Empate pela Amazônia será as 16h deste domingo, na Praça dos Povos da Floresta, em Rio Branco (foto: Denilson Almdeida)

Por Leilane Marinho (Comunicação/CPI-Acre)

Após uma semana de notícias dramáticas sobre o desmatamento e as queimadas na Amazônia brasileira, teve início nesta sexta-feira, 23, uma série de protestos no Brasil e no mundo em defesa da maior floresta tropical do planeta. Os atos pedem a saída do ministro do meio ambiente Ricardo Salles e exigem que o presidente Jair Bolsonaro proteja a Amazônia.

No Acre, um coletivo de ambientalistas, artistas, professores, indígenas, indigenistas, estudantes e representantes de ONGs e associações está à frente das manifestações que iniciaram na sexta-feira (23) dentro da programação do Slam Amazônia. Compondo a mobilização nacional #AmazôniaNaRua, o Comitê Chico Mendes chama a população acreana para realizar neste domingo (25), às 16h, na praça dos Povos da Floresta, o “Empate pela Amazônia – Em defesa das florestas”, evocando a prática de resistência pacifista do ambientalista Chico Mendes.

“O que chama a atenção neste ano é o aumento significativo do desmatamento que é seguido das queimadas. O fato é que a Amazônia está em chamas, queimando toda essa biodiversidade reconhecida mundialmente e queimando as produções e as casas de seus moradores, é lamentável ainda não estarmos conseguindo cuidar com zelo da nossa casa comum”, diz a ambientalista Ângela Mendes.

Ato no Slam Amazônia (Foto: Cassiano Márquez)

As nuvens de fumaça que cobrem o Acre despontando nas imagens de satélite da NASA é resultado de um grande incêndio que afeta toda região amazônica com destaque para o estado. Só em agosto, 2.123 focos de queimadas foram registrados no Acre, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).  O governador do Acre decretou na última quinta-feira, 22, Estado de Emergência Ambiental em decorrência do grande volume de queimadas. De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente (Sema), os focos de incêndio aumentaram  190%, se  comparado ao mesmo período do ano passado. Em todo país, houve aumento de 83% das queimadas comparados ao ano anterior.

Mas antes de serem atingidas pelo fogo, a grande maioria dessas áreas incendiadas foram desmatadas para expansão agrícola na Amazônia e grilagem. As queimadas aumentaram esse ano porque o desmatamento cresceu, não sendo, portanto, o período de estiagem o responsável pelas chamas.  É o que diz não só o Inpe, ao afirmar que todas as queimadas na Amazônia são de origem humana (propositais ou acidentais), mas também os cientistas da NASA, que apontaram nas imagens de satélite áreas com enormes troncos de árvores postos para secar após serem devastadas e, dias depois, serem queimadas para se transformar em pastagem.  É o chamado ciclo de desmatamento da Amazônia.

Desde o início do ano especialistas em pesquisas espaciais vinham alertando para o aumento do desmatamento das florestas na Amazônia Legal, que no mês de julho teve um crescimento de 278% em relação ao mesmo período de 2018, conforme dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Inpe. Os mesmos cientistas também concluíram que o desmonte da política ambiental, a impunidade dos crimes ambientais e a falta de fiscalização motivaram o crescimento de derrubadas de árvores.

“Os discursos que legitimam a impunidade e a flexibilização das políticas ambientais, com a fragilização dos órgãos que estão ausentes nessas áreas, incentivam a invasão de territórios indígenas e a grilagem. Esse discurso é focado na produção econômica e nunca na conservação, muito diferente da forma de pensar dos povos indígenas”, explica a coordenadora do programa de Políticas Públicas e Articulação Regional da CPI-Acre, Maria Luiza Pinedo Ochoa.

TIs são barreiras contra fogo

Na semana passada, entre os dias 13 e 16,  representantes de organizações e associações indígenas se reunirem no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF) da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), para discutirem, entre outros temas, a continuidade de políticas públicas de proteção e gestão ambiental e territorial nas Terras Indígenas (TIs) e as medidas de mitigação do desmatamento e das mudanças do clima.

Na reunião, os indígenas afirmaram que os planos do presidente Jair Bolsonaro para a Amazônia, que defende a exploração econômica com derrubada das árvores (agricultura e pecuária ostensivas e extração predatória de madeira e minério) e a flexibilização da legislação ambiental, não é compartilhado pelas populações indígenas. As lideranças da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas (AMAAIC), Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj) declararam-se preocupadas com o desmonte da política ambiental no nível nacional, já que são justamente as TIs as últimas barreiras contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia.

“Nós saímos dessa situação de sermos escravos da madeira. Eles [o agronegócio] nos quer colocar nessa condição de mão de obra e acabar com a floresta, não querem que a gente cresça e tenhamos liberdade. O agronegócio diz que emprega 10 milhões de jovens, na verdade ele atrasa 10 milhões de jovens não permitindo que eles cresçam”, declarou Francisco Piyãnko, liderança Ashaninka representante da Opirj, sobre o avanço da agropecuária na Amazônia. “Não queremos voltar ao tempo antigo, quando servíamos aos patrões. Sabemos o que é bom e o que não é bom para nós. Principalmente o agronegócio não é bom para nós. Até agora viemos cuidando da nossa natureza e não vamos destruí-la”, completou Edileuda Shanenawa, da TI Katukina-Kaxinawá.

A TI Katukina/ Kaxinawá fica na região de Feijó, o município com maior registro de focos (489) de queimadas no Acre no mês de agosto segundo a Sema. “Essa queimada está trazendo um ar muito poluído pela fumaça e problemas de saúde para a nossa comunidade”, relatou o agente agroflorestal indígena (AAFI) e membro da AMAAIAC, Ismael Brandão Siã Shanenawa. Nesta sexta-feira, 23, o AAFI Antônio da Silva Kaxinawá disse que os limites da TI Katukina/Kaxinawá estão sendo invadidos pelo fogo. “Tem muitos focos de fogo e fumaça dentro do nosso território vindo do entorno”, contou.

Na TI Humaitá, em Tarauacá, apesar do fogo não ter atingindo o território, os indígenas estão preocupados com a continuidade dos incêndios. “Tem muita queimada aqui nos limites da TI, nas margens do rio Muru teve muito desmatamento e estamos vendo muitas mudanças. Eles estão queimando floresta virgem, fazendo campos para plantação”, conta Josenir Sabóia Kaxinawá.

O AAFI Antônio da Silva Kaxinawá está preocupado com os focos de incêndio da TI Katukina/Kaxinawá (foto: Leilane Marinho)

 

Neste período de seca amazônica, quando os incêndios criminosos chegam ao seu ápice e a retirada de árvores dispara, o desmatamento no Acre aumentou 434% no acúmulo entre julho de 2018 e julho deste ano, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). No entanto, as informações coletadas em 2018 pelo Deter indicam que as áreas indígenas no estado são as que possuem os menores percentuais de desmatamento. Na TI do Mamoadate foi detectado apenas 0.1 km2 (100 ha) de áreas alteradas entre 2016 a 2018. Estas informações mostram que, de fato, as formas tradicionais com que indígenas usam suas terras não causam significativo impacto de perda de florestas, pelo contrário, a exemplo do trabalho dos agentes agroflorestais indígenas, essas populações vem enriquecendo as matas com a plantação de espécies nativas e exóticas.