Indígenas e extrativistas do Acre participaram no início deste mês de uma série de reuniões, audiências e encontros no Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA), Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e no Congresso Nacional. A agenda pública reuniu em Brasília, entre os dias 2 e 6 de dezembro, 15 pessoas das Terras Indígenas (TIs) Nukini, Nawa, Jaminawa Arara do Rio Amônia, Kampa do Igarapé Primavera e Arara Rio Bagé, e das Reservas Extrativistas (RESEXs) Riozinho da Liberdade, Alto Juruá e Alto Tarauacá, para discutir políticas públicas com foco nas áreas de proteção e gestão territorial, soberania alimentar e clima.

O encontro foi organizado pela articulação entre a Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre), Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), SOS Amazônia e Comitê Chico Mendes. Nos dias 2 e 3, o grupo realizou um seminário sobre os projetos comuns e as alianças entre as instituições e os territórios presentes na Capital Federal. As reuniões institucionais ocorreram de 4 a 6, com o objetivo de levar as experiências, os acordos e as práticas que vêm sendo realizadas com êxito nos territórios, buscando fortalecer parcerias para a gestão conjunta das terras indígenas e Unidades de Conservação (UCs) no estado e, principalmente, apresentar os problemas e as soluções para a crise climática que vem afetando as comunidades indígenas e tradicionais para ações imediatas do poder público.

“Mesmo com o nosso território homologado, há muitas invasões para retirada de madeira e caça ilegal. Junto a isso, estamos passando um problema sério, pois depois da enchente veio a seca, e perdemos praticamente toda nossa produção de alimentos dentro da terra indígena. É uma situação bem difícil, porque depois da emergência, os impactos dos eventos extremos continuam: os animais e várias espécies de peixes desapareceram e tem as doenças que chegam com a falta de água potável”, explica Damiana Arara, da TI Arara do Rio Amônia.

A produção de alimentos e a escassez de água potável em decorrência dos eventos climáticos extremos foram temas abordados pelos indígenas e extrativistas na reunião realizada no MDS, na manhã de quarta-feira, 04. No ministério, o agente agroflorestal indígena (AAFI) Josias Mana, representando a AMAAIAC, falou do trabalho do AAFI no manejo sustentável dos recursos naturais das terras indígenas e sobre as dificuldades enfrentadas com a falta de água para o consumo humano e para agricultura tradicional.

“É uma preocupação constante nossa, ter que lidar com essas mudanças no clima e as dificuldades que vêm junto. Somos mais de 200 agentes agroflorestais trabalhando nas terras indígenas com gestão territorial, dando assistência técnica para as comunidades, pensando nos cuidados com a terra e na continuidade da segurança alimentar do nosso povo”, conta Josias Mana, destacando a necessidade do reconhecimento da categoria profissional do AAFI e do fortalecimento das formações técnicas. No MDS, o grupo conheceu os programas de apoio à agricultura familiar, quais investimentos do governo federal para captação de água de chuva e para o acesso à água potável, e como acessar editais específicos para impulsionar a produção de alimentos.

Vale lembrar que a Funai assinou recentemente, no dia 6, um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o MDS e os Ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e da Saúde, com a finalidade de promover a segurança alimentar e nutricional em terras indígenas. No ato da assinatura, a presidenta Joenia Wapichana falou sobre os impactos das mudanças climáticas na segurança alimentar dos povos indígenas. “Com essa parceria, a Funai reforça seu papel de orientar a política indigenista e até mesmo executar projetos para fazer com que as especificidades dos povos indígenas sejam respeitadas e inseridas nos projetos relacionados à segurança alimentar das comunidades”, afirmou Joenia. O ACT pretende ampliar o conhecimento sobre sistemas alimentares e modos de produção tradicionais. A expectativa é que o acordo também traga a valorização dos AAFIs como guardiões do conhecimento agroflorestal indígena, ampliando sua visibilidade e relevância para a manutenção do clima e da soberania alimentar nas terras indígenas.

Audiência pública

No Congresso Nacional, os indígenas e extrativistas participaram de uma audiência pública na Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC). A audiência requerida pela deputada federal Socorro Neri (PP-AC), presidenta da CMMC, foi realizada no Senado e teve o tema “Políticas públicas referentes à gestão territorial e ambiental, emergência climática e direitos das populações indígenas e extrativistas”.

“Somos os mais afetados pela crise climática. Sentimos as secas que matam nossas plantações, as cheias que levam nossas casas e a escassez de água que ameaça nossas famílias. A insegurança alimentar cresce com a perda dos nossos roçados, invadidos por pragas como grilos e lagartas, consequência das mudanças do clima”, destacou Paulo César Nukini, liderança da aldeia Vaka Visu, Terra Indígena Nukini.

Com relação à demarcação das terras indígenas Nawa e Nukini, que foram sobrepostas pelo Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), o antropólogo Terri Aquino reforçou, na audiência, a necessidade de criar um Grupo de Trabalho (GT) Interministerial com o MPI e o MMA e suas respectivas entidades, Funai e ICMBio, para agir em conjunto na questão fundiária no Acre e na resolução dos problemas de sobreposição.

