Em pleno crescimento dos casos de COVID-19 no Acre, chuvas intensas nos últimos dias provocaram enchentes que impactaram centenas de famílias que vivem nas proximidades dos rios Acre, Iaco, Tarauacá, Juruá e Purus. Os transbordamentos causaram inundações em Rio Branco, Sena Madureira, Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Porto Walter e em Tarauacá, Jordão e Santa Rosa do Purus, muitos povos indígenas foram impactados. Nas Terras Indígenas sediadas nestes municípios, as alagações afetaram principalmente as plantações de subsistência:  roçados de mandioca e banana, sistemas agroflorestais cultivados pelas comunidades e a criação de animais foram seriamente prejudicados e não há água potável para as necessidades básicas. Até esta sexta-feira, 19, recebemos informações que de houveram alagações nas Terras Indígenas Kaxinawá do Rio Jordão, Baixo Jordão, Seringal Independência, Katukina-Kaxinawá, Igarapé do Caucho, Kaxinawá do Rio Humaitá, Alto Rio Purus e Igarapé Preto.

“Os roçados que ficam nas margens dos rios foram prejudicados. As pessoas perderam as plantações, este ano vai ter fome não só para os indígenas, para os ribeirinhos também”, diz o professor indígena Ulices Moisé Kaxinawa, vice-presidente Organização do Povo Indígena Huni Kuῖ Alto Rio Purus (OPIHARP) e que mora em Santa Rosa do Purus. No município as enchentes impactaram os povos Huni Kuῖ, Madijá (Kulina) e Jaminawa e, cerca de 200 indígenas, sendo mais da metade crianças, estão abrigadas em alojamentos.  “Moro na parte alta da cidade, mas tenho familiares que vivem na parte baixa e agora estão desabrigados. Eles tinham roçados nos seus quintais e muitos vieram para estudar”, diz Ulices incluindo que, por conta dos protocolos de segurança contra a COVID-19, não pode visitar os alojamentos.

 

Em Tarauacá, segundo dados da Defesa Civil do município,  mais de 70% da cidade foi inundada. Na noite de quinta-feira, 18, ainda sob fortes chuvas, Maria do Socorro Bismani informou que sua casa foi inundada. “Eu já suspendi todas as minhas coisas, mas não para de chover. A situação está bem difícil para todo mundo que está aqui na cidade, e para quem está nas aldeias também”. Maria do Socorro conta que parentes nas aldeias das TI em Tarauacá relataram que a água subiu muito e destruiu as plantações. “Nas aldeias a água levou os legumes. Lá está começando a baixar [vazar] aos poucos, mas até baixar lá, a cidade vai encher mais um pouco. É a natureza falando mais alto, a gente tem que observar”, finaliza.

Indígenas são os mais vulneráveis

No Jordão, o local mais atingido pelas enchentes foi o Bairro Kaxinawa, que é habitado por muitas famílias Huni Kuĩ. Embora lá a água tenha baixado mais rápido, recebemos informações de muitos indígenas que tiveram perdas materiais. “Com tudo que estamos passando nesta pandemia ainda vivemos essa situação. Perdemos cama, geladeira, tudo na casa. É muito difícil esses tempos no mundo, acontecendo todas essas coisas” diz Ibã Sales Huni Kuĩ, pesquisador e artista do coletivo Mahku.

A Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre) e a Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) junto aos DSEIs Alto Rio Purus e Alto Rio Juruá, iniciaram na quarta-feira, 18, uma  mobilização para atender as solicitações das famílias indígenas que tiveram que deixar suas casas em decorrência das inundações e estão com a segurança alimentar comprometida. A comunicação limitada e uma pane no sistema de telefonia, causado pelas chuvas, atrasou o envio das informações das Terras Indígenas, mas a CPI-Acre vem gradativamente recebendo vídeos, áudios e fotos de colaboradores indígenas que estão nos locais afetados.

O presidente da OPIAC, Eldo Shanenawa, que vive na aldeia Morada Nova, na TI Katukina-Kaxinawa, em Feijó, disse que a água causou sérios danos em sua aldeia e em várias outras da TI, deixando muitas pessoas desabrigadas, sem água e alimentos. Emergencialmente a CPI-Acre enviou através da Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá (APROKAP) e, com apoio do DSEI Alto Rio Juruá, 223 kits de alimentação e higiene e 200 kgs de proteína animal.

“Não param de chegar mensagens solicitando apoio de alimentos e água potável para as famílias indígenas afetadas. A solidariedade é o ponto chave deste momento. O Acre está uma tragédia com a COVID-19, a dengue e a alagação”, ressalta Vera Olinda Sena, Secretária Executiva da CPI-Acre, acrescentando que há também aspectos estruturais da saúde pública, de saneamento básico, que devem ser resolvidos antes das situações de risco. “Não se pode ficar repetindo os erros, esperando a enchente, ano após ano. Agora é o susto, a tristeza e a força para apoiar os desabrigados, em seguida vem a lama, e o risco de mais doenças. É muito preocupante a perda da produção para consumo e, em algumas comunidades, também para renda.  O investimento em criação de animais que apoiamos em 2020 como medida de segurança alimentar na pandemia, também pode ter sido perdido”, conclui.

Em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Purus, a CPI-Acre destinou ontem (18), 100 kits de alimentação e higienes para a TI Alto Rio Purus. Para as crianças que estão nos abrigos em Santa Rosa do Purus estão sendo enviados mantimentos para a alimentação infantil.

126 crianças indígenas estão abrigadas em escolas em Santa Rosa do Purus.

O monitoramento da Defesa Civil do Acre informou que mais de 80 mil pessoas foram afetadas pelas enchentes em diversas regiões do estado e nesta sexta-feira, 19, a Sala de Situação de Monitoramento Hidrometereológico emitiu aviso de acúmulo de chuvas em várias regiões do Acre. No início da semana o governo do Acre decretou situação de emergência e foi instalado o Gabinete de Crise no Acre. O decreto, nº 8.028 do Estado do Acre, é em decorrência dos alagamentos. Também vigora no decreto a pandemia de COVID-19 e o surto epidemiológico de dengue.  A CPI-Acre está em contato com o GT Interinstitucional de Monitoramento da COVID-19, formado pelo Governo do Acre, Funai, SESAI, CPI-Acre, OPIAC, MATPHA, e através do GT está recebendo e trocando informações sobre a situação das pessoas atingidas e monitorando a precipitação pluviométrica dos próximos dias. Na quinta (18) o governo federal reconheceu em publicação no Diário Oficial da União (DOU) a situação de emergência somente dos municípios de Rio Branco e Tarauacá. (Comunicação/CPI-Acre)