Por Tarisson Nawa e Isabel Aquino
Lideranças Nawa estiveram entre os dias 24 e 28 de abril, em Brasília, participando de encontros com representantes do Poder Executivo Federal para deslanchar o processo de demarcação da Terra Indígena Nawa, no Acre. Foram realizadas reuniões com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), onde participaram a liderança Lucila Nawa, o pesquisador e jornalista Tarisson Nawa e Cristina Nawa, e também o integrante do recém-reconstituído Grupo Técnico (GT) Nawa da Funai, o antropólogo Terri Valle de Aquino e a publicitária Isabel Aquino, ambos consultores da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre). O cacique da TI Nawa, Railson Nawa e a liderança Francione Nawa não puderam participar das agendas devido os cancelamentos consecutivos dos voos saindo de Cruzeiro do Sul, no Acre.
Na terça-feira, 25, o grupo reuniu-se com a assessora do MPI, Maria Augusta Asserati, e dentro dos assuntos abordados, foi solicitado a inclusão no GT Nawa de técnico responsável pelo levantamento fundiário das benfeitorias de boa fé dos moradores não indígenas, previsto pelo órgão para somente após a elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). O assunto voltou a ser tratado na reunião com servidores da Funai, realizada no dia seguinte, 26, na Coordenação de Identificação e Delimitação (CGID) da Fundação. Além de Lucila Nawa, Tarisson Nawa e Cristina Nawa, participaram pela Funai: Flávio Gobbi – coordenador de Orientação aos Estudos Multidisciplinares da Coordenação de Identificação e Delimitação (CGID); Luana Almeida – coordenadora de Políticas Ambientais da Coordenação Geral de Gestão Ambiental (CGAM); Maila Terra Gioia – coordenadora de Estudos Fundiários em Terras Indígenas, da Coordenação-Geral de Assuntos Fundiários (CGAF); Vitor Góis – do Serviço de Apoio à Proteção e Localização de Índios Isolados da Coordenação de Proteção e Localização de Índios Isolados (COPLII); Ruth Lopes – da Coordenação de Orientação aos Estudos Multidisciplinares (COREM); e Bernardo Natividade – da Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação (CGID).
A liderança Lucila Nawa abriu o diálogo e falou sobre o sentimento de ver o território retornar à prioridade do processo de demarcação dentro da Funai. “É um grande passo esse GT, depois de 23 anos de luta. Estamos vendo que não está sendo em vão”, ressaltou a liderança. Lucila contou a história do povo Nawa, lembrando da violência pela qual os indígenas passaram e a necessidade de reparação histórica por meio da demarcação. Lucila, que é liderança de mulheres e professora da língua indígena, destacou a urgência da demarcação. “O povo Nawa sempre foi esquecido. A terra que não for demarcada nesses quatro anos, eu não espero mais terra demarcada para ninguém”, avaliou Lucila.
O antropólogo Terri Aquino frisou a necessidade de um trabalho conjunto, e demonstrou preocupação com a incompletude dos técnicos no GT Nawa, necessários para a produção de relatório fundiário, que, para ele, é considerado um dos principais documentos e também área com gargalo dentro da Funai. “É necessário que o GT Nawa seja constituído com todos os profissionais, para que haja o avanço da demarcação da TI”, explica Terri.
Os servidores da Funai contextualizaram que a reabertura do GT Nawa busca readequar as questões antropológicas, cartográficas, ambientais e fundiárias que estão pendentes ou caducaram dentro do processo de homologação da Terra Indígena Nawa. “O GT já está bem avançado e tem dados suficientes. Como temos muito material pronto, não vamos começar do nada, vamos fazer a atualização”, disse Ruth Lopes.
Outros pontos discutidos foram a preocupação das lideranças Nawa com os não indígenas que moram no território, as invasões de caçadores e madeireiros ilegais e o turismo na região do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), este, segundo Lucila, vem deixando um rastro de lixo e contaminação dos rios, de onde é retirada a água para consumo próprio do povo Nawa.
