Procurador da república, Luidgi Paiva, e o chefe do PNSD, Guilherme Tebet, escutam lideranças Nukini durante audiência pública. O deputado estadual Edvaldo Magalhães também esteve presente (Foto: Uhnepa Nukini)


A revisão da Terra Indígena (TI) Nukini, localizada no município de Mâncio Lima, no estado do Acre, foi tema da audiência pública realizada na última semana (24), na aldeia Kampum, que está localizada fora dos limites do território e dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD). Os Nukini pedem a inclusão desta área que é tradicionalmente ocupada pelos indígenas e considerada sagrada pelo povo.

“Estamos convictos que a terra é nossa, tem indígenas que vivem aqui que seus avós vieram da mata, e que suas famílias nunca se mudaram daqui. Vou mostrar para vocês as machadinhas e os pedaços de potes que encontramos quando vamos brocar a terra para plantar a maniva e fazer farinha, nós reunimos todos esses registros” disse durante a audiência, a liderança da aldeia Kampum Wilson Nukini.

Além das lideranças das oito aldeias da TI Nukini, estiveram presentes da reunião representantes do Ministério Público Federal (MPF), o procurador federal Luidgi Merlo Paiva, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodversidade (ICMBio), o chefe do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) Guilherme Tebet, o deputado estadual Edvaldo Magalhãos (PCdoB), vereadores do município de Mâncio Lima, o antropólogo Terri Aquino e  Aldalucia Ferreira, coordenadora do Programa de Políticas Públicas e Articulação Regional da Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre).

A TI Nukini está localizada na região fronteiriça com o Peru, com o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) e com o Projeto de Desenvolvimento Sustentável São Salvador. O território está ameaçado, junto com o PNSD, pelo  PL 6024/2019 da deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC), que visa derrubar o status de proteção integral da UC  e pela proposta da estrada que liga Cruzeiro do Sul a Pucallpa, no Peru, que vem sendo fortalecida pelo senador Márcio Bittar (UB-AC). A Justiça Federal do Acre decidido em junho de 2023 a favor da Ação Civil Pública – assinada pela CPI-Acre, SOS Amazônia, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)- e suspendeu a construção da estrada.

O processo de reconhecimento da terra indígena teve início em meados dos anos 70 com a demarcação em 1987, e só foi concluído 1991 com a homologação.  Os primeiros estudos antropológicos realizados pela Funai incluíam no Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID) os registros arqueológicos citados por WIilson Nukini. As lideranças Nukini contam que na época os antropólogos cavaram a terra para saber onde os indígenas tinham morado e onde eram as antigas malocas: nos locais onde eram encontrados os cacos de potes, os vestígios dos antepassados, eles mediam a profundidade para saber há quanto tempo os indígenas viveram ali.

“Essa área é o lugar que os Nukini ocupam tradicionalmente desde antes do reconhecimento da terra, e é necessária  para subsistência do povo, sobretudo dos que vivem na terra demarcada”, explica o antropólogo Terri Aquino.  ” Dentro dessa terra é onde está toda nossa riqueza referente a fruta, caça, pesca e até mesmo a água, e nunca deixamos de viver aqui e retirar o nosso alimento daqui”, acrescenta Maha Vicente, liderança da aldeia Pana.

Chefe do PNSD, Guilherme Tebet, com lideranças Nukini (foto: Uhnepa Nukini)

Diálogo e cooperação

O procurador federal Luidgi Paiva destacou durante a audiência pública, o papel institucional do MPF em agir para que a reivindicação dos limites seja adequadamente tratada pelos órgãos competentes. Como encaminhamento, o MPF vai verificar com a Funai como está o andamento do pedido de revisão da TI Nukini: “Estamos aqui para atuar junto a Funai, para que ela cumpra o papel institucional de modo mais célere e adequado possível e consiga levar a bom termo essa questão”, disse Luidgi, acrescentando que a reunião pública foi uma experiência exitosa.

“Essa audiência é a realização de um sonho milenar do povo Nukini, há muito tempo nossas lideranças esperam para serem ouvidas, para fazer valer nossos direitos. É um momento de fortalecimento da nossa esperança, de voltar para a casa dos nossos ancestrais, pois é aqui onde está guardada toda nossa sabedoria, que não auxilia somente os Nukini, mas todo nosso planeta terra”, conta Pstyani Leo Nukini, pajé e vice liderança geral do povo Nukini.

A professora Varinaki Valdenice de Souza, da aldeia Vaka Visu, falou na audiência sobre a importância do diálogo e das parcerias. “Hoje o ICMBio é um parceiro, mas antes não tinha isso, ninguém nos escutava. Essa terra é importante para os indígenas que estão fora do território demarcado, mas é também nessa área que está nossas raízes, nossos ancestrais e encantados”, ressalta Varinaki.

A ocupação tradicional do território, que hoje está no PNSD, também foi reforçada pelo chefe do parque, Guilherme Tebet, analista ambiental do ICMBio. “Esse é um momento importante para o ICMBio, porque a gente sabe que o histórico da gestão do parque muitas vezes acabou agravando a situação de conflito entre o governo e as populações originárias que vivem aqui, e cada vez mais temos buscado trabalhar com a colaboração e não considerando que essa ocupação tradicional esteja em oposição à conservação da natureza. Precisamos fazer esse debate nessa seriedade, para que possamos trabalhar em parceria com os povos a favor da conservação ambiental”, explica Guilherme.

Um dos compromissos firmados entre os participantes é a necessidade de recomendar ao órgão gestor do PNSD a conciliação dos conflitos, através de instrumentos que possibilitem o diálogo e o consenso, como um termo de compromisso, ou ainda ou outro instrumento legal, desde que seja construído de forma participativa.

Matéria produzida com a colaboração com os comunicadores indígenas Samsara Nukini e Uhnepa Nukini – Comunicação/ CPI-Acre