José Frank M. Silva

 

Entre os dias 31 de janeiro a 3 de fevereiro foi realizada a primeira Oficina de Etnomapeamento na Comunidade Nativa[1] Sawawo Hito 40, localizada na fronteira do estado do Acre  (Brasil) com o departamento de Ucayali  (Peru), esta comunidade  limita com as Comunidades Nativas Nueva Shawaya e Saweto no lado peruano e com a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, todas elas do povo Ashaninka. A Comunidade Nativa Sawawo é composta por 45 famílias, com aproximadamente 195 pessoas[2].

Figura 1 – Mapa de localização das Comunidades Nativas Sawawo e Nueva Shahuaya, limítrofes com a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia. Cartografia: Setor de Geoprocessamento da CPI-Acre, Fev/ 2017.

A oficina foi realizada a partir da parceria entre a Comissão Pró-índio do Acre e a Associação Apiwtxa, contando com a mediação das lideranças ashaninka da TI Kampa do Rio Amônia nas discussões e reflexões sobre os problemas que atingem suas comunidades em ambos os lados da fronteira. Participaram cerca de 40 pessoas, entre elas lideranças da Comunidade Nativa Nueva Shahuaya, que também faz limite com a TI Kampa do Rio Amônia e com Sawawo Hito 40.

A Comunidade Nativa Sawawo Hito 40, teve seu território titulado pelo governo peruano em 1999 com cerca de 35 mil hectares, localizados no Distrito de Yuruá, Departamento de Ucayali (província de Atalaya, no Peru). Ela foi criada em 1994 pelos primeiros moradores, vindos da TI Kampa do Rio Amônia e de várias outras comunidades nativas situadas ao longo dos rios Ucayali, Tamaya, Sheshea, entre outros rios da Amazônia peruana.

Embora com a titulação assegurada em 1999 as lideranças de Sawawo firmaram um contrato com a empresa Florestal Venao SRL, para explorar seus recursos florestais. A empresa prestou apoio técnico para que a comunidade conseguisse aprovar o plano de manejo de seu território, junto ao Instituto Nacional de Recursos Naturales – INRENA, organismo equivalente ao IBAMA no Brasil. O plano é o instrumento que, em tese, deveria garantir o uso adequado dos recursos naturais, mas os acordos não estavam sendo respeitados.  Foi um período onde ocorreram as invasões de madeireiros em diversos pontos da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, o que viria configurar o contexto inicial das ações transfronteiriças na região do estado do Acre (Brasil) e do departamento de Ucayali (Peru).

Por se tratar de territórios contíguos, para os ashaninka é estratégico envolver também os seus vizinhos de Shahuaya, já que os problemas de invasões, entre outras ameaças, são comuns em seus territórios. As discussões foram conduzidas pelos professores indígenas Wewito Piyãnko, Komayare e Otxe Asheninka, além da liderança Moisés Pyãnko, atual presidente da Associação Apiwtxa, para orientar as práticas de mapeamentos dos territórios de Sawawo e Nueva Shahuaya.

Os participantes mapearam os igarapés e lagos utilizados para suas pescarias, as áreas de uso de recursos naturais e os tipos de vegetação, além dos piques de caçadas e a distribuição e fluxo da fauna. Também mapearam as rotas históricas de seus primeiros moradores, compondo o mapa histórico das duas comunidades peruanas.

Entre estas temáticas trabalharam e discutiram antigas e atuais ameaças, focando no problema da invasão por caçadores de Marechal Thaumaturgo que sobem o rio em direção à Sawawo. O tema foi discutido longamente entre os participantes, resultando em um encaminhamento dos moradores de Sawawo para participarem em algumas das ações planejadas pela Associação Apiwtxa, entre elas, o manejo de quelônios e coleta de ovos nas praias do rio Amônia. A ação é estratégica para conter a entrada dos caçadores nos territórios indígenas, pois farão interdição do rio no mês de junho, contando com o apoio dos Ashaninka de Sawawo.

