Matéria publicada originalmente na coluna Papo de índio do Jornal Pagina 20

Representantes Jaminawa e Manchineri solicitaram ao Ministério Público Federal (MPF) a anulação do processo de licenciamento ambiental do projeto de construção do ramal madeireiro, de interesse de Jorgenei da Silva Ribeiro, que atravessa a Reserva Extrativista Chico Mendes e passa no entorno da Terra Indígena (TI) Mamoadate, no Município de Assis Brasil/AC.

Lideranças, professores, agentes de saúde e agroflorestais Jaminawa e Manchineri, que participaram da Primeira Oficina de Monitoramento e Vigilância da TI Mamoadate, estão muito preocupados com a proposta de construção de um ramal para a exploração mecanizada de madeiras nos arredores de sua terra. Para eles, esse projeto representa uma grande ameaça à sobrevivência física e cultural de suas comunidades. Por isso, exigem do Governo do Estado a paralisação definitiva do seu processo de licenciamento ambiental junto ao Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC).

Na oficina realizada no Centro de Formação dos Povos da Floresta da CPI-Acre, entre os dias 10 e 16 de dezembro deste ano, os indígenas escreveram um documento à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, afirmando que esse ramal vai provocar grandes desmatamentos nas vizinhanças da terra indígena, impactando diretamente as condições de vida de oito das suas 16 comunidades. “Esse ramal é só para tirar madeira com tratores e máquinas pesadas. Nós que vivemos ali vamos sofrer muito. Vai espantar as caças e contaminar as águas dos igarapés Mamoadate e Samarrã. As nossas comunidades sempre usaram essa área desses dois igarapés para caçadas, pescarias, extrativismos, é onde existem muitas terras firmes, que não alagam, para colocar nossos roçados. Lá é o nosso mercado”, explica Sivaldo Artur Cabral Manchineri, agente agroflorestal da aldeia Extrema.

No dia 15 de dezembro de 2015, seis dos 20 representantes Jaminawa e Manchineri, presentes nessa oficina, foram entregar o documento ao Procurador da República no Estado do Acre, Dr. Luiz Gustavo Mantovani, representante da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. No documento, os indígenas reivindicam a anulação do processo de licenciamento ambiental do ramal madeireiro, além da melhoria das condições de tráfego do ramal do Icuriã, este, sim, de extrema importância para as comunidades das TIs Mamoadate, Guanabara e Guajará, moradores da Reserva Chico Mendes e ribeirinhos do alto rio Iaco, pois é a única via de acesso à sede do Município de Assis Brasil/AC.

O trajeto desse ramal madeireiro, com cerca de 40 km de extensão, atravessa a Reserva Chico Mendes e passa entre os igarapés Mamoadate (limite da terra indígena de mesmo nome) e Samarrã (limite da Reserva Chico Mendes). Há muito tempo, a área entre esses dois igarapés é ocupada tradicionalmente pelas comunidades Jaminawa e Manchineri. Os indígenas explicam que essa área só ficou fora dos limites da TI Mamoadate por um erro histórico cometido por Grupo Técnico da Funai, que realizou os estudos de identificação e delimitação da área, em 1978. No documento, os indígenas explicam ainda que, desde 2005, quando iniciaram os mapeamentos e os planos de gestão da TI Mamoadate, com o apoio da Secretaria de Meio Ambiente do Acre e da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), vêm reivindicando junto à Funai a revisão de limites de sua terra, de modo a incorporar justamente a área compreendida entre esses dois igarapés.

Em 2013, Jorgenei Ribeiro requereu ao Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) o licenciamento ambiental para derrubar e retirar de forma mecanizada, com o uso de tratores florestais skidder e de esteiras, caçambas e outros equipamentos pesados, quase mil árvores, classificadas como madeiras de lei, na área compreendida entre os dois mencionados igarapés. Ao tomar conhecimento disso, a FUNAI recomendou ao IMAC a paralisação temporária do seu processo de licenciamento ambiental, alegando a necessidade de fazer fiscalizações na área, o que até agora não foram feitas.

é assim que se faz política indígena no caminho da cidadania. E não essas políticas indigenistas e desenvolvimentistas dos governos brasileiros e peruanos, que tentam acabar com os direitos dos índios e as florestas da Amazônia. Mas não vão acabar não! E não estamos mentindo. Por falar nisso, o critério da verdade, como diz a Madrinha Peregrina Gomes Serra, não são as palavras, as ilusões, as mirações, as crenças e as ideologias políticas, mas “a própria vida” encarnada nesse planeta azul da cor da terra das águas dos mares sagrados.

