofundado e com participação dos povos indígenas.

Além disso, o documento destaca que o PL 2.903/2023 “permite diversas arbitrariedades contra os povos indígenas e suas terras, que hoje protegem 24% do que restou de Floresta Amazônica e prestam um inestimável serviço ambiental a todos brasileiros, como a manutenção da regularidade de chuvas no Centro-Sul do país. Uma dessas arbitrariedades é permitir a retomada de “reservas indígenas” pela União a partir de critérios subjetivos, o que colocaria em risco imediato pelo menos 66 territórios, habitados por mais de 70 mil indígenas e com uma área total de 440 mil hectares. É importante mencionar que são terras já regularizadas e consolidadas e que essa possibilidade provocaria insegurança jurídica, violência e invasões com a expectativa de revisão de atos jurídicos perfeitos”. (Comunicação/CPI-Acre)

Leia o manifesto “Vale Tudo” em Terra Indígena, Não! AQUI