Alda Carvalho, coordenadora do Programa de Políticas Públicas e Articulação Regional (PPAR) da CPI-Are, destacou na sua fala a construção dos planos de ação de gestão territorial integrada e os esforços dos povos indígenas e extrativistas na proteção e conservação dos territórios. “Os planos foram feitos, precisamos agora de concretude e que eles cheguem realmente aos territórios. Esses povos prestam importantes serviços ambientais para toda sociedade, mesmo diante de um cenário de muitas ameaças, especialmente por projetos e leis que retiram direitos territoriais. Estamos aqui para dizer que, para a reversão das mudanças climáticas é preciso ter esse reconhecimento, garantir e proteger os territórios”, ressalta Alda, durante uma fala na mesa da audiência.

Reuniões institucionais

No último dia da agenda pública, 06, a comitiva participou de reuniões no ICMBio e na FUNAI. Na manhã, os indígenas e o antropólogo Terri Aquino – que integra o Grupo Técnico (GT) da TI Nawa, estiveram na Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação (CGID/FUNAI) para discutir as demandas fundiárias do Acre, incluindo a demarcação e regularização de terras indígenas, em especial as TIs Nawa e Nukini, ambas localizadas dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD).

“Para os Nawa, o processo já está avançado, com uma nova equipe sendo enviada à região para coletar as anuências dos ocupantes não indígenas. Essa anuência é necessária para confirmar que as benfeitorias realizadas estão devidamente registradas e que os ocupantes concordam em receber a indenização correspondente. Apesar do interesse de todas as partes em concluir o processo, a burocracia exigida pela legislação tem atrasado o andamento”, explica Terra Aquino.

“Essa etapa exige que todos os ocupantes não indígenas sejam notificados. Isso tudo porque a lei que está em vigor, a Lei 14.701/2023 [Lei do Marco Temporal], precisa ser cumprida”, acrescenta Tarisson Nawa. Importante lembrar que o marco temporal das terras indígenas é uma interpretação legal, apesar de ser considerada inconstitucional. “Essa interpretação restringe o reconhecimento de terras indígenas às que estavam ocupadas em 1988, ignorando a realidade histórica de violências e expulsões sofridas pelos povos indígenas”, reflete Terri.

No caso dos Nukini, a Funai recebeu recentemente o mapa e os documentos necessários para iniciar o processo de identificação e delimitação da terra indígena, mas apesar disso, segundo Terri, o caso ainda precisa entrar na fila de demandas em análise, o que pode levar tempo devido à quantidade de processos pendentes. “Essa terra do povo Nukini não é uma ampliação e nem uma revisão do território, são as nossas aldeias que foram afetadas pela criação do Parque Nacional [da Serra do Divisor], que sempre estiveram ali e que agora precisa demarcar essa nova terra”, conta Ilson Nukini, liderança da aldeia Kampú. Ele acrescenta que assim como os Nawa, as lideranças Nukini decidiram pela autodemarcação do território para garantir maior proteção à terra. “Nós, indígenas, conhecemos e sabemos tudo o que está acontecendo aqui nesse território. Tem muita invasão, retirada ilegal de madeira, mas nós sabemos da nossa luta e não podemos mais esperar essa fila de processo”, acrescenta Ilson.

No ICMBio, os indígenas e extrativistas participaram de uma reunião com a presença da diretora de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em UCs, Kátia Torres, para debater as agendas de fiscalização, além das pressões e ameaças comuns aos territórios.  Na ocasião, foi apresentado o Plano de Ação de Gestão Integrada seguido por um debate sobre as políticas públicas destinadas às áreas protegidas sobrepostas, com destaque para as TIs Nawa e Nukini que foram afetadas pelo PNSD.

Os indígenas falaram sobre a importância do cumprimento dos acordos firmados com a gestão do PNSD e da articulação dos gestores do parque com as lideranças na realização de ações dentro das terras indígenas.   Já as pautas levadas pelos extrativistas foram sobre o atraso na elaboração do Plano de Manejo da Resex Alto Juruá e a necessidade de melhorar o compartilhamento de informações entre seus moradores.

 Francisco Pinho, da Resex Riozinho da Liberdade, fez um relato sobre o papel das organizações de base comunitária . “Eu sou conselheiro fiscal e as vezes sofro ameaça porque pensam que eu sou fiscal do ICMBio, ou algo assim, mas tudo isso porque as pessoas são apenas colocadas nos espaços, sem saber qual papel fazer”, disse Francisco, sobre a necessidade de uma formação sobre o conselho Consultivo do PNSD.  

Tanto as organizações, quanto os indígenas e extrativistas que participaram das atividades da agenda pública, reforçaram no ICMBio e nas demais reuniões institucionais, a necessidade de priorizar o bem-estar das populações que vivem na floresta, fortalecendo as ações já desenvolvidas nos territórios. Com a diretora Kátia Torres, a comitiva cobrou políticas que efetivem a gestão territorial integrada, uma vez que as TIs e UCs são vizinhas e as experiências locais vêm mostrando que este é caminho para a conservação dessas áreas protegidas. (Comunicação/CPI-Acre)