Feliz natal para todos, em especial aos inúmeros amigos, filhos e netos e ao meu afilhado João Manuel Tuĩ Tavares Piedrafita, um “acreoca” que nos visita. Que ele nos traga a suavidade e a insustentável leveza da vida! E vamos ler o que os Jaminawa e Manchineri tão escrevendo no papo.

(Txai Terri Aquino e Maria Emília Coelho, assessora de comunicação da CPI/AC).

Ao Dr. Luis Gustavo Mantovani

Procurador da República

Representante da 6ª Câmarade Coordenação e Revisão

Ministério Público Federal:

Senhor Procurador,

Nós, lideranças e representantes Manchineri e Jaminawa da Terra Indígena Mamoadate, situada nos municípios de Assis Brasil e Sena Madureira, no Estado do Acre, estamos muito preocupados com um projeto de construção de um ramal madeireiro nos arredores da nossa terra, que constitui uma grande ameaça à sobrevivência física e cultural de nossas comunidades.

O seu trajeto, de pouco mais de 38 km de extensão, vai interligar a cidade de Assis Brasil à antiga sede da fazenda-seringal Petrópolis, no alto rio Iaco. Além de atravessar áreas da Reserva Extrativista Chico Mendes, esse ramal vai provocar grandes desmatamentos nas vizinhanças de nossa área indígena, impactando diretamente oito das 16 comunidades de nossa terra, ou seja, todas as quatro comunidades Jaminawa (Betel, Salão, Cujubim e Boca do Mamoadate) e 4 das 12 aldeias Manchineri (Peri, Jatobá, Santa Cruz e Laranjeira).

Esse ramal madeireiro, de interesse do Sr. Jorgenei da Silva Ribeiro, é destinado exclusivamente à exploração mecanizada de madeiras de lei, pretende derrubar cerca de mil árvores na área compreendida entre os igarapés Mamoadate, limite da nossa terra indígena, e Samarrã, limite da Reserva Chico Mendes.

Não aceitamos que esse ramal madeireiro passe entre os igarapés Mamoadate e Samarrã, porque é justamente nessa área que fazemos a maioria de nossas caçadas, pescarias e coleta de produtos florestais, e é lá onde colocamos os nossos roçados de terra firme. Esta área, apesar de ser ocupada tradicionalmente há muito tempo pelas comunidades Jaminawa e Manchineri, ficou fora dos limites de nossa terra indígena por erro histórico cometido pelo grupo técnico da Funai, que, em 1978, realizou os estudos de identificação e delimitação de nossa terra indígena.

Por conta disso, desde 2005, quando iniciamos os mapeamentos e os planos de gestão territorial e ambiental da nossa terra, com o apoio da Secretaria de Meio Ambiente do Acre, estamos reivindicando, junto à Funai e ao Governo do Estado, a revisão de limites da TI Mamoadate, de modo a incorporar essa área entre os igarapés Mamoadate e Samarrã que até hoje é ocupada tradicionalmente por nossas comunidades. Atualmente, essa grande ameaça da construção desse ramal madeireiro no entorno de nossa terra, justamente nessa área compreendida entre o igarapé Mamoadate, que deu o seu nome à nossa terra indígena, e o igarapé Samarrã da Reserva Chico Mendes, torna essa nossa reivindicação ainda mais atual, necessária e urgente.

Em setembro de 2013, o madeireiro Jorgenei Ribeiro tornou público que requereu ao Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) o licenciamento ambiental para derrubar e retirar de forma mecanizada 989 árvores, com um volume total de 6.395 m³ de diversos tipos de madeiras de lei, justamente nessa área compreendida entre esses dois igarapés.

Ao tomar conhecimento disso, a Funai solicitou ao IMAC a paralisação em caráter temporário do processo de licenciamento ambiental desse ramal madeireiro do Sr. Jorgenei Ribeiro, alegando a necessidade de realizar fiscalizações nessa área, porque poderia impactar diretamente e afetar as condições de vida de nossas comunidades. Só que o tempo foi passando e até agora nenhuma fiscalização foi realizada pela Funai nessa área compreendida entre esses dois igarapés. Fato esse que nos deixa ainda mais preocupados e temerosos, porque esse ramal, caso seja efetivamente construído, afetará a sobrevivência física e cultural das comunidades Jaminawa e Manchineri da nossa área indígena.

