foto: acervo CPI-Acre
Lucila da Costa (foto: Ramon Aquin/WWF Brasil)
Nome Lucila da Costa Moreira
Nome indígena Vahu
Nós somos os Nawa mesmo. Nawa é uma origem pura, Nawa são as raízes de todos os povos. Nós somos verdadeiros. Não é que os outros povos [pano] não sejam verdadeiros, porque todos nós somos verdadeiros, mas nós somos as raízes desses povos.
Vivemos na Terra Indígena Nawa que fica no município de Mâncio Lima, no lado esquerdo do rio Môa. A maioria do povo Nawa vive dentro do Igarapé Novo Recreio. O Parque Nacional da Serra do Divisor fica em cima da nossa Terra Indígena. Bem antes da criação do Parque Nacional nós já estávamos lá. Então hoje a gente tem a maior dificuldade, não podemos colocar roçado, porque se você derruba pra colocar roçado, o ICMBIO vai lá e multa. Há 15 anos estamos lutando pela demarcação da nossa Terra Indígena.
História
Hoje nós não temos as pessoas mais antigas, mas a história que eu sei é que eles viviam onde hoje é a cidade de Cruzeiro do Sul. Depois é que vieram os patrões e coronéis que chegaram e viram muita terra bonita e começaram a querer trocar as mulheres dos índios por objetos.
Mas os homens Nawa não queriam trocar as mulheres deles por nada e daí eles começaram a matar, porque eles não aceitavam. Então teve essa correria e eles saíram de onde hoje é a Maternidade (antiga Santa Casa), que antigamente era uma maloca do povo Nawa. Também o local onde hoje é o Teatro dos Nawa era uma maloca dos Nawa. Então eles saíram de lá e foram para o Estirão dos Nawa, como hoje é conhecido um estirão do rio.
Neste tempo mataram muita gente, por isso pensavam que nós não existíamos mais. Mas daí conseguiram fugir três famílias, que depois se misturaram com caucheiros e seringueiros, e foi por causa delas que nós ainda estamos aqui.
O processo de demarcação da nossa terra começou em 1999 quando nós tivemos o primeiro contato com o CIMI de Cruzeiro do Sul. Foi feito todo o levantamento, laudo, estudo, mas até hoje está na justiça, porque o ICMBIO é contra a demarcação da nossa terra. O relatório da FUNAI indicava que a nossa terra deveria ter 83 mil hectares, mas o juiz determinou 53 mil hectares e a gente não aceita.
As principais lideranças envolvidas nesta luta foram o Wilson Carneiro de Oliveira, Francione da Costa Moreira e, hoje, o João Souza Diniz. Esses foram os caciques, mas eu também estou nesta luta há muito tempo.
Educação Escolar e Cultura Indígena
Hoje temos três escolas na Terra Indígena. Quer dizer, só temos uma registrada que foi construída no ano passado, mas nas outras a gente faz tapirizinho e trabalha lá mesmo.
Desde 2000, eu trabalho com a língua indígena na escola. Antes, diziam que a gente não sabia mais falar a língua, mas ela está lá guardadinha no fundo do velho. Meu pai toda a vida viveu com os Nawa e com os Nukini e eu consegui, como professora e filha, que ele me soltasse muita coisa. Hoje, a gente tem 3 professores dentro da terra indígena trabalhando com a língua indígena e algumas crianças já têm muito conhecimento. Talvez eles nunca vão falar diretamente na língua, mas vão ter o conhecimento do que é uma palavra na língua indígena; se uma pessoa falar, ele vai saber o que que é.
A cultura é algo muito marcante, por isso a gente está sempre buscando. Se você chegar hoje na Terra Indígena Nawa, você vai pensar: “isto aqui não é índio…”, porque nem sempre a gente está pintado. A gente usa essas coisas na hora de uma festa, de uma reunião, aí você vai ver a gente com um cocar, pintado, mas no nosso dia-a-dia a gente vive assim mesmo, como branco.
Caça e Pesca
A gente caça onde eles dizem que é Parque, mas lá a gente diz que é a nossa terra. A gente caça dentro do limite de 83 mil hectares que foram colocados dentro do estudo. Os nossos pontos de caçada são desde o tempo do meu avô!
A gente caça mais de dia, pega um pique e se manda para a mata. A gente come tudo que aparecer de caça, mas sempre mata mais veado e porco, e tem também anta, jabuti e muitas aves como jacu, jacamim, arara, papagaio…
É difícil a gente pescar, comemos mais caça. Mas a gente também marisca, usa manga e às vezes anzol mesmo. Os peixes que mais consumimos são o surubim, piau, cará, traíra e etc. Mas a gente não tem aquela vocação de dizer “Hoje eu vou pescar…”.
Fontes de renda
A nossa terra é muito boa para o plantio de milho, arroz. A nossa maior produção é a de milho. Macaxeira também a gente planta, mas não é uma terra boa pra macaxeira, porque é barro, e ela dá melhor onde é areia. A gente também planta banana, mas estraga muito porque a gente não tem barco para levar pra vender no município.
A gente trabalha individualmente, cada um faz o seu roçado. A nossa principal fonte de renda é a venda do milho. A gente planta muito pra vender e poder se manter. A roça a gente também planta muito para poder vender. Agora, o feijão a gente planta para consumo próprio.
Também tem os professores que têm salário, então em época de fazer roçado, por exemplo, quem não puder fazer, pode pagar para o outro fazer. Daí a renda fica circulando dentro da comunidade. Na cidade, a gente vai buscar o açúcar, o óleo, o sabão que são coisas que nós não temos. Só o que consumimos que não é da alimentação indígena é a merenda escolar (conserva, sardinha etc), mas não comemos essas coisas em casa.
A cidade mais frequentada por nós é Mâncio Lima. Tem mais ou menos 80 famílias Nawa que moram na cidade.
Projeto de Futuro
O que eu espero daqui a dez anos é que nós finalmente tenhamos a nossa terra demarcada para que a gente possa fazer nossos projetos. E que a gente viva melhor do que está hoje, tendo mais oportunidades, faculdade para os nossos filhos, para os nossos netos, esta é a minha esperança.