Lideranças indígenas estão intensificando o debate em torno da participação efetiva dos povos indígenas em decisões públicas que afetam suas vidas, especialmente neste momento em que o projeto político do atual governo federal agrava ainda mais as ameaças aos direitos indígenas e causa inseguranças ao descumprir e flexibilizar a aplicação das leis que garantam os modos de vida próprios destes povos. No conjunto dessas leis está, desde 2004, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), passando ser lei no país o direito a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e tradicionais.
A participação de representantes dos povos indígenas em decisões públicas, seja na formulação e execução de políticas específicas ou de programas e projetos que impactam suas terras, vêm sendo amplamente discutida por organizações indígenas e indigenistas de todo o Brasil e foi um dos principais temas da Assembleia Geral da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) que aconteceu de 26 a 27 de fevereiro em Brasília, na qual a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre) e a Associação do Movimento de Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC) mais 12 organizações indígenas e indigenistas integrantes da RCA estiveram presentes.
“Um dos pontos de pauta da assembleia foi uma reunião com a deputada federal Joenia Wapichana onde discutimos como a consulta prévia e informada pode ser posta em prática dentro da Câmara dos Deputados. É preciso que o
Legislativo faça sua parte para efetivar o direito que os povos indígenas têm de ser consultados”, explica a Maria Luiza Pinedo Ochoa, do Programa Políticas Públicas e Articulação Regional da CPI-Acre.
Outro meio de fortalecer a consulta e a aplicação da Convenção 169 é a elaboração de protocolos próprios que permitem que os povos e comunidades indígenas cheguem a acordos internos com relação a quem os representa e como devem ser conduzidos os processos de tomada de decisão em casos de consultas do Estado.
“Aqui no Acre iniciamos esse trabalho em2011com uma série de reuniões e oficinas, falando da Convenção 169, que enfocam a necessidade do Executivo e Legislativo consultarem os povos indígenas e como deveria ser feita essaconsulta. Há uma demanda muito grande dos povos sobre a elaboração desses protocolos que são umas das estratégias para incidir em políticas públicas.”, explica Gleyson Teixeira, coordenador executivo da CPI-Acre.
Protocolos das TIs no Acre
Em resumo, o Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada é uma proposta que formaliza perante o Estado a diversidade de procedimentos adequados de dialogar com cada povo indígena para que participem de processos de tomada de decisões sobre o que pode afetá-los. No Acre, a Comissão Pró-Índio apoia lideranças e associações indígenas para que participem da tomada de decisões sobre qualquer ação pública propostas para suas terras indígenas e organiza, anualmente, oficinas e encontros de articulação política, coordenadas pela CPI-Acre em parceira com a Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e a AMAAIAC.
Um desdobramento concreto desse trabalhofoi a oficina para a construção do Protocolo de Consulta e Consentimento dos Povos Jaminawa e Manchineri da Terra Indígena Mamoadate (município de Assis Brasil – AC), ocorrida em dezembro de 2017. “O governo tem que nos consultar com boa fé e as propostas têm que ser bem explicadas para todos entenderem. Para fazer a consulta o governo interessado em fazer obras e projetos tem que promover os espaços, ou seja reuniões de consulta com seus próprios recursos. Durante as reuniões as falas dos governos deverão ser traduzidas para o Manchineri e Jaminawa, para todos entenderem o que foi falado. E ter tempo suficiente para tirar nossas dúvidas e entendermos as propostas colocadas. Os governos precisam saber que as decisões das consultas feitas só será válida se for o resultado de reuniões dos representantes de todas as aldeias”, explicou Manoel “Chipre” Manchineri, no momento que o Protocolo estava sendo construído.
A urgência na elaboração do protocolo na TI Mamoadate se deve ao fator desta terra indígena está localizada em região de tríplice fronteira (Brasil, Peru e Bolívia), onde estão previstos projetos de construção de estradas e outras iniciativas de desenvolvimento regional e integração entre esses países, além das evidências da presença de povos indígenas em isolamento voluntário na região.