Durante o período de 31 de julho a 05 de agosto de 2017, aconteceu a terceira semana do XXIII Curso de Formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs), realizado pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), com o apoio do Fundo Amazônia/ BNDES, no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF) em Rio Branco, Acre. Neste período foi dada continuidade aos módulos de Horta orgânica e Manejo e criação de animais domésticos e silvestres, e trabalhado junto com os AAFIs o módulo de Matemática. Ao fim da terceira semana foi realizada oficina de Conservação e Uso do Milho.

Manejo e criação de animais domésticos e silvestres

Foto: Daniel Villamil

Como continuidade às atividades do módulo Manejo e criação de animais domésticos e silvestres, inserido no contexto de fortalecimento da segurança alimentar dos povos indígenas e práticas de gestão territorial e ambiental de suas Terras Indígenas (TIs), foi trabalhado durante este módulo a construção de uma barragem manual. Esta corresponde a mais um modelo demonstrativo presente no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF).

A criação e manejo de animais silvestres, principalmente de quelônios, está presente em muitos dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) das TIs no Acre, com o objetivo de produzir proteína animal para alimentação das famílias indígenas, possibilitar condições para que esses animais se reproduzam e a partir disso garantir a conservação das espécies silvestres da Amazônia. Tal conservação se faz pelo estudo das práticas de repovoamento dos animais silvestres em seus ambientes naturais, favorecendo, por exemplo, o aumento populacional de espécies ameaçadas de extinção nos rios do Acre, como é o caso dos quelônios.

O desenvolvimento do modelo demonstrativo de barragem manual durante este módulo, visou demonstrar uma alternativa de construção de ambiente para criar e produzir tracajás, tartarugas da Amazônia e demais quelônios nativos. A ideia é que parte da produção gerada nestes modelos de criação em cativeiro sejam devolvidos aos lagos, rios e igarapés, com o propósito de repovoamento das espécies.

Foto: Paula Lima

A Comissão Pró-Índio do Acre possui um histórico de oficinas em Terras Indígenas para a construção de barragens manuais, onde se discutem técnicas de alvenaria, necessidades estruturais para a criação de quelônios e uso de ferramentas de construção.

Foto: Paula Lima

“Neste XXIII Curso de Formação de AAFIs trabalhamos o módulo de criação animal, com a construção de uma barragem manual, um modelo demonstrativo para trabalhar na terra indígena com o manejo e conservação de quelônios. Fizemos a aula prática de construção de barragem e enchemos os sacos com a terra tirada do buraco. Os materiais usados foram carro de mão, enxada, pá e terçado. Foi usado também um pouco de cimento, na mistura de 3 baldes de areia para um balde de cimento. Para mim foi mais um aprendizado, porque eu não tinha visto ainda como trabalhar na construção de uma barragem manual. Eu achei esse trabalho importante porque ajuda a terra indígena na conservação dos quelônios e estou ansioso para levar esse conhecimento para a minha aldeia.”

AAFI Janison Baiakony, aldeia Foz do Nilo – TI Arara do Igarapé Humaitá

Horta Orgânica

Foto: Josy Oliveira

Durante a terceira semana das aulas de Horta orgânica foi observado os insumos preparados no início do curso, que ficaram prontos. Todos puderam ver o que foi discutido durante a elaboração e tempo de fermentação dos produtos, como cor, odor e textura. Foram realizadas práticas de aplicação do biorrepelente. Antes, foi realizado um diagnóstico para saber se a aplicação deveria ser preventiva ou se havia necessidade de aplicações maiores e com mais frequência.

Foto: Josy Oliveira

Também foram realizadas práticas de semeio direto nos canteiros, transplante, construção de sementeira, além de observações sobre distancias de plantio e dos critérios para consorciar hortaliças. Os AAFIs comentaram um pouco sobre as atividades realizadas durante a semana:

Eu, agente agroflorestal estudei na aula prática de horta orgânica. O trabalho foi dividido em grupo, o meu grupo era o Shaba Daya. Afofei o canteiro e fiz plantio direto com sementes de coentro, rúcula e almeirão. Foi 122 no total. Nós construímos sementeira para semear, ela foi construída com 60 cm de largura. Nós semeamos no outro dia. Foi semeada duas carreiras de pimentão verde, duas de alface, três de couve e mais seis carreiras de pimenta.  O total foi 120 mudas produzidas. Durante a semana também fizemos 41 berços e semeamos quiabo, em cada berço foi semeado três sementes. Também fizemos adubação.

AAFI Edimar da Silva e Silva Kaxinawá, aldeia Pupunha – TI Praia do Carapanã

Foto: Josy Oliveira

Nós agentes agroflorestais estamos participando do Curso de Formação, com aula sobre horta orgânica. As seis pessoas do meu grupo, semeamos 30 gramas de coentro consorciado com tomate. Fizemos 60 linhas, semeamos e colocamos cobertura morta. No outro dia nós fizemos o transplante de mudas e depois fizemos o plantio direto de rabanete e pepino. No terceiro dia nos limpamos um pouco o canteiro e fizemos a aplicação, mais forte, do biorrepelente nas plantas de couve que estavam sendo atacadas por lagarta.

