No período de 07 a 11 de agosto de 2017, aconteceu a quarta semana do XXIII Curso de Formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs), realizado pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), com o apoio do Fundo Amazônia/ BNDES, no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF) em Rio Branco, Acre. Neste período foi trabalhado o módulo de Ecologia Indígena, Línguas e a continuidade do módulo de Horta orgânica.

Ecologia indígena

Como parte do módulo de Ecologia Indígena foram promovidos exercícios entre os agentes agroflorestais que resultaram em uma espécie de inventário dos conhecimentos sobre os recursos naturais das Terras Indígenas (TIs), como também seu uso, manejo e conservação. Tais conhecimentos foram abordados a partir de modos de descrever, narrar, classificar e ilustrar, usando-se a língua indígena e língua portuguesa, de forma a reunir um registro dos elementos que compõem o ecossistema e refletir sobre seu estado de conservação.

O módulo foi iniciado com um debate sobre o que é ecologia na percepção indígena, permitindo aos agroflorestais expressarem as suas variadas compreensões sobre o tema. No entendimento que a ecologia é o estudo da sua “casa”, ou seja, da floresta, abordamos a importância do levantamento dos recursos naturais nas TIs e a necessidade de monitorá-los acerca da situação de abundância. O monitoramento ambiental é uma temática importante do trabalho que tem articulado a Ecologia Indígena com outros campos de estudo como os Fundamentos Políticos da Profissão dos AAFIs e com os módulos da formação básica, através do desenvolvimento das Línguas Indígenas e Portuguesa e da Biologia.

Foto: Paula Lima

As ações de monitoramento dos recursos naturais nas aldeias dialogam com os Planos de Gestão Territorial e Ambiental de suas TIs, ferramenta esta fundamental no trabalho cotidiano do agroflorestal junto a sua comunidade.  Neste curso, as atividades de Ecologia Indígena em sala de aula foram desenvolvidas através de práticas pedagógicas que valorizam princípios da educação escolar indígena como: bilinguismo, interculturalidade, autoria e intercientificidade. Um espaço onde se valoriza incentivar a expressão e o registro da compreensão indígena do meio ambiente, como também incentivar a discussão de técnicas tradicionais relacionadas aos saberes diversos sobre este meio, entendido nas suas complexas relações “homem-natureza”. Sendo a Ecologia Indígena uma ciência que estuda as interações entre os organismos e seu ambiente, nada mais representativo que o cotidiano de relações das comunidades indígenas com seu ambiente local.

 “As abelhas convivem dentro da floresta, elas têm o seu jeito de viver que não prejudica a natureza. A abelha uruçu boi mora nos tronco de pau, como pau d’arco, maçaranduba, cumaru, pama, gameleira e no oco do paxiubão. As abelhas coletam o néctar e pólen alguns poucos quilômetros de distância para produzir o seu mel. No entanto, elas fazem a coleta nas flores de bálsamo, pau d’arco, ingá, maracujá, urucum, manga, açaí, patoá, bacaba, buriti, cacau e azeitona. As flores são o alimento das abelhas para viverem na sua cultura e união. Para nós AAFIs que queremos criar abelhas, temos que fazer tudo isso: plantar e cuidar, preservar e multiplicar a criação de abelha. Elas moram na beira do igarapé e igapó. O saborá das abelhas quando a gente tira, guarda para consagrar as crianças da aldeia. Para mulheres e homens para aprender a cantar e conhecer as medicinas com os pajés das aldeias. Mistura o saborá com mel de cana, gema de ovos de takara ou de nunu. Este é o espírito da floresta.”

AAFI Antônio de Carvalho- TI Kaxinawá Nova Olinda

Durante as aulas foi abordada a ecologia dos animais silvestres, dentre estes da abelha. Além do conteúdo teórico, os AAFIs participaram de uma prática de divisão de enxame de uruçu rajada (Melipona fasciculata) no meliponário do Centro de Formação dos Povos da Floresta. A meliponicultura é uma realidade da produção de alimentos saudáveis nas TIs e durante os Cursos de Formação estuda-se o manejo adequado das espécies nativas, evitando a destruição dos enxames coletados no meio ambiente de forma predatória e dos enxames destruídos quando ocorre a implantação de novos roçados. A prática de construção de caixas para a criação dos enxames e a divisão das colmeias, ajuda na preservação das melíponas e resulta na produção do mel e pólen. Estes são fontes ricas de alimento e propriedades medicinais, muito apreciados pelos povos indígenas; além de garantir a polinização das espécies florísticas das aldeias.

Foto: Daniel Villamil

“Na quarta-feira fizemos a multiplicação das abelhas com os professores, que é fazer uma caixa de abelha com outra colmeia que já existe. Primeiro observamos que tinha muito disco de cria e dividimos os discos de cria junto com um pouco de mel na nova caixa que ficou com a rainha. A outra caixa ainda vai produzir sua própria rainha. Muito importante é não melar de mel no local, porque atrai muito aos predadores e vai acabar espantando as abelhas de sua caixa. O mel é um remédio muito bom para gripe. Dá para aproveitar o saborá, a cera, etc. A abelha é um pequeno inseto muito valioso para a natureza, por que ela espalha os pólens da flor no ar, para as plantas se reproduzirem. Por isso é muito importante para todos os seres vivos, tanto as pessoas, plantas e animais, quando uma pessoa achar uma colmeia de melípona, chamar uma pessoa que crie as elas para que as abelhas não sumam daquele lugar.”

AAFI Ismael Menezes Shanenawa- TI Katukina Kaxinawá

Línguas

O módulo de línguas foi mediado por professores indígenas do povo Ashaninka, Shawãdawa e Shanenawa, os AAFIs dos demais povos tiveram aula com uma especialista em sociolinguísta.

