O tempo de chuva já não é o mesmo, espécies de animais antes abundantes na natureza estão desaparecendo e os igarapés estão secando mais rápido e por mais tempo. Estas foram algumas percepções associadas ao aumento de temperatura, relatadas pelos povos Jaminawa e Manxineru da Terra Indígena (TI) Mamoadate, durante a Oficina de Enfrentamento às Mudanças Climática, realizada na segunda quinzena de agosto pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), em parceria com a associação Manxineryne Ptohi Kajpa Hajene (MAPPHA). A atividade está relacionada ao Projeto Corredor Socioambiental Alto Juruá-Purus, com apoio da Rainforest Foundation Norway (RFN).
Nas três aldeias da TI Mamoadate que receberam a oficina, Extrema, Jatobá e Betel, os relatos confirmam as mudanças do clima vêm causando prejuízos nos sistemas de orientação do tempo, na cultura, nos rituais e na segurança alimentar. Segundo José Jaminawa, da aldeia Betel, as florações de determinadas espécies de árvores estão mudando de período fazendo com que os indígenas não identifiquem, através desses elementos, o início do verão ou do inverno, por exemplo. Outra mudança relatada é o fato de muitas aldeias não plantarem mais amendoim, feijão e melancia nas praias, pois a temperatura alta da areia faz com as sementes não germinem.
Reunindo um público de 25 pessoas em cada aldeia, a oficina levantou informações sobre como os impactos estão sendo observados pelos participantes para, a partir daí, desenvolver um Plano de Enfrentamento às Mudanças do Clima com modos de adaptar ou mitiga-los. Por dependerem diretamente do funcionamento equilibrado da natureza, são justamente os povos indígenas e as comunidades tradicionais as mais afetadas pelas novas, e desafiadoras, condições climáticas.
“Este plano de enfrentamento é uma forma de organizar quais são os reais impactos que estão afetando as comunidades locais e os povos indígenas, este planejamento é muito eficaz para mitiga-los e adaptá-los. A oficina é um processo de formação que estimula o diálogo entre os povos indígenas, e gera insumos para construção de soluções”, Stoney Nascimento Pinto, engenheiro florestal e consultor da CPI-Acre.
Maria Francisca, da Aldeia Extrema, frisou a importância de se discutir as mudanças do clima. “Quando cuidamos da floresta já estamos cuidando de tudo, enquanto existe floresta existe vida também. Então nós vamos cuidar da terra porque a terra é vida, a terra ela é mãe e é o começo de tudo. E aqui nós temos a chuva e através da chuva as plantinhas começam a crescer, as árvores dão frutos e os animais começam a comer, começam a se alimentar e o homem também vem e se alimenta do animal. Nesse meio são poucas pessoas lutando para sobreviver para a maioria que estão lá fora”, conta Maria Francisca.
Durante o evento, os indígenas citaram a importância do reconhecimento do papel de guardiões da floresta. São eles que protegem, conservam as florestas e promovem serviços ambientais e ecossistêmicos que beneficia a população mundial. Segundo o INPE, na TI do Mamoadate foi detectado apenas 0.1 km2 (100 ha) de áreas alteradas entre 2016 a 2018, o que mostra que as formas tradicionais com que indígenas utilizam os territórios não causam significativo impacto de perda de florestas, pelo contrário, a exemplo do trabalho dos agentes agroflorestais indígenas (AAFIs), essas populações vêm enriquecendo as áreas abertas e de capoeiras com a plantação de espécies nativas e exóticas.
“A TI Mamoadate fica na fronteira com o Peru e sofre muitas pressões e ameaças, de desmatamento no entorno, abertura de ramais e invasões. Este ano as comunidades que ali vivem foram muito impactadas pelas queimadas na Amazônia, por isso o trabalho desenvolvido nessa oficina é também um levantamento da percepção indígena sobre esses impactos, que afetam principalmente a soberania alimentar, a saúde e a cultura desses povos”, explica Malu Ochoa, coordenadora do Projeto Corredor Socioambiental Alto Juruá – Purus.