Neste Dia Nacional do Meio Ambiente há pouco a comemorar: na região amazônica do país, o desmatamento vem aumentando de forma alarmante. Segundo o Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (PRODES/INPE), em 2019 a Amazônia brasileira sofreu uma perda de cobertura florestal de aproximadamente 10.000 km², correspondendo a um incremento de 44% em relação a 2018, quando foram desmatados 7.033 km² de florestas, o que representa um aumento de oito vezes em relação ao incremento do período anterior (2017-2018).

Agentes Agroflorestais Indígenas na Aldeia Amparo, Terra Indígena Rio Gregório (Paula Lima)

No estado do Acre, o aumento do desmatamento vem seguindo esse mesmo ritmo, com taxas até mais preocupantes: agora em 2020, em plena pandemia, só nos primeiros 4 meses do ano, o Estado do Acre vivenciou um aumento de 157% no tamanho da área que foi desmatada em relação ao mesmo período de 2019: cerca de 18 km² desmatados até agora, em contraste com cerca de 7 km² no mesmo período do ano anterior, de acordo com os dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real – DETER/INPE). E a estiagem anual, o verão amazônico, está apenas começando! Ou seja, é um prenúncio de grande piora nos índices!

Todo o planeta, todo o mundo, está poluído. Essas queimadas de florestas provocadas por empresários e grandes fazendeiros me deixa muito preocupado. Como é que nós vamos reduzir as mudanças climáticas? Com esse avanço da indústria, da tecnologia, acho que estamos chegando ao fim do mundo. Os brancos em toda parte do mundo estão produzindo gases e destruindo, e nós povos indígenas estamos fazendo o nosso trabalho de conservar as florestas (Professor Komayari Ashaninka).

Por outro lado, o monitoramento das taxas de desmatamento nas Terras Indígenas no Acre aponta que, diferente da tendência geral, as comunidades indígenas vêm sendo capazes de conter o avanço da degradação em seus territórios. De acordo com um estudo realizado pelo SEGEO/CPI-Acre, referente aos anos de 2007 a 2017, a cobertura florestal sofreu pouquíssima alteração. Em 18 terras indígenas mapeadas, que somam 17.788 km² de extensão, foram desmatados apenas 120 km² nesses 10 anos, o que significa que 99% de florestas foram conservados nesses territórios (CPI-Acre, 2018). Nesse mesmo período, houve uma tendência de queda da área desmatada de aproximadamente 5% a cada ano, em todas as terras indígenas analisadas pelo estudo.

Produção agroflorestal na aldeia Água Viva, TI Kaxinawa da Praia do Carapanã (Renato Gavazzi)

De fato, desde a época da formação dos professores e agentes de saúde indígenas, em parceria com a CPI-Acre, já eram temas importantes de estudo e prática a segurança alimentar, a recuperação de áreas de degradadas e o manejo dos recursos naturais, na interface com a educação escolar diferenciada e a saúde indígenas. A partir de 1996, com o início do programa de formação dos agentes agroflorestais indígenas – AAFI, as comunidades indígenas passam a contar com uma representação e uma categoria indígena específicas de atuação comunitária na gestão territorial e ambiental de suas Terras. Com o carro chefe expressado no plantio de áreas com sistemas e quintais agroflorestais, o enriquecimento de capoeiras, roçados e outras áreas de uso, as terras indígenas nesses anos de trabalho vivenciaram um incremento significativo de áreas recuperadas com espécies úteis variadas, principalmente de frutíferas.

Outros aspectos tornaram-se centrais na atuação do AAFI, e se refletem em acordos comunitários expressos nos planos de gestão territorial e ambiental, como exemplos: o manejo da caça e da pesca, de palheiras e de madeiras nobres; a proteção de sementes nativas, dos recursos hídricos, das nascentes e de matas ciliares; o manejo de resíduos sólidos e ações de proteção territorial, como reabertura de picadas, sensibilização do entorno, vigilância e monitoramento de invasões ilegais.

Agente Agroflorestal Indígena Amiraldo Sereno, TI Kaxinawa da Praia do Carapanã (Paula Lima)

A agrofloresta que está dentro de nós, ela é o primeiro chefe, vivemos milhares de vidas do nosso povo. E hoje nós estamos ainda trabalhando com a floresta, com a conservação. Nós temos terra pequena demarcada, mas estamos realizando o nosso trabalho. Com a organização e o movimento da comunidade, que hoje está bem transformada, querendo ser mais organizada com o nosso espírito da floresta (AAFI Amiraldo Kaxinawá).

A nossa relação com a floresta se dá com a convivência, os ensinamentos, o respeito com a vida dos animais, da água, das árvores e de outros seres da floresta. Assim vivemos com a natureza, temos muito cuidado de não explorar, de não derrubar, porque existem muitas vidas, existem muitas leis da natureza (Lucas Arthur Brasil Manxineru).

Professor Lucas Manchinere na aldeia Extrema, TI Mamoadate (foto: José Frank Silva)

Assim, neste Dia Nacional do Meio Ambiente, fazemos um alerta sobre o desmatamento na região Amazônica e no Acre: se no contexto governamental há incentivos irresponsáveis à exploração dos recursos naturais, no extremo de encarar uma pandemia que vem tirando a vida de milhares de brasileiros, como uma oportunidade, um momento de “tranquilidade” para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, há também um contraponto posto pelos povos indígenas, notadamente através dos agentes agroflorestais, que apontam caminhos pelos quais os povos e terras indígenas no Acre vêm conseguindo manter e até incrementar a cobertura florestal de seus territórios.

Julieta Matos Freschi e José Frank Silva – Comissão Pró-Índio do Acre