Foto: Málika Simis

A proposta de estudo das línguas indígenas e portuguesa, dá continuidade ao uso e registro das línguas indígenas já em desenvolvimento, no âmbito das escolas indígenas e no espaço social das cidades, para a transmissão dos saberes indígenas sobre agricultura e ambiente. Tem também como proposta valorizar e encorajar um processo de revitalização de línguas indígenas em risco de desaparecimento e a manutenção das línguas indígena em baixa, média e alta vitalidade.

A seguir o professor Eldo Gomes Baku Shanenawa conta como foi a parte que mediou no módulo:

“Este módulo do curso de formação contribui bastante na revitalização, valorização e no fortalecimento dos nossos conhecimentos tradicionais e culturais. Nós, como professor-mediador e, os que estão em formação para Agentes Agroflorestais Indígenas trabalhamos para assegurar, valorizar e garantir as nossas práticas da nossa língua materna na escrita, na leitura e nas pronúncias, sabendo da importância, principalmente das nossas oralidades junto com o nosso povo, juntos com os professores, onde com esses aprendizados e conhecimentos iremos fortalecer as nossas práticas culturais e tradicionais do nosso povo Shanenawa, através do curso de formação em Agente Agroflorestal Indígena.

Eu professor indígena do povo Shanenawa, agradeço a oportunidade de fazer parte dessa equipe de formação, ensinando a nossa própria cultura. Onde participei deste módulo, sendo uma experiência muito positiva, pude trabalhar alguns conteúdos, de acordo com o meu diagnóstico que fiz com o aluno, as necessidade encontrada no princípio com o aluno, foi a escrita, leitura, pronúncias e principalmente a oralidade, de acordo com a minha conclusão do diagnóstico que fiz, construí nosso cronograma de atividades, e no meu plano de aula pude avaliar o AAFI, as suas necessidades de aprendizagem, no sentido de conhecer, saber e fazer o que é da nossa cultura.”

Durante o módulo de línguas, os professores se reuniram e fizeram encontros pedagógicos, onde nas palavras de Komayari Ashaninka, os principais temas da conversa foram:

Foto: Málika Simis

“Orientação e planejamentos pedagógicos, combinação de encontros de avaliação das aulas, das disciplinas, das atividades e dos conteúdos aplicados e administrados, e responsabilidades dos professores indígenas, consultores desse curso de agentes agroflorestais, na disciplina de língua indígena ou ensino da língua materna. Nós, professores, ficamos responsáveis e compromissados pela formação dos AAFIs e de administrar a disciplina de língua indígena, também orientação de pesquisas e diários.”

Horta orgânica

O módulo de Horta orgânica vem sendo trabalhado durante todo o curso. Sobre as atividades do módulo na quarta semana do curso, os AAFIs contam um pouco o que trabalharam:

“Hoje, dia 07, pela manhã, na horta orgânica, foi feita observação do que foi semeado direto no canteiro, muitas já estão nascendo. Na minha observação, vi que nasceu muitas no mesmo no lugar, precisa fazer o raleamento. Depois, fomos para o lugar onde vai ser feito um novo modelo de horta orgânica. Quando chegamos, começamos a tirar o mato seco e colocar nos cantos, fazendo montes. Também tiramos um toco com terçado, puxamos as folhas com o ciscador e começamos a capinar. Em outro dia, na horta orgânica, regamos os canteiros utilizando o biofertilizante. Depois nós semeamos 14 sementes de ingá próximo à horta e o açude.”

AAFI Valmar José Kaxinawá – TI Curralinho

Foto: Josy Oliveira

“Eu trabalhei no manejo da horta orgânica, limpei um pouco os canteiros de pepino e tirei a palha seca das cebolas. Teve o grupo que fez a colheita das verduras para levar para a cozinha: onze molhos de cebola, oito molhos de couve, pepino, maxixe, chicória e rúcula.”

AAFI Edimar da Silva e Silva Kaxinawá – TI Praia do Carapanã

“Nós tivemos aula prática na horta orgânica, fizemos uma horta redonda, junto com todos os AAFIs. Fizemos os canteiros para colocar as hortaliças. Durante o trabalho nós usamos terçado, pá, enxada, enxadeco e linha para pedir. Nós cavamos 30 cm de profundidade, usamos espaçamento entre cada canteiro. O espaço escolhido foi muito bom para isso.” 

AAFI Adriano Macario – TI Seringal Independência

Foto: Josy Oliveira

O AAFI Antônio de Carvalho, da TI Nova Olinda, que já tem experiência com implantação de hortas em sua comunidade, liderou as atividades de construção da pequena horta orgânica com canteiros redondo e as discussões para a escolha do local, observando terreno, proximidade de água, entrada de sol no lugar, tipo de solo e outros. Finalizada a prática, os agentes agroflorestais elaboraram textos e desenhos sobre a atividade.

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Durante a quarta semana do curso, os AAFIs e a equipe da CPI-Acre, receberam também a visita de uma equipe do Fundo Amazônia/ BNDES para acompanhamento e avaliação da execução do projeto “Cadeias de Valor em Terras Indígenas no Acre”, financiado pelo Fundo Amazônia/ BNDES. Foi uma boa oportunidade para apresentar o Centro de Formação dos Povos da Florestas, os modelos demonstrativos desenvolvidos durante os cursos de formação de AAFIs, e também conhecerem os próprios AAFIs e ouvirem sobre seus trabalhos em suas comunidades e de que maneira a formação e ações do projeto tem apoiado e fortalecido o trabalho dos AAFIs junto às suas comunidades.

Foto: Josy Oliveira