Participaram do encontro 23 lideranças indígenas dos nove estados da Amazônia brasileira, três membros do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e representantes da sociedade civil organizada e dos governos (foto: Haux Produções)

O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, endossou que os povos indígenas e as comunidades locais são centrais nas discussões sobre o futuro climático. De acordo com o estudo, que é importante fonte de informação sobre as mudanças climáticas e sustentam o entendimento da comunidade internacional sobre questões relacionadas ao tema, como as maiores áreas de florestas preservadas estão localizadas nas Terras Indígenas, esses povos podem indicar um caminho seguro para os governos na criação de políticas climáticas.

Foi para pensar estratégias de como indicar esse caminho, que 23 lideranças indígenas dos nove estados da Amazônia brasileira, três membros do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e representantes da sociedade civil organizada e dos governos, reuniram-se em Rio Branco (Acre), entre os dias 31 de Outubro e 01 de Novembro, no “Encontro de Lideranças Indígenas da Amazônia Brasileira – Construindo propostas para a participação indígena na Força Tarefa dos Governadores pelo Clima e Florestas (Governors’ Climate and Forests Task Force -GCF/FT)”.

Os principais objetivos do encontro foram: promover um espaço de diálogo sobre o funcionamento do GCF/FT; discutir o funcionamento do Comitê Global de Povos Indígenas e Populações Locais do GCF/FT e elaborar uma proposta orientadora para a criação do Comitê Regional de Povos Indígenas da Amazônia brasileira, com estratégias de representação no Comitê Global.

Francisco Piyãko, da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ)

“Quando se trata de floresta e clima, os povos da floresta estão no centro dessas questões, não podemos ser ignorados. A nossa participação nessa discussão ultrapassa o tempo de governo: os governos passam, já a Amazônia, não”, ressaltou Francisco Piyãko, da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ). Para a liderança Ashanika, com o Comitê Regional os povos indígenas terão mais voz no GCF/FT. “É um espaço formalizado, com a proposta de auxiliar os governos nas tomadas de decisão. Os governos precisam entender que nós somos aliados nesse trabalho com o clima, e não só nós [indígenas], mas os extrativistas, os ribeirinhos e também as populações urbanas. As cidades da região amazônica também estão inseridas nesse contexto de florestas”, explicou Piyãko.

O Secretário de Juventude do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Dione de Nascimento, destacou que a Amazônia deve ser desenvolvida à partir dos povos tradicionais e indígenas, que já trabalham com a gestão integrada dos territórios. “Os governadores deve olhar o território como um espaço de sustentabilidade e modos de vida, precisam considerar a nossa experiência, ouvir as comunidades. Se a gente começar a olhar política pública numa perspectiva mais econômica de pessoas com poder, teremos grandes problemas. As políticas públicas precisam sempre estar atenta ao povo, elas não podem ser pensadas de cima pra baixo, sem considerar quem está nos territórios”, disse. No encontro, as lideranças indígenas acordaram que, como as populações locais (quilombolas, extrativistas, ribeirinhas) ainda estão organizando a participação no GCF, representantes das Reservas Extrativistas (RESEX) vão acompanhar as discussões com os povos indígenas.

Dione de Nascimento, Secretário de Juventude do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)

A Força Tarefa dos Governadores pelo Clima e Florestas (GCF/GT) é uma colaboração subnacional que nasceu em 2008 pelo acordo entre nove estados e províncias e hoje conta com 38 estados e províncias no Brasil (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins), Indonésia, México, Nigéria, Peru, Espanha, Colômbia, Equador, Costa do Marfim e Estados Unidos que, juntos, somam mais de um quarto das florestas tropicais do mundo.

A grande proposta do GCF/FT é que todos os agentes (sociedade civil, governantes e instituições não-governamentais) discutam e busquem soluções para a mitigação das mudanças do clima e o desenvolvimento de políticas de baixas emissões de carbono. Desde 2009 o GCF/FT tem trabalhado no desenho de programas de REDD+ nos estados e províncias, discutindo opções de como conectá-los à diversas oportunidades financeiras ligadas ou não a mercados.

Comitê Regional dos Povos Indígenas da Amazônia brasileira

Os primeiros compromissos firmados pelos governadores do GCF/FT com os povos indígenas e comunidades locais foi em 2014, com a Carta de Rio Branco. Em 2016, em Klamath (EUA), foi criado o Comitê Global dos Povos Indígenas e Comunidade Locais do GCF/FT, com o objetivo de fortalecer as parcerias entre governos subnacionais, povos indígenas e comunidades locais. Na mesma ocasião foi aprovada a “Carta de Princípios Orientadores para Colaboração e Parceria entre Governos Subnacionais, Povos Indígenas e Comunidades Locais”, onde os governadores do GCF/FT reconhecem, em respeito ao direito de consulta livre, prévia e informada, os direitos à terra e ao território, à autodeterminação, à auto governança e aos saberes culturalmente diferenciados dos povos indígenas e comunidades locais.