Além das ameaças identificadas sobre o território de Sawawo, as lideranças de Nueva Shahuaya também mapearam as ameaças relacionadas às invasões de caçadores ilegais e retirada de madeira sobre seu território. De acordo com as lideranças, as invasões ocorrem no lado leste de seu território, provenientes de um povoado peruano denominado Puerto Breu, localizado no rio Yuruá/Juruá, onde também estão situadas várias Comunidades Nativas.

Antecedendo esta ação conjunta, as lideranças ashaninka também planejaram a segunda oficina de etnomapeamento, momento em que atualizarão os mapas temáticos preliminares e discutirão as estratégias e ações para o plano de gestão territorial e ambiental da Comunidade Nativa Sawawo Hito 40.

Figura 2 – Moisés Piyãnko, professores Wewito Piyãnko e Otxe Ashaninka, e membro de Sawawo Juan Garcia organizando a oficina com a comunidade. Foto: Billy Fequis – CPI-Acre, Jan/2017.

As temáticas trabalhadas na oficina resultaram na produção de seis mapas temáticos das duas comunidades (Águas e Pesca, Uso dos Recursos Naturais, Vegetação, Caçadas, Distribuição e Fluxo de Fauna, Histórico de Ocupação e Mapa de Ameaças) e em  diagnósticos sobre os recursos naturais nos territórios, levando à reflexão sobre os desafios de proteção e gestão ambiental e territorial de forma conjunta entre o Povo Ashaninka do Brasil e Peru.

A proposta de realizar o etnomapeamento na Comunidade Nativa Sawawo está relacionada aos diversos encontros e intercâmbios dos povos indígenas da fronteira ocorridos a partir de 2005. Durante o IX Encontro do Grupo de Trabalho Transfronteiriço, em janeiro de 2015, realizado na Escola Ashaninka Yorenka Ãtame, no município de Marechal Thaumaturgo, foi definida uma agenda de compromissos entre os povos indígenas que estavam presentes na reunião, para a gestão, proteção territorial, uso e manejo dos recursos naturais na região de fronteira. A oficina também era uma antiga demanda das lideranças ashaninka da TI Kampa do Rio Amônia, como estratégia de seu Plano de Gestão Territorial e Ambiental para sensibilização e envolvimento dos vizinhos do entorno para replicar suas experiências e projetos, entre eles a criação e manejo de quelônios e a implantação de sistemas agroflorestais nas comunidades.

Figura 3 – Moisés Piyãnko orientando as lideranças de Sawawo e Nueva Shahuaya para a realização do mapeamento participativo. Foto: Billy Fequis – CPI-Acre, Jan/2017.

A região transfronteiriça que envolve o Vale do Juruá e onde está localizada a Comunidade Nativa Sawawo é cenário de vários impactos socioambientais preocupantes para os inúmeros povos indígenas e não indígenas e seus territórios. A exploração ilegal de madeira, as estradas abertas cortando as comunidades nativas para seu escoamento, localizadas próximo à fronteira, além das atividades de exploração de minério, gás e petróleo são algumas das ameaças que os povos indígenas enfrentam.

Como exemplo do que acontece nas Terras Indígenas na fronteira brasileira, as oficinas de etnomapeamento tem sido um espaço de articulação e de proteção territorial estratégico, que dialoga com as comunidades do entorno, nesse caso específico, com os povos indígenas do lado peruano. Mesmo sabendo que esta ação é a primeira etapa de um processo de sensibilização gradual, de forma integrada entre o povo Ashaninka da Apiwtxa com Sawawo Ito 40 e Nueva Shawaya, a territorialidade Ashanika vem se fortalecendo por esta iniciativa comum.

[1] As Comunidades Nativas são áreas destinadas aos povos indígenas no Peru e muitas compõem, em conjunto com parques nacionais e reservas territoriais para índios isolados, um mosaico de áreas naturais protegidas ao longo de toda a fronteira entre o Acre e os departamentos de Madre de Dios e Ucayali

[2] Associação Apiwtxa, 2016