No início de março uma equipe da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), subiu o Rio Gregório, acompanhada de três consultores com ampla experiência em projetos de artes, design, artesanato e beneficiamento de sementes, para a realização de uma Oficina de Artesanato com mulheres, homens, jovens e crianças Yawanawa. A oficina foi coordenada pela CPI-Acre em parceria com a Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY), no âmbito do projeto “Cadeias de Valor em Terras Indígenas no Acre”, com financiamento do Fundo Amazônia/ BNDES.
Durante cinco dias, 35 representantes das comunidades Yawanawa, incluindo os Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs), estiveram reunidos na aldeia Mutum participando da Oficina de Artesanato. Esta atividade teve como objetivo contribuir e apoiar a arte desenvolvida pelo povo Yawanawa.
A partir de experiências bem sucedidas no desenvolvimento, produção e comercialização de peças de artesanato com o uso de miçanga e pintura em tecido, os Yawanawa se mostraram também interessados em desenvolver peças utilizando os recursos naturais disponíveis na Terra Indígena (TI), desenvolvendo novos produtos como uma forma de fortalecer sua cultura material e agregar valor ao artesanato, criando e recriando novos designs com a matéria prima disponível na TI e tecnologias acessíveis, inspirados no repertório de signos e significados de sua cultura imaterial.
Durante a oficina foram realizadas práticas de coleta de sementes, beneficiamento e confecção de algumas peças como: pingentes, colares, pulseiras e adornos para roupas. Foi trabalhado todo o processo de confecção do artesanato, desde a coleta da matéria prima até o desenvolvimento do design e acabamento das peças. Buscou-se utilizar matéria prima em abundância na TI, tais como sementes, fibras e palhas, como previsto no Plano de Vida Yawanawá (ASCY/ Forest Trends, 2016)[1].
O consultor e artesão Antônio Apurinã[2], que compartilhou sua experiência em coleta e beneficiamento de sementes florestais, além de montagem e manuseio dos equipamentos, disse ter ficado muito satisfeito com o trabalho que realizaram durante a oficina. Segundo ele, todos tiveram a oportunidade de passar por todas as etapas, até produzir algumas peças, surgiram coisas muito interessantes, peças muito bonitas. Para ele os Yawanawa já possuíam uma experiência, o artesanato Yawanawa já tem um reconhecimento, agora é continuar trabalhando para cada vez mais ir aprimorando.
Os participantes tiveram toda a liberdade de criar, assim, foram surgindo diversas ideias sobre o que poderia ser elaborado e identificado diferentes potenciais. Um destaque, além da beleza do trabalho realizado, que demonstra a destreza da população com o artesanato, foi a grande participação de jovens durante a oficina. Isto, foi um esforço das lideranças, para que os trabalhos pudessem ter continuidade em cada aldeia, e foi visto como uma nova oportunidade de mostrar a cultura e ao mesmo tempo ser mais uma fonte de renda.
A liderança da aldeia Mutum, Paulo Yawanawa, destacou o trabalho dos Yawanawa com artesanato:
Esse trabalho realizado aqui esses dias foi muito importante, aqui estão nossos jovens, nossas mulheres, as lideranças, gente de todas as aldeias. É algo que vem fortalecer o que já estamos fazendo, mas agora com um material que temos muito aqui na aldeia e na Terra Indígena, que são as sementes. É muito importante esse tipo de trabalho ser realizado em todas as aldeias, precisamos que haja continuidade. Deu para observar como todo mundo estava interessado. Temos que buscar mais parcerias e apoio.
À medida que as atividades eram desenvolvidas, por vezes se escutava sobre a abundância de sementes de palmeiras que há no local e que poderiam ser utilizadas. Outro tema trabalhado na oficina, foi sobre a importância da conservação das sementes florestais, sobre o manejo a ser realizado durante a coleta para que esta não venha a ser uma ameaça à continuidade das espécies. Ao observar a riqueza local e o uso adequado destas sementes espera-se também que haja uma diminuição na dependência de matéria prima externa à TI e de materiais não naturais.
Várias espécies foram identificadas, pelos participantes, como de uso potencial. Foi também um lindo momento para liberar a criatividade, relembrar o trabalho realizado pelos avós e pelas artesãs e artesões mais antigos. Enquanto as peças eram confeccionadas, eram contadas várias histórias dos antigos, demostrando o valor imaterial, que vai muito além de um produto material. Houve um grande interesse em imprimir nas peças trabalhadas as características da cultura do povo Yawanawa, para garantir um reconhecimento e uma maior valoração dos seus produtos.
