Este ano, no contexto da programação da 8ª Edição do Abril no Acre Indígena, aconteceu mais um encontro de lideranças indígenas, no período de nove a onze de maio, no Centro de Formação dos Povos da Floresta. Participaram cinqüenta representantes de vinte e sete associações, representantes de vinte e uma Terras Indígenas dos povos Huni Kuĩ, Ashaninka, Yawanawá, Shawãdawa, Noke Koe/Katukina, Shanenawa, Poyanawa, Nukini, Jaminawa e Jaminawa Arara promovido pela Comissão Pró Índio do Acre, pela Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas e pela Organização dos Povos Indígenas do Acre.
Desde 2011, reunir um coletivo de lideranças e representantes das associações indígenas que objetiva o fortalecimento político, a troca de informações, avaliação e elaboração de propostas e recomendações para as políticas e programas de governos nas áreas de gestão territorial e ambiental, educação e saúde, tanto a nível nacional e estadual, como a nível local, a partir das Terras Indígenas, tem sido uma estratégia muito importante para garantir os direitos conquistados pelos povos indígenas. Avaliar e repactuar essas estratégias tem sido um dos esteios do trabalho da Comissão Pró Índio do Acre com as associações e organizações indígenas parceiras.
No evento, os participantes indígenas enfatizaram a importância desse encontro, no momento de grande retrocesso político que os povos indígenas e povo brasileiro atravessam, assim como a necessidade de um alinhamento e atualização de informações sobre as Terras Indígenas, da organização comunitária e do trabalho dos diversos atores sociais. Enfatizaram como as comunidades vem se relacionando com os programas e projeto que estão em curso, tanto do governo do Estado do Acre e das ONGs que realizam trabalhos nessas comunidades.
A reunião entre as lideranças indígenas e parceiros, além de promover reencontros com velhos e novos amigos, companheiros de trabalho, trazem alegria e força que energizam os espíritos para enfrentar os atuais desafios. As reflexões atualizam nossa atuação presente e futura como indigenistas.
Os relatos dos representantes das vinte e uma Terras Indígenas contextualizaram os avanços, dificuldades e desafios em projetos, programas e lutas por direitos e tornaram pública a posição do coletivo, conforme o documento final que segue abaixo.
Carta de Maio – Reunião das lideranças indígenas no Acre
Nós, lideranças indígenas, de dez povos e de vinte e uma terras indígenas, representando nossas comunidades e associações, reunidos nos dias 09 a 11 de maio de 2017, no Centro de Formação dos Povos da Floresta, para dar continuidade a uma frente de articulação entre os povos indígenas no Acre e fortalecer nossa luta para enfrentar um dos momentos mais difíceis de nossa existência, manifestamos o que se segue.
Somos lideranças que vive em sua maioria nas TIs de altos rios, portanto, distantes das cidades, sendo estas reuniões anuais um espaço privilegiado para nos unir, atualizar e manter estratégias comuns que nos fortaleçam. Ao discutir a situação e o contexto do Brasil vemos o terror que domina o país nos dias de hoje, comandado por um governo que é anti-indígena e que descaradamente quer nos tirar o patrimônio mais essencial e sagrado que temos,que são as nossas terras indígenas.
Nunca vimos tantas ameaças aos nossos direitos mais fundamentais em um espaço de tempo tão curto: em apenas um ano do governo de Temer, em aliança com o poder legislativo nacional, estamos vendo uma série de medidas violentas contra os povos indígenas, incluindo o pedido de extinção da Funai (pela Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI-INCRA); o Ministério da Justiça e Cidadania claramente servindo aos interesses dos ruralistas, como falou publicamente o ex-presidente da Funai. Também, a Casa Civil da Presidência da República é chefiada por pessoas que não respeitam os indígenas e que acham que nosso jeito de viver e de proteger nossos territórios são um entrave para desenvolvimento do Brasil. Também constatamos como estão acelerados os projetos de leie PECs que ferem nosso direitos constitucionais como a PEC 215 e outras que entregam nossos territórios para a especulação, para o desmatamento e para os interesses dos grandes empreendedores, que se mantém às custas do sacrifício de vidas e da extinção de povos.
Diante do que discutimos, vimos a público expressar que não vamos tolerar as ameaças anti-indígenas que sofremos do Estado brasileiro e que estamos dispostos a fazer o que for necessário para defender nossos direitos conquistados, a duras penas, e proteger nossos territórios.
Frente a este trágico cenário e contando com um único órgão oficial na estrutura do executivo federal, afirmamos que não aceitaremos a extinção da Funai, mas ao contrário, exigimos seu fortalecimento, bem como exigimos a continuidade da demarcação das terras indígenas em todo o Brasil.
Sobre a agenda local, que envolve medidas do Governo do Acre,reconhecemos que temos em nosso estado um governo que inclui os povos indígenas em sua estrutura executiva e planos de governo. Todavia, após ouvir os titulares da Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA e Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar–SEAPROF, e a Coordenação de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de Educação e Esporte, temos recomendações a fazer.