Durante a reunião foi abordado a necessidade de reestabelecimento de pactos e fortalecimento das alianças, principalmente com o ICMBio. “Vamos juntar todas as peças desse quebra cabeça e fazer tudo junto. Estamos no mesmo objetivo e vamos seguir no mesmo propósito!”, finalizou a servidora Luana Almeida, frisando a importância de todas as instituições envolvidas no processo de demarcação da Terra Indígena Nawa.
No dia 27 de abril, o mesmo grupo e os servidores da Funai participaram de uma reunião no ICMBio com os seguintes representantes: Kátia Torres diretora da Coordenação Geral de Gestão socioambiental (CGSAM), e Luiz Faraco também da CGSAM, Ângela Alves Roma e Genice Santos da Coordenação Geral de Conflitos em Interfaces Territoriais (COGCOT), Paulo Russo Coordenação Geral de Proteção (CGPRO), Guilherme Tebet, chefe do Núcleo de Gestão Integrada de Cruzeiro do Sul, no Acre
Na ocasião, a liderança Nawa Lucila Moreira, afirmou que demorou muito tempo para o ICMBio reconhece-los como povos indígenas e não invasores do PNDS. Afirmou também que existe um turismo irregular, nas cabeceiras do rio Môa, no Parque e solicitou parceria com o ICMBio para o monitoramento e fiscalização das invasões.
“Combinamos de retomar o processo de construção do Termo de Compromisso entre os Nawa e o ICMBio. Junto com a Funai agendamos uma visita conjunta à TI Nawa para o mês de junho, com esse objetivo. Como o GT Nawa de estudos da delimitação da TI está sendo retomado, combinamos também do ICMBio acompanhar mais de perto os trabalhos do GT”, Luiz Faraco, do ICMbio.
Na semana de reuniões do grupo Nawa com os órgãos federais também aconteceu o Acampamento Livre 2023. Nos dias 24 a 28, as lideranças participaram de diversas atividades da maior mobilização nacional indígena. Dando continuidade as discussões com o GT Nawa, está previsto ainda para maio um novo encontro na Funai com lideranças do povo Nawa, para tratar do mapa da autodemarcação da TI Nawa, produzido junto com a CPI-Acre, além de discutir os trabalhos de autodemarcação já realizados na TI Nawa.
“Das 36 terras indígenas no Acre, nós temos 31 com processo de demarcação iniciado e em diferentes fases, algumas já homologadas. Com a portaria da Funai publicada em abril, que criou os GTs para iniciar a identificação das TI Nawa, TI Riozinho do Iaco e TI Jaminawa do Caeté, a gente começa a caminhar para a conclusão da situação fundiária das terras indígenas no Acre. Não podemos esquecer da TI dos Kuntanawa, que fica dentro da Resex do Alto Juruá, e TI Kaxinawa do Seringal Curralinho, que são as únicas que não tiveram ainda o processo iniciado e que deve entrar nessa nova fase de demarcação das TIs no Brasil. Esse é o quadro geral o resultado de uma luta que começou em 1977. São quase meio século de trabalho apoiando o reconhecimento das terras indígenas no Acre!”, finaliza Terri Aquino.
Entenda
No começo do século 20 o povo Nawa vivia na região do Juruá, mas foram expulsos no “tempo das correrias” devido aos conflitos com seringalistas interessados na exploração de recursos naturais na região e hoje vivem numa área que foi sobreposta ao Parque Nacional da Serra do Divisor, criado no final da década de 1980. Na Funai, o processo de demarcação da Terra Indígena Nawa se estende desde 2003, e está paralisado ainda na primeira fase, a de identificação e delimitação. No entanto, as lideranças Nawa iniciaram em 2021 a autodemarcação do território, de acordo com o mesmos limites e extensões determinados pela Justiça Federal, quando decidiu pela redução de 30 mil hectares dos Fundos da Terra Indígena Nawa para não dividir o PNSD.