A artista plástica e designer Patrícia Bowles[3], consultora convidada para a oficina, e que desenvolveu também atividades com as crianças destacou: Como sempre, as aulas com crianças, fluem de forma bonita…. O exercício consistiu na observação das folhas, cores, formatos. Colheram-se folhas caídas da árvore que estava mais próxima e pintaram as folhas à sua maneira, algumas com kenes… este material pode ser transformado em estampa numa linha de roupa infantil.
Na pintura em tecido, cortamos a malha de bambu branca que levei, e a única ferramenta foi a tesoura. O primeiro desenho q surgiu foi a Rosa Vermelha, parece estar no imaginário, no inconsciente. O segundo desenho sugeri a serpente, apontei dimensões, sombra e o realce da coluna vertebral na pintura das folhas. Surgiram folhas verdes em dégradé, pintadas com muito capricho pelas meninas. Vejo estes temas que afloraram, como arquétipos da sua cultura.
Também sobre o trabalho realizado, a designer Mônica Carvalho[4], consultora convidada e especialista na produção de arte a partir de sementes, fibras, entre outros materiais de origem vegetal, disse: Este projeto surgiu de uma demanda dos próprios Yawanawa, e a meu ver este é um ponto fundamental para o sucesso de uma oficina. O curso propriamente dito durou 5 dias. Tempo suficiente para uma introdução de beneficiamento das sementes que foram coletadas por nós, na mata do outro lado da margem do Gregório. O processo de coleta junto à comunidade foi bastante proveitoso no que tange conscientização da intimidade deles com a matéria prima a ser utilizada. Eles estavam felizes e confiantes na coleta, entusiasmados para ver o que iria surgir depois daquele primeiro passo. A habilidade, juntamente com o desejo, encaminhou o grupo a uma grande participação e envolvimento.
Os participantes da oficina juntamente com a ASCY ficaram entusiasmados em dar continuidade a esse trabalho, criando e desenvolvendo uma coleção com as sementes de açaí e outros materiais orgânicos, experimentando e se especializando no uso dos equipamentos fornecidos pelo projeto, considerando o design, a estrutura das peças e acabamento, principais temas abordados nesta oficina. Porém, se organizando para aprimorarem também outras etapas da cadeia de valor, como a organização da produção, fidelidade com o cliente e pontualidade na entrega. Etapas estas que um grupo de mulheres Yawanawa já possuem experiências bem sucedidas, no caso com a comercialização de pulseiras de miçanga da coleção RAUTIHU. O interesse da ASCY é buscar junto com seus parceiros contribuição para a formação de um grupo de artesãs e artesãos Yawanawa de excelência e inovação, para além de projetar a elaboração de peças, que se estruture um grupo capaz de atender profissionalmente às demandas dos consumidores e apreciadores da arte Yawanawa.
E por fim, cabe destacar que o trabalho orientado pela CPI-Acre, de apoiar e promover a cadeia de valor do Artesanato Yawanawa, teve o propósito de colocar em prática o conceito de sustentabilidade, relacionando e integrando o papel do Agente Agroflorestal Indígena, e a sua formação e atuação, no uso, manejo e conservação de recursos naturais, nesse caso das sementes e palheiras, junto ao interesse e vocação da comunidade local, como uma alternativa de geração de renda, trabalhando aspectos ambientais, socioculturais e econômicos.
[1] Artesanato: Nas nossas matas tem muitas sementes para fazer artesanato, mas não temos boa formação e equipamentos. Existe muita produção de artesanato nas aldeias Yawanawa, tanto pelas mulheres quanto pelos homens, mas precisamos melhorar a qualidade dos produtos com as seguintes ações:
– Fortalecimento da Cooperativa das Mulheres Yawanawa;
– Treinamentos e equipamentos para a confecção de artesanatos Yawanawa a partir das matérias primas que temos nas nossas aldeias, em parceria com estilistas e designers para a confecção das peças, com a instalação de máquinas de costura e outros equipamentos e reativação da grife Yawanawa;
– Treinamentos em esculturas indígenas para as comunidades, incluindo bancos, mesas e outros mobiliários. (Plano de Vida Yawanawá, 2016: 64)
[2] Beneficiamento e tecnologia das sementes. Natural do Acre, Antônio é um exímio artesão de raízes Apurinã – especializado no beneficiamento de materiais orgânicos.
[3] Tecidos e estamparia. Diretora do espaço APIS, Patrícia tem ampla experiência em projetos de Arte e Design. E já desenvolveu trabalhos anteriores com o povo Yawanawa.
[4] Design/Artesanato e desenvolvimento de produto. Se inspira na natureza e trabalha com materiais orgânicos, desenvolve um infindável leque de obras que vão das biojóias às esculturas. Desde 1998 interage com comunidades detentoras de um fazer artesanal, ouvindo suas lendas e trabalhando em projetos relacionados ao resgate do patrimônio cultural.