Os empreendimentos das empresas e dos governos focados no desenvolvimento econômico do Brasil, e também de outros países, estão muito mais ligados aos interesses pessoais dos políticos nacionais e internacionais, quando o foco deveria ser a melhoria das vidas das pessoas que pertencem aos territórios nacionais, incluindo, claro, as populações indígenas, negros, ribeirinhos, quilombolas e outras comunidades tradicionais. Hoje, na atual estrutura da política brasileira, os mais favorecidos são a classe média e os ricos. Os outros, como as populações indígenas, são vistos como inferiores, com pouca oportunidade e representatividade nas decisões dos governos.
De acordo com a lei brasileira, todos têm o seu direito garantido pela Constituição Federal, mas isso não está sendo aplicado pelas autoridades deste país. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, também fala no seu Artigo 2º que “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta Declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra”.
Mas mesmo com esses direitos garantidos, os políticos priorizam os seus interesses quando implementam projetos de usinas hidrelétricas, de exploração da madeira, de criação de gado, de monocultura de soja e outros tipos de empreendimentos que afetam as comunidades indígenas. Não ouvir os indígenas, muito menos consultá-los, também não respeita a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Artigo 6º da Convenção 169 diz que “os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, por meio de suas instituições representativas, sempre que se tenham em vista medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los diretamente”. Também diz que “as consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser feitas, de boa-fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo ou consentimento acerca das medidas propostas”.
Portanto, os governos devem adotar medidas para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que esses povos habitam ao invés de promoverem um tipo de desenvolvimento econômico que continue afetando diretamente as comunidades indígenas, tanto fisicamente como por negligência.
Os povos indígenas e a conservação da floresta
Os grandes empresários não pensam na vida das pessoas onde estão sendo implantados os empreendimentos, eles querem saber dos seus bolsos cheios de dinheiro, diferentemente do desenvolvimento dos povos indígenas que desenvolvem os seus trabalhos sempre no coletivo e pensando na vida das pessoas que estão no seu entorno e sem causar grandes impactos nos recursos naturais e na biodiversidade.
Os povos indígenas são os protetores da natureza porque têm relações sagradas com ela. Portanto todos os empreendimentos que estão afetando a Amazônia brasileira estão afetando também as nossas vidas. Por isso queremos que as autoridades respeitam toda as leis que garantem os direitos dos povos indígenas. E proteger os direitos indígenas está diretamente relacionado a conservação da biodiversidade. As terras indígenas são consideradas, junto com as unidades de Conservação, as mais ambientalmente preservadas. Nos, indígenas, oferecemos um modelo milenar de interação com o meio ambiente, um modo de vida mais simples, evidentemente muito mais equilibrado que o modelo predatório e consumista, focado no acúmulo de riqueza. Penso que o nosso modelo é muito mais adequado ambientalmente do que o do homem branco.
Empreendimento próximo à Terra Indígena Mamoadate
Atualmente, os povos Manxineru e Jaminawa estão muito preocupados com um projeto de construção de ramal destinado exclusivamente à exploração de madeiras de lei, que vai passar nos arredores da nossa terra indígena Mamoadate, entre os igarapés Mamoadate e Samarrã. O seu trajeto, de pouco mais de 38 km de extensão, vai interligar a cidade de Assis Brasil à antiga sede da fazenda-seringal Petrópolis, no alto rio Iaco. Além de atravessar áreas da Reserva Extrativista Chico Mendes, vai provocar grandes desmatamentos nas vizinhanças de nossa terra indígena, impactando diretamente oito das 16 comunidades de nossa terra, ou seja, todas as quatro comunidades Jaminawa (Betel, Salão, Cujubim e Boca do Mamoadate) e 4 das 12 aldeias Manxineru (Peri, Jatobá, Santa Cruz e Laranjeira).
Os povos Manxineru e Jaminawa não aceitam que esse ramal madeireiro porque usamos essa área, entre os igarapés Mamoadate e Samarrã, para as nossas caçadas, pescarias e coleta de produtos florestais, e para os nossos roçados de terra firme. Esta área, apesar de ser ocupada tradicionalmente há muito tempo pelas comunidades Jaminawa e Manxineru, ficou de fora dos limites da terra indígena por um erro dos estudos de identificação da área.
Se esse ramal for construído irá impactar muito a vida das pessoas que vivem nesta região, além de atingir diretamente e indiretamente os conhecimentos tradicionais, a organização social, a língua, a cultura, os lugares históricos, a medicina tradicional, as árvores sagrados dos povos Manxineru e Jaminawa.
Em 2013, o madeireiro Jorgenei Ribeiro solicitou ao Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) o licenciamento ambiental para derrubar e retirar diversos tipos de madeiras de lei justamente nessa área compreendida entre os dois igarapés. Ele anda iludindo e cooptando alguns caciques antigos, lideranças e representantes Manxineru, que estão mal informados não têm conhecimento dos impactos que o ramal pode trazer. Ele pediu para assinar documentos apoiando a construção desse ramal madeireiro nos arredores de nossa terra, prometendo favores pessoais e alegando que irá facilitar o nosso acesso à cidade de Assis Brasil, que se torna impossível nos meses do inverno. Isso nos preocupa ainda mais.
Por isso que algumas lideranças Manxineru e Jaminawa denunciaram esse projeto no final do ano passado na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para que a construção desse ramal madeireiro não seja licenciada nem efetivada no entorno de nossa terra.
Hoje, também existem outros empreendimentos e projetos que estão impactando ou podem impactar as terras indígenas no estado do Acre, como o projeto de uma ferrovia que liga São Paulo até Lima, no Peru, passando pelo Acre. Isso é muito perigoso para nós, indígenas, que vivemos no alto Acre, na fronteira com o Peru, porque se ela for construída poderá afetar a nossa vida social, política e cultural, além de impactar o meio ambiente da região.
Ameaças e luta
A situação hoje é de muita dificuldade. Violência, preconceito, invasões de território, extração ilegal de madeira, impactos de grandes empreendimentos. O cenário político atual é uma das principais preocupações para nós, indígenas, e uma grande ameaças aos nossos direitos constitucionais conquistados.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que prevê que a aprovação a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios passe a ser de competência exclusiva do Congresso Nacional. Isso representa um retrocesso para os indígenas, pois os parlamentares querem travar todos os processos referentes à demarcação das Terras Indígenas que tramitam no Poder Executivo. Isso é uma violação, é um retrocesso. Além da PEC 2015, outras tramitações no Congresso Nacional também são vistas com tristeza para nós, indígenas. Um exemplo é o Projeto de Lei 1610/96 que quer regulamentar a exploração de minerais em terras indígenas.
Então, como já disse, a gente sabe muito bem que a Constituição Federal reconhece aos índios o direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Mas na visão dos parlamentares os povos indígenas não necessitam de terra demarcada. Para eles não existem mais terras para serem demarcadas no Brasil. Por isso os políticos não têm respeito pela legislação brasileira e pelos direitos dos povos indígenas.
Gostaria de deixar minha mensagem para toda a sociedade acreana e brasileira neste momento em que estamos fazendo uma reflexão sobre a luta dos povos indígenas no Brasil hoje. Nossos governantes continuam a violar nossos direitos. Hoje a gente teme reviver a época da política da Ditadura Militar, quando matavam índio sem impunidade nenhuma. Mas nós continuaremos lutando pelos nossos direitos. E não estamos olhando só para nós, mas para as nossas futuras gerações. Precisamos proteger nosso território, nossa cultura, nossa sobrevivência!