Estamos sabendo ainda que o Sr. Jorgenei Ribeiro anda iludindo e cooptando alguns velhos caciques, lideranças e representantes Manchineri, que não têm conhecimentos e são mal informados, a assinar documentos apoiando a construção desse ramal madeireiro nos arredores de nossa terra, prometendo favores pessoais e alegando que irá facilitar o nosso acesso à cidade de Assis Brasil, que se torna quase impossível nos meses chuvosos do inverno. O que nos preocupa ainda mais.

Queremos a ajuda do Governo do Estado do Acre e da Prefeitura de Assis Brasil para melhorar as condições de trafegabilidade do ramal do Icuriã, que é a única via de acesso à sede de nosso Município de Assis Brasil, não só para as comunidades Manchineri e Jaminawa das Terras Indígenas Mamoadate, Manchineri do Seringal Guanabara e Jaminawa do Guajará, estas duas últimas ainda não identificadas pela Funai, além de inúmeras famílias de ribeirinhos do alto Iaco e de moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes. Sem uma melhoria nas condições desse ramal todas essas comunidades indígenas e não indígenas da região do alto rio Iaco ficarão isoladas, tornando difíceis o atendimento de saúde e o acesso aos benefícios sociais e a bens industrializados, que já necessitamos para garantir a nossa sobrevivência na floresta.

Queremos que o ramal do Icuriã seja piçarrado e melhorado para garantir o transporte no inverno, diminuindo assim os custos de viagem de nossas aldeias à cidade de Assis Brasil, e vice-versa. Esse ramal, sim, é muito importante para garantir o deslocamento via terrestre de nossos doentes que precisam ir até esta cidade acreana fronteiriça em busca de tratamento de saúde. Uma boa alternativa para não danificar o ramal do Icuriã é, sem dúvida, evitar a comercialização e o transporte do gado, especialmente na época das chuvas de inverno.

Para que essas nossas reivindicações sejam atendidas, esperamos contar com a ajuda efetiva da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal, para que esse projeto de construção desse ramal madeireiro não seja licenciado nem efetivado no entorno de nossa terra. E ainda para que órgãos do Governo do Estado, como o DERACRE, e da Prefeitura de Assis Brasil realmente melhore as condições do ramal do Icuriã, que fica há uma hora e meia de barco motorizado abaixo dos limites de nossa terra. Sabemos que os recursos públicos que são disponibilizados para melhoria do ramal do Icuriã são sempre desviados para outras finalidades.

Sem mais para o momento, despedimos atenciosamente,

Rio Branco, 15 de dezembro de 2015

Segue a assinatura dos representantes Manchineri e Jaminawa presentes na Oficina de Monitoramento e Vigilância da Terra Indígena Mamoadate.

  • Josimar Barreto Mariano Jaminawa, Professor da Aldeia Betel
  • Zuca Meireles Roberto Jaminawa, Agente Indígena de Saúda da Aldeia Betel
  • Cláudio Melendre Jaminawa, Professor da Aldeia Betel
  • Mateus Melendre Jaminawa, Agentes Agroflorestal Indígena da Aldeia Betel
  • José Paulo Alfredo Jaminawa, Liderança da Aldeia Salão
  • Aldemir Paulo Jaminawa, Agente Agroflorestal da Aldeia Salão
  • Davi Meireles Jaminawa, Professor da Aldeia Cujubim
  • Arenildo Moçambiti Jaminawa, Agente Agroflorestal da Aldeia Cujubim
  • Sebastião Batista da Silva Jaminawa, Professor da Aldeia Boca do Mamoadate
  • Bel. Francisco Jaminawa, Agente Agroflorestal da Aldeia Boca do Mamoadate
  • Francildo Matias de Souza Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Peri
  • Cássia Salomão Brasil Manchineri, representante da Aldeia Peri
  • Ronaldo Maia Matias Salomão Yine, Agente Agroflorestal da Aldeia Santa Cruz
  • Ricardo Yose Silva Augusto Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Água Preta
  • Lacir Batista Sebastião Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia São Sebastião
  • Julio Cabral Monteza Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Alvez Rodrigues
  • Francisco Benjamim Salomão Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Senegal
  • Maria Gorete Napoleão Manchineri, representante da Aldeia Senegal
  • Marivaldo Augusto Matias Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Cumarú
  • Adelmo Matias de Souza Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Cachoeira
  • Edre Cabral Benjamim Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Lago Novo
  • Sivaldo Artur Cabral Manchineri, Agente Agroflorestal da Aldeia Extrema