A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática – COP28, que este ano aconteceu de 30 a 13 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), registrou a presença da maior delegação indígena de todas as conferências, e novos marcos estão por vir na COP30, agora oficialmente aprovada para ser realizada em Belém (PA), em 2025. Sem dúvida, uma grande conquista do movimento indígena no Brasil foi o fato de que, pela primeira vez uma mulher indígena, Sônia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas, assumiu a chefia da delegação brasileira nas mesas de negociações.
Por outro lado, a Conferência do Clima termina com um texto do Global Stocktakem que, segundo as primeiras análises especializadas, exclui questões referentes à participação indígena, direitos humanos e gênero, o que é visto como algo preocupante. Depois de muito pressão, o acordo final cita pela primeira vez os combustíveis fósseis ao propor um pacote energético que visa a transição dos combustíveis fósseis, sinalizando para o começo do fim da era do petróleo e seus derivados. De toda a COP28, considera-se importante a aprovação do Fundo de Perdas de Danos para auxiliar países que já enfrentam a crise do clima, apesar de que, até o momento, os países desenvolvidos tenham doado um valor insuficiente frente ao desafio posto. Por fim, outro resultado positivo é a Declaração pela Sustentabilidade na Agricultura, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática proposta pelos EAU e endossada por 134 países, entre eles o Brasil, na qual os países concordam em tomar medidas que tornem a agricultura mais sustentável até 2025.
O fato é que estamos vivendo a maior crise da humanidade e os desafios são grandes para lidar com as chuvas torrenciais, os tornados, os incêndios florestais e as secas extremas que afligiram vários países só este ano. No Brasil foram chuvas no sul e secas no norte. No estado do Amazonas mais de sessenta municípios tiveram decretada situação de emergência devido a seca severa que atingiu seus rios. No Acre, em menos de um ano fomos das alagações à seca extrema. As altas temperaturas e a baixa do nível das águas dos rios mudaram a vida nas terras indígenas: faltou água potável, os peixes morreram, os roçados secaram e a fumaça das queimadas adoeceram as comunidades. Tudo isso é só uma demonstração de como a os prejuízos e impactos pesam mais para os que vivem na floresta, mesmo sendo as comunidades tradicionais e os povos indígenas os que mais protegem a vegetação nativa do Brasil.
Com a falta de água, as lideranças da Terra Indígena (TI) Nukini tiveram que reduzir os horários de funcionamento das escolas. Na TI Alto Rio Purus, Hulicio Moises Kaxinawa contou que nos igarapés e nas cacimbas as águas também secaram. No rio Amônia, em Marechal Thaumaturgo, houve a morte de centenas de peixes causada pelo superaquecimento das águas, realidade essa também no rio Breu (limite da fronteira Brasil-Peru) e do rio Iaco, todos rios que cortam e abastecem terras indígenas no estado.
A professora Tsuã Puxi Inuvake, da aldeia Panã, TI Nukini, conta que está preocupada com a perda de alimentos nos roçados. “Este ano tivemos um verão longo, e nossos roçados foram atacados por pragas de lagarta, e a gente já sabe que vai perder novamente em 2024, porque tudo indica que a alagação vai ser muito forte”, relata Tsuã.
Os impactos dos eventos extremos que afetam as populações que vivem nas florestas do Acre foram discutidos na COP 28, com representantes de comunidades indígenas e tradicionais, e membros da Câmara Temática Indígena (CTI) que participaram de várias reuniões, painéis e debates em Dubai. A CTI e a Câmara Temática da Mulher (CTM) fazem parte da Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento (CEVA), que faz o controle social, dentre outras atribuições relativas ao Sistema Estadual de Incentivo a Serviços Ambientais do Estado do Acre (SISA), sendo responsável pelo acompanhamento da governança e monitoramento do Sistema no Acre, incluindo a repartição de benefícios de financiamentos climáticos que beneficiem indígenas, extrativistas, ribeirinhos e produtores da agricultura familiar, entre outros.
