Encontro Transfronteiriço Juruá/Yurúa/Tamaya. Foto: Malu Ochoa.

CPI-Acre, AMAAIAC, AKARIB  

Há mais de um século após o início da demarcação da fronteira Acre Brasil- Ucayali- Peru, a região continua sendo considerada pelos Estados e empresários da região como um lugar pouco ocupado, associando o desenvolvimento econômico a propostas da abertura de estradas que irão ligar  os dois países por essa região, cuja linha de fronteira  foi definida em 1909 pelo Tratado de Limites e os trabalhos de levantamento, demarcação e sinalização, aconteceram entre 1920 e 1927. Os acordos existentes entre os governos do Peru e Brasil, sempre estiveram  pautados no desenvolvimento econômico da região  ignorando os povos  que vivem na região e  serão afetados por essas estradas. As negociações entre os governos também ignoram a consulta livre, prévia e informada, sem transparência e sem estudos de impactos ambientais.

As comunidades que vivem na floresta também vêm alertando os governos de ambos os  países para os impactos acarretados pelas políticas interestatais de integração regional que aplicam um modelo de desenvolvimento que não dialoga com a realidade local e que se opõe aos princípios da conservação e da sustentabilidade socioambiental. A sociedade civil organizada dos dois países, através de organizações indígenas, indigenistas e ambientalistas, universidades, há quase duas décadas, vêm promovendo espaços de debates e de participação de lideranças e organizações  indígenas, apoiando reuniões e articulação política,  produzindo  e difundindo  informações e estudos sobre os impactos socioambientais que os  projetos de desenvolvimento podem acarretar, incluindo aqueles relativos à influência nos modos de vida das populações indígenas e tradicionais da floresta. 

Em 2015, durante uma intensa articulação binacional para alertar  os governos  dos dois países sobre a situação de vulnerabilidade dos povos indígenas e das comunidades tradicionais na fronteira quando foram  assassinadas  quatro lideranças Ashaninka da comunidade Alto Tamaya – Saweto no Peru, Edwin Chota, Jorge Ríos Pérez, Leoncio Meléndez e Francisco Pinedo se dirigiam para uma reunião na aldeia Apiwtxa no Brasil. Eles participavam ativamente das reuniões para discutir os problemas na fronteira, um dos locais de luta para reivindicar a demarcação dos seus territórios e denunciar a invasão por parte de empresas madeireiras. A comunidade Nativa, Alto Tamaya Saweto foi demarcada em 2015, porém as ameaças na região de fronteira aumentaram, colocando em riscos as Terras Indígenas, Comunidades Nativas, Unidades de Conservação e territórios de índios em isolamento voluntário. Estes, raramente são considerados  nas propostas oficiais dos dois países.  

Edwin Chota, uma das lideranças assassinadas em 2015, tinha feito uma denúncia em 2007 sobre a construção da estrada Nueva Itália a Puerto Breu, por parte de madeireiros, com apoio dos governos locais, que novamente veio à tona em 2020. Na época,  Chota já pedia providências, pois a estrada atenderia os interesses das “máfias madeireiras” com finalidade, apenas, de transportar as toras de madeira até o rio Ucayali, para chegar em Lima/PE e ser exportado para outros países. 

Abertura da mesa de trabalho da comissão transfronteiriça. Foto: Malu Ochoa

Hoje,  o presidente da organização indígena ORAU AIDESEP, Berlin Diques, coloca que a grande preocupação é o ingresso de colonos que chegam com o objetivo de desenvolver a agricultura em grande escala, o que pode ocasionar a invasão de territórios indígenas que se encontram em processo de titulação. Diques também considera importante a aliança do movimento indígena entre o Brasil e o Peru para o fortalecimento na luta pelos direitos. 

A construção dessa estrada se relaciona a outras ameaças, como a reativação das concessões florestais e lotes de petróleo. A estrada facilita o acesso para o escoamento da madeira e exploração de petróleo, como é o caso do Lote 201. Este lote se configurou a partir do lote 126 da empresa Pacific Rubiales  e está localizado entre os distritos de Ipari e Masisea, na província de Coronel Portillo e distritos de Tahuania e Yuruá, província de Atalaya. O lote se sobrepõe aos territórios indígenas no Peru e no Brasil, próximo à TI Kampa do Rio Amonea. 

A estrada Nueva Itália a Puerto Breu, estando do lado peruano, gera sérias consequências às terras indígenas do lado do Brasil. No caso da Kampa do Rio Amônia, Arara do Rio Amônia, Kaxinawá Ashaninka do Rio Breu e a Reserva Extrativista Alto Juruá, significa uma ameaça, tanto pelos impactos ambientais que uma estrada representa, como pela chegada de imigrantes com interesses de explorar os recursos naturais de forma predatória e ocupação desordenada, aumentando a pressão sobre as terras indígenas  e seus recursos. As lideranças Ashaninka da aldeia Apiwtxa do Amônia com as lideranças de Sawawo do Peru, desde 2021, realizam diversas reuniões para o monitoramento do avanço da abertura da estrada e se uniram para impedir a construção da estrada, fazendo denúncias de incidência  nacional e internacional.  

Recentemente, nos dias 27 e 29  de abril, aconteceu em Puerto Breu, distrito de Yuruá no Peru, uma mesa de trabalho da Comissão Transfronteiriça Juruá/Yurúa/Tamaya, um encontro organizado pela OPIRJ ( Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá),  Associação Apiwtxa e ACONADIYSH (Asociación de Comunidades Nativas para el Desarollo Integral de Yurúa Yono Sharakoiai) para debater, mais uma vez, a problemática atual da região fronteiriça e a atualização de informações sobre as ameaças, proteção e desenvolvimento comunitário em seus territórios. A mesa de trabalho aconteceu após o Congresso Internacional realizado na Apiwtxa, em novembro de 2021. 

Grupo de mulheres do Yurua/Juruá discutindo problemas e propondo alternativas de desenvolvimento comunitário. Foto: Bianca Piyãko.

Na ocasião da mesa, foi assinado um acordo de cooperação interinstitucional entre a ACONADIYHI  e a OPIRJ, além de diretrizes para se construir um Plano de Trabalho Específico com acordos e compromissos dos membros da Comissão Transfronteiriça Juruá/Yurúa/Tamaya. Também,  foi firmado, por 132 lideranças, um documento intitulado “Declaração de Breu”, que  reitera a aliança dos povos indígenas da fronteira para o desenvolvimento sustentável respeitando as formas de vida, indicando que   as comunidades devem ser reconhecidas por todos como cidadãos da floresta e guardiões da vida e do planeta. Recomendam ainda, que os Estados brasileiro e peruano atendam as demandas de saúde e educação intercultural, justiça socioambiental; promovam  o acesso a serviços públicos, políticas transfronteiriças com participação dos povos indígenas destacando que em todos os processos seja aplicada a Consulta Livre Prévia e informada,  da Convenção 169 da  OIT.

O evento contou com a importante participação de 132 lideranças indígenas do Acre e parceiros, entre eles a Comissão Pró Índio do Acre, Upper Amazon Conservancy, Nasa Servi Amazônia e ProPurus. O resultado desse encontro é mais um passo em direção a uma aliança estratégica entre povos indígenas e comunidades tradicionais da fronteira Brasil – Peru.

Foto: Malu Ochoa