Quinze lideranças indígenas dos povos Jaminawa e Manchineri estiveram no Centro de Formação dos Povos da Floresta, em Rio Branco, no dia 18 de agosto, para o evento de lançamento de duas publicações que trazem a atualização do Plano de Gestão Territorial e Ambiental e o Etnomapeamento da Terra Indígena Mamoadate.

O evento aconteceu durante o XXII Curso de Formação de Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre, e contou com a presença de mais de 40 lideranças indígenas do estado, além de representantes da Coordenação Regional do Alto Purus e da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, ambas da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Assessoria Especial dos Povos Indígenas do Governo do Acre, da Secretaria do Meio Ambiente do Acre (SEMA-AC), da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC) e da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC).

As duas publicações são resultado de um trabalho realizado em parceria entre a Organização do Povo Manchineri do Rio Iaco (MAPKAHA), a Organização das Comunidades Agroextrativistas do Povo Jaminawa (OCAEJ), a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), a Funai e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), através do Projeto Gestão Ambiental e Territorial Indígena – GATI.

A Terra Indígena (TI) Mamoadate é uma das áreas de referência do Projeto GATI, do Núcleo Regional Amazônia Ocidental. O objetivo da parceria, firmada em 2015, foi assessorar as comunidades Jaminawa e Manchineri na discussão e sistematização dos seus acordos para o uso e manejo dos recursos naturais da Terra Indígena, e na produção de mapas temáticos através de oficinas de etnomapeamento e diagnóstico participativo. As oficinas aconteceram entre abril de 2015 e janeiro de 2016, nas aldeias Cachoeira, Peri e Betel.

Durante o evento de lançamento, a coordenadora do Programa de Gestão Territorial e Ambiental da CPI-Acre, Ana Luiza Melgaço, resgatou a experiência de cartografia nos cursos de formação nos anos 1990. “Desde então, professores e agentes agroflorestais fazem o mapeamento de seus territórios como estratégia de uso e conservação dos recursos naturais, para o monitoramento das terras indígenas e para o fortalecimento das suas culturas e línguas”.

Ana Luiza também lembrou que foram essas atividades de mapeamento participativo que mais tarde se consolidaram no que chamamos hoje de Etnomapeamento: “Nesse processo surgem os primeiros planos de gestão de terras indígenas do Brasil, que foram iniciados pela CPI-Acre, em 2004. O governo do Acre também começa a utilizar essa metodologia para construção do Etnozoneamento”.

Gleyson Araújo, coordenador institucional da CPI-Acre, explicou que a TI Mamoadate foi o ponto de partida para o Governo do Acre desenvolver a metodologia do Etnozoneamento. “Já existiam os levantamentos etnoambientais, mas essa experiência foi decisiva para se aplicar uma coisa diferente, que foi o Etnozoneamento”. Em meados da década de 2000, foram elaborados o Etnozoneamento, e posteriormente o PGTA da TI Mamoadate, pela SEMA-AC, em uma parceria com a CPI-Acre.

As atividades desenvolvidas nas terras indígenas, como a proteção territorial e o uso e o manejo dos recursos naturais, são processos em permanente transformação. Assim, o Plano de Gestão é um instrumento dinâmico, que deve, depois de algum tempo, ser revisto e atualizado.

No lançamento da atualização do PGTA, Sebastião Batista da Silva Jaminawa recordou que esses acordos já estão sendo trabalhados há algum tempo pelas comunidades: “Esse plano é uma atualização de um processo que já existia. Mas agora ele está aqui no papel para as próximas gerações, e para ser trabalhado nas escolas”.

Magaly Medeiros, atual Diretora do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação dos Serviços Ambientais do Estado do Acre, também falou do tempo em que coordenava o Zoneamento Ecológico-Econômico, responsável pela elaboração do Etnozoneamento da TI Mamoadate: “O Etnomapeamento e o Etnozoneamento são importantes instrumentos de apoio para a gestão dos territórios indígenas”.

Territorialidade e ameaças do entorno 

Questões sobre territorialidade indígena também estiverem presentes durante o debate no lançamento das publicações. Como muitos grupos indígenas, os Janinawa e Manchineri perderam porções de seu território tradicional no processo de demarcação da terra indígena.

A área entre os igarapés Samarrã e Mamoadate ficou de fora na identificação e delimitação da terra em 1978. Hoje, ela é ocupada por fazendeiros e madeireiros que querem construir um ramal de cerca de 40 km de extensão para o escoamento de madeira.

“Queremos ajuda para tirar esses fazendeiros do nosso território”, disse Amaury Humberto Sebastião Manchineri, enfatizando a importância da discussão sobre às ameaças que estão no entorno da Terra Indígena, e lembrando que os Jaminawa e Manchineri estão, desde 2005, reivindicando a revisão de limites de sua terra para incorporar justamente a área entre esses dois igarapés.

O antropólogo Terri Aquino lembrou da mobilização das lideranças Jaminawa e Manchineri, durante a I Oficina de Monitoramento e Vigilância da TI Mamoadate, em dezembro de 2015, que aconteceu no Centro de Formação dos Povos da Floresta. Preocupados com os impactos da construção do ramal madeireiro, foram até o Ministério Público Federal (MPF) denunciar o projeto. Em abril deste ano, o MFP recomendou a suspensão do processo de licenciamento ambiental do ramal junto ao Instituto de Meio Ambiente do Acre.

Um dos objetivos da gestão territorial e ambiental é diminuir a crescente pressão sobre os territórios indígenas e seus recursos naturais. A TI Mamoadate, localizada na fronteira com o Peru, é alvo frequente de invasões de madeireiros e narcotraficantes. O projeto de construção da estrada Iñapari-Puerto Esperanza, no lado peruano, também é visto pelas comunidades como uma das principais ameaças ao seus territórios e modos de vida.

Os Jaminawa e os Manchineri também estão preocupados com a situação dos grupos indígenas Mashco-Piro, que vivem nesta fronteira, e com quem compartilham sazonalmente sua terra, principalmente nos meses de verão amazônico. Oriundos do território peruano, seus vestígios se intensificaram nos últimos anos na terra indígena. “Na atualização do PGTA, foram incluídas ações de proteção para esses grupos que falam o mesmo idioma do povo Manchineri”, lembrou Maria Evanízia do Nascimento dos Santos, coordenadora da Coordenação Regional do Alto Purus da Funai.

No lançamento, Terri Aquino também falou que este trabalho de atualização do PGTA e do Etnomapeamento da TI Mamoadate revelou a necessidade de uma avaliação sobre os processos de trabalho e metodologias para a realização dos Planos de Gestão. “É importante se discutir e fazer um balanço sobre essas práticas de etnomapeamento e etnozoneamento, uma atualização necessária”. 

Ao final do evento, Gleyson Teixeira Araújo, falou que “essa experiência revelou uma territorialidade que vai além da terra indígena, a negociação entre diferentes visões, do Estado e dos povos indígenas”. Também fez referência à edição das publicações, que considerou essas diferentes visões sobre o mesmo território.

O Plano de Gestão Territorial e Ambiental e o Etnomapeamento da TI Mamoadate também serão lançados na aldeia Betel, no mês de setembro, durante uma oficina de monitoramento e vigilância que será realizada pela CPI-Acre.