AAFI Ronaldo Sabóia, aldeia Novo Futuro – TI Kaxinawá do Rio Humaitá

Matemática

Para o módulo de Matemática, houve um planejamento da temática onde se pontuou as possibilidades de interdisciplinaridade e interculturalidade. O conteúdo trabalhado em aula procurou priorizar a verificação do nível cognitivo referente às quatro operações matemáticas. Na tentativa de elevar os conhecimentos referentes a estes conteúdos, foram propostas atividades a qual chamamos de fatos fundamentais para as quatro operações. De forma intercalada foram definidos dois temas relacionados a matemática: modelando problemas de matemática a partir de produtividade de vinhos, como açaí, bacaba, buriti e patoá, e utilizando a configuração retangular, quadrada e triangular para definir espaçamentos empregados nos plantios dos quintais e sistemas agroflorestais. De forma a conseguir uma relação dialógica entre teoria e prática, a turma de agroflorestais visitou e realizou observações e medições em um modelo demonstrativo do CFPF, denominado Sistema Agroflorestal Castanheira.

Também foi analisada a relação entre quantidade de sementes contidas em um litro e o número de berços por hectare, como também a quantidade de frutos por quilo e a quantidade de sumo após a extração e processamento.

Pela parte da manhã, iniciamos a aula de matemática e fomos visitar o SAF Castanheira. Logo na sequência medimos o tamanho da área que estava plantada com as mudas de banana, castanha do Brasil, pupunha e andiroba. Estudamos o perímetro da área, fizemos conta de subtração, divisão, e depois o professor entregou uma tabuada para cada um dos estudantes que estavam na sala de aula. Teve uma dinâmica com os AAFIs, falando de quantas mudas estavam plantadas dentro do seu SAF. Na sequência, fizemos outra conta, calculamos quantos limões dão um quilo e quanto de água dá um quilo. Depois fizemos um quadrado de 5×5 metros e um retângulo de 7×3 metros. Isso foi um pouco da nossa aula de matemática.”

Janison Baiakony aldeia Foz do Nilo – TI Arara do Igarapé Humaitá

Oficina de Conservação e Uso do Milho

No dia 05 de agosto foi realizada a Oficina de Conservação e Uso do Milho, fruto de uma parceria entre a CPI-Acre e a equipe do projeto Milhos das Terras Baixas da América do Sul – atualizando a diversidade de raças do Brasil e Uruguai. A oficina foi mediada pelas pesquisadoras Flaviane Costa (Esalq/ USP) e Natália Almeida (UFSC), com a participação de Paola Bianchini (Embrapa Semi-árido).

Na ocasião discutiram sobre a importância da agrobiodiversidade, das sementes criolas, a origem, uso e estratégias de conservação de sementes de milho dos diferentes povos indígenas no Acre, e também criou-se um momento para promover além da troca de saberes, a troca de sementes entre os AAFIs de diferentes povos e terras.

O AAFI Ismael Siã Shanenawa, da aldeia Shane Kaya – TI Katukina Kaxinawa, conta como foi a oficina:

Vou falar um pouco sobre o trabalho da oficina que teve sábado sobre os milhos crioulos que são variedades de milhos diferentes tanto na região do Acre como de todo o Brasil e do mundo.

A gente viu que a variedade muda dependendo do município e do local onde é plantado.
O mais utilizado aqui é o milho massa que tem o branquinho, o pintado, o meio vermelhinho. O outro é o milho duro que serve tanto para os animais como pra gente se alimentar, pode fazer mingau, caiçuma do milho. Tem o milho pipoca também, ele é pouco consumido pela população indígena, é mais utilizado pelos brancos.

Isso mostra que nossos antepassados já vinham se alimentando do milho. Cada vez mais conhecemos diferentes tipos de milho, o que fortalece nossa cultura, fortalece mais a alimentação dos povos indígenas.

Teve também a troca de sementes que foi uma experiência muito boa. A troca de sementes evolui cada vez mais entre os povos indígenas. Onde não temos alguma semente, com a troca, podemos ter nas nossas aldeias. Depois, em outra oportunidade, oficina ou intercâmbio, podemos levar aquela semente e mostrar que essa semente deu certo na sua terra.

Dessa forma, valoriza muito a cultura. Para a alimentação nos nossos SAFs, enriquecendo os SAFs nas comunidades indígenas e para o artesanato também. Porque tem muita semente que serve para fazer artesanato.

A oficina de sábado fortalece cada vez mais o trabalho do Agente Agroflorestal. Buscamos cada vez mais diferentes meios de plantar, de cultivar a Natureza sem prejudicar. Aproveitamos a mata e sabemos preservar. Com esses aprendizados, estamos evoluindo muito no cuidado com o que é nosso.