A CTI é a “voz indígena” dentro da CEVA, e busca facilitar o diálogo entre os povos indígenas e governo no que se refere ao monitoramento e regulamentações sobre serviços ambientais em terras indígenas. “Nós, povos indígenas, precisamos acompanhar a repartição dos benefícios e participar. Nós estamos falando de salvaguardas, que inclui o respeito aos nossos parentes isolados que vivem na fronteira e não são respeitados”, diz Mário Kaxinawá, membro da CTI.
No retorno ao Acre, a delegação fortalecerá o processo de monitoramento as políticas públicas com uma participação mais qualificada nos espaços de tomadas de decisão. Com apoio da Comissão Pró-Indígenas do Acre, a liderança Lucas Manxineru que é também membro da CTI e presidente da Associação do povo Manxineru MAPPHA, esteve na COP 28 e destacou a importância da presença dos povos indígenas no evento.
“Acompanhamos os eventos que discutem a questão dos povos indígenas sobre mudanças climáticas, território e direitos das populações indígenas. Tive a oportunidade de estar junto das lideranças do país, participando de reuniões com a ministra Sonia Guajajara que liderou as negociações da delegação brasileira, e destacou a o valor dos povos indígenas e das terras indígenas demarcadas para o país avançar na ação climática”, ressalta Lucas Manxineru, que vive na aldeia Extrema, TI Mamoadate.
Ele conta que neste ano, o rio Iaco secou tanto que, além do registro da morte de peixes em alguns locais, a comunidade teve dificuldades de utilizar a água para necessidades básicas. “O calor foi muito grande e a água tão quente que ficou insuportável. Parecia que a gente estava tomando banho no caldo quente. É tanta secura que as pessoas não conseguem andar mais descalças na aldeia, e isso tudo afeta nossa saúde e de todos os seres da floresta”, completa Lucas.
Financiamento da Agenda de Clima e Florestas
O governo do Acre anunciou que o estado foi o primeiro no país a assinar, na COP 28, o Termo de Compromisso com a Emergent, uma organização sem fins lucrativos que facilita o financiamento de projetos de conservação florestal. Segundo o governo, o acordo prevê o fornecimento de até 10 milhões de toneladas de créditos de carbono de floresta de alta integridade à LEAF Coalition, parceria público-privada focada em deter o desmatamento tropical até 2030.
Agora, o Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Acre (IMC) tem que apresentar o Termo de Compromisso com a Emergent para a CEVA. Ainda em Dubai, os membros da CTI e a CTM conversaram com a secretária Francisca Arara, da Secretaria Extraordinária do Povos Indígenas (SEPI) e o com o presidente IMC, Leonardo Carvalho, indicando a necessidade da apresentação. Eles pediram para que, no início de 2024, o IMC convoque todos os membros da CEVA para apresentar o Termo de Compromisso com a Emergent e iniciar o processo de construção de um modelo governança, participação e repartição dos benefícios equitativo e inclusivo, dentre outros aspectos relativos ao tema.
A coordenadora executiva da CPI-Acre, Vera Olinda, explica como a presença na COP28 da sociedade civil, lideranças indígenas e representantes de comunidades tradicionais afeta os projetos e programas desenvolvidos no Acre. “Aqui participamos de painéis e discussões com pessoas do mundo inteiro, e isso, além de ser uma incidência, é também uma apropriação de informações e uma etapa dos processos formativos na agenda mudanças climáticas. Os compromissos assumidos aqui, serão monitorados quando voltarmos para nosso estado. A assinatura do acordo do IMC com a Emergent permite mobilizar recursos, mas antes há um grande trabalho para atender os princípios e critérios para a captação de recursos, respeitando direito de consulta, salvaguardas e repartição de benefícios. O funcionamento qualitativo da CTI, CTM e CEVA, com condições concretas para que os membros participem de forma ampla e efetiva será essencial para os próximos passos desse acordo”, explica Vera Olinda. (Comunicação/CPI-Acre)