“O maior desafio da plataforma [Carta de Princípios] é fazer com que ela se efetive, venha pra prática e aconteça realmente. Em Klamath ocorreu a formalização de um espaço oficial para os povos indígenas e comunidades locais, um espaço que não foi dado, foi conquistado”, disse Estevão Ribeiro, assessor técnico do programa de Políticas Públicas e Articulação Regional da Comissão Pró- Índio do Acre (CPI-Acre). Na Carta de Princípios, os governadores também assumem que as comunidades locais e povos indígenas devem exercer papel de liderança na implementação de ações para a conservação da biodiversidade e das baixas emissões de gases de efeito estufa.

Maria Luiza Pinedo Ochoa. Fotos: @HauxProduções

“Nas florestas vivem os povos indígenas e comunidades locais, por isso é  necessário e importante promover  espaços para a participação dessas populações, por que estão falando e tomando decisões  sobre os seus territórios. Melhor do que ninguém, são eles que devem dizer como devem chegar essas políticas para dentro dos territórios”, acrescenta Maria Luiza Pinedo Ochoa, coordenadora do programa de Políticas Públicas e Articulação Regional da CPI-Acre.

No encontro em Rio Branco, as lideranças indígenas iniciaram a elaboração de uma proposta orientadora para a criação do Comitê Regional dos Povos Indígenas e Comunidades locais da Amazônia brasileira, que vai dialogar com Comitê Global dos Povos Indígenas e Comunidades Locais. No Comitê Regional os indígenas poderão verificar, verdadeiramente, se os governos estão cumprindo com os acordos da Carta de Princípios. “Precisamos defender os direitos uns dos outros. Isso é o que queremos. E podemos definir como será esse mecanismo, para que possamos nos ajudar. Não é o governo que vai dizer, mas as organizações indígenas”, explicou Candido Mezua da Alianza Mesoamericana de Pueblos y Bosques (AMPB), no Panamá. Na ocasião, a chefe de departamento do Instituto de Mudanças Climáticas do Acre (IMC), Francisca Arara, acrescentou que “o diálogo entre governos, povos indígenas e populações locais deve prevalecer e ser de boa fé”.

Encontro_PrimeiroDia_Fotos-@HauxProduções

A governança do Comitê Regional e a difusão das informações para as populações nas Terras Indígenas foram temas amplamente discutidos no evento. “Há muitos povos ainda monolíngue no idioma e eles devem estar inseridos nesse processo de informação e escuta. Esse instrumento [Comitê Regional] vai fortalecer as organizações indígenas e oferecer condições para levar para as aldeias esse tema, pois os impactos das mudanças do clima já são sentidos nos nossos territórios”, pontua Maria Evanízia dos Santos.

Sinéia do Vale, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), ressaltou a diversidade dos povos da Amazônia brasileira. “Cada estado e cada povo tem uma organização especifica. A gente precisa discutir isso na base para fortalecer a estratégia para construir esse processo. Temos um poder muito grande, que são os altos índices de conservação dos nossos territórios. No âmbito da discussão mais técnica, temos que ter subsidio para poder chegar com informações sobre as políticas climáticas na base. Eles precisam saber, porque vai melhorar a qualidade de vida dos povos da floresta”, disse.

Sinéia do Vale. Fotos: @HauxProduções

A recomendação dos participantes para a composição do Comitê Regional dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira é que o mecanismo tenha lideranças e organizações indígenas de cada estado amazônico, organizações indigenistas da sociedade civil e órgãos dos governos subnacionais com interface direta com povos indígenas. Ao final do encontro, as lideranças criaram um Grupo de Trabalho com oito representações indígenas e uma de comunidade local, coordenado por Toya Manchineri da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), para analisar a proposta da criação do Comitê Regional – construída nos dois dias do evento – e assessorar o Comitê Global de Povos Indígenas e Populações Locais.

Além de Toya, o grupo de trabalho é composto por Eriton Fabrício (FEIR); Narúbia Karajá (Tocantins); Sinéia do Vale (Conselho Indígena de Roraima -CIR); Shirlei de Lima (Associação das Guerreiras Indigenas de Rondônia – AGIR); Puyr dos Santos (Federação dos Povos Indígenas do Pará – FEPIPA); Eclemilda Silva (Amapá) , Valdenilda (Rondônia) e Dione de Nascimento ( CNS). A proposta do Comitê Regional será apresentada na próxima reunião dos Governadores da Amazônia da Força Tarefa, que terá início  dia 20 de novembro em São Luiz (Maranhão).

O diálogo permanente e qualificado entre povos indígenas, populações locais e governo é uma alternativa segura para o desenvolvimento de estratégias que visem a conservação das florestas e seu desenvolvimento sustentável, considerando as populações que a habitam. O Encontro de lideranças indígenas da Amazônia reuniu diferentes povos, etnias, representantes de governos e da sociedade civil para discutir ferramentas diversas para a participação efetiva e eficaz dos povos indígenas e populações locais no âmbito do GCF/FT. Moderado por Maria do Socorro Oliveira, da Cooperação Técnica Alemã (GIZ), o evento foi uma iniciativa da sociedade civil, promovido em parceria pela Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj), Comissão Pró-Índio do Acre (CPI- Acre), World Wide Fund for Nature (WWF),  Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais (AMAIAAC), Rede de Cooperação Amazônica (RCA),  GIZ, Rainforest Foundation Norway (RFN) e o Instituto de Mudanças Climáticas do Acre (IMC). (Comunicação/CPI-Acre)