Nos surpreendeu saber que o Programa de Saneamento Ambiental Integrado e Inclusão Socioeconômica do Acre (PROSER) fará uma execução direta dos recursos, contrariando uma linha de fortalecimento institucional das associações indígenas. Recomendamos que este procedimento seja adotado com aquelas associações que assim desejarem. Não se aplicando a todas sem consultá-las.
Sobre o projeto REDD Early Movers (REM) recomendamos que a repartição dos benefícios e os critérios para os projetos sejam discutidos levando em conta o acúmulo da execução do REM 1 com as associações indígenas e obedecendo um prazo adequado para as formulações necessárias para a fase posterior.
Diante do exposto queremos uma instância para discutir a formulação, execução e avaliação de todos os programas e projetos para os povos indígenas no âmbito do Governo do Acre, com consulta e que respeite os tempos e prazos de cada povo.
Nos chamou atenção também que a Assessoria Especial de Assuntos Indígenas do Gabinete do Governador não foi citada na apresentação desses programas acima citados, ficando para nós a pergunta se esta Assessoria foi extinta. Se não, diante da frágil estrutura da Assessoria, que hoje está até com o prédio caindo, gostaríamos de entender o papel dela nesta reta final de governo.
Quanto a Secretaria de Estado de Educação e Esporte, solicitamos celeridade para: realização do concurso público para os profissionais do magistério indígena, definição de um programa de formação de professores indígenas no magistério de nível médio com cursos e assessorias anuais, criação da Comissão Estadual de Educação Escolar Indígena com caráter deliberativo,suficiência de infra-estrutura física, materiais e merenda para as escolas.
Para a Universidade Federal do Acre – UFAC, após as informações do último vestibular indígena, conforme os professores indígenas soltaram nota na imprensa dia 09 de abril, recomendamos fortemente que a OPIAC participe efetivamente das questões que dizem respeito ao acesso e permanência no Curso de Licenciatura Indígena.
Declaramos também nosso interesse em dialogar com a APIB, COIAB e COICA no sentido de construir um entendimento sobre uma estratégia de proteção e garantia dos direitos indígenas e os espaços de representação política. Entendemos que para isso a troca de informações é o primeiro passo, mas que também é importante manter a autonomia das organizações dos movimentos locais.
Após debatermos sobre política partidária e candidaturas indígenas no Acre, para concorrer ao Poder Legislativo, esta reunião indicou que para estas candidaturas não importa apenas o nome, é preciso reunir para construir uma identidade, um perfil indígena, como também um projeto de mandato que congregue o coletivo e a diversidade de povos indígenas no Acre.
Por fim, conscientes também de como nosso voto é determinante para eleger mandatos, afirmamos que estamos decididos a trabalhar em nossas comunidades as eleições e votos para projetos que dialogam com nossos interesses coletivos de conservação e manejo da floresta, educação, saúde e respeito a efetivação às especificidades de cada povo.
Assinam:
- Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais do Acre (AMAAIAC)
- Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
- Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA)
- Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY)
- Associação do Povo Arara do Igarapé Humaitá (APSIH)
- Associação Kaxinawa do Rio Breu (AKARIB)
- Associação dos Povos Indígenas do Rio Humaitá (ASPIRH)
- Associação Indígena Nukini (AIN)
- Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Nova Fronteira (APKANF)
- Associação Agroextrativista Puyanawa Barão e Ipiranga (AAPBI)
- Cooperativa Agroextrativista Shawãdawa Pushuã (CASP)
- Associação Katukina do Campinas (AKAC)
- Associação dos Produtores e Criadores Kaxinawá da Praia do Carapanã (ASKPA)
- Associação Ashaninka do Rio Breu (AARIB)
- Associação dos Produtores e Agroextrativistas Huni Kuĩ do Caucho (APAHC)
- Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá (APROKAP)
- Associação de Seringueiros, Produtores e Artesãos Kaxinawá de Nova Olinda (ASPAKNO)
- Associação Jaminawa do Caeté (AJC)
- Associação da Aldeia Shane Kaya Artesã
- Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova (ACOSMO)
- Associação Kampa e Isolados do Rio Envira – Anpare
- Associação do Hene Baria Namakia (AHBN) – rio Envira
- Organização dos Povos Indígenas Huni Kuĩ do Alto Rio Purus (OPIHARP)
- Associação Indígena do Povo Jaminawa-Arara do Rio Bagé (AJARBI)
- Instituto Yawarani
- Organização dos Agricultores Kaxinawá da Colônia 27 (OAKTI)
- Cooperativa Huni Kuĩ do Rio Jordão (ARU KUXIPA)
- Representante da TI Kampa do Igarapé Primavera
- Representante da TI Cabeceira do Rio Acre
Fonte: http://pagina20.net/v2/encontro-de-liderancas-indigenas-no-acre/