foto: acervo CPI-Acre
Fernando Katukina (foto: Leilane Marinho)

Nome Fernando Rosa da Silva Katukina, liderança e professor indígena (TI Campinas / Katukina)

Nome indígena  Kapy

Nós recebemos o nome de ‘Katukina’ através dos brancos. E aí a gente vem avaliando, a partir da história que meu avô e minha avó me contaram.  Nós temos outro nome próprio que é Nuke Kuĩ, nossa autodenominação. Nós estamos deixando de usar ‘Katukina’ porque nós não somos Katukina, nosso nome verdadeiro é Nuke Kuĩ que significa ‘povo verdadeiro’.  Atualmente, vivemos em sete aldeias situadas em duas terras indígenas: a TI Campinas / Katukina, no município de Cruzeiro do Sul, e a TI Rio Gregório, no município de Tarauacá.

História

Diz que nós surgimos de uma beira do mar, numa oca como se fosse teia de aranha. Quando deus chegou lá, nós estávamos conversando para sair, mas nós não conseguíamos sair. Então deus chegou lá, escutou nossa voz e perguntou quem é que estava lá dentro. Como nós não tínhamos como sair, ele fez a porta e nós saímos. Então nós viemos para atravessar o rio onde o jacaré serviu de ponte. Este é como se fosse o mito. Nossa origem é rio Juruá mesmo e hoje nós moramos na beira do rio Campinas.

foto: acervo CPI-Acre

Nosso primeiro contato com os brancos foi com o seringalista; o pessoal procurava os patrões para cortar seringa para sobreviver. Foi mais ou menos aí que começou o contato forte, eles cortavam seringa para comprar estiva. Os Katukina também trabalhavam braçalmente, limpando e plantando roça. Na época, nem branco, nem índio tinha terra, terra documentada. E daí nós vivíamos atrás desses patrões, de rio que tinha peixe, de mata que tinha caça…

Os seringais onde os Katukina viveram a maior parte do tempo foram o Seringal Rio Branco, no rio Tauarí, o Seringal Sete Estrelas, no rio Gregório e, por último, o Seringal Campina.

O processo de demarcação da nossa terra foi através do sertanista Antônio Macedo e do antropólogo Terri Valle de Aquino, quando eles trabalhavam na Comissão Pró-Indígenas do Acre. A terra foi demarcada em 1984 e homologada em 1993.  As lideranças daquela época eram Francisco de Assis da Cruz e André Rodrigues de Souza.

A Língua Indígena e a Educação Escolar

foto: acervo CPI-Acre

Nossa língua sempre é muito viva, nós não precisamos revitalizar. Hoje, 97% da população é falante da nossa língua, apenas 3% da população só fala português.

A escola fortalece tanto a língua, como as festividades culturais. Na nossa escola, a alfabetização acontece primeiramente na nossa língua; até 9 anos de idade só é ensinada a língua Katukina. Nosso principal professor é bilíngue, ele traduz tudo do português para a língua Katukina, até o hino brasileiro.

Gestão Territorial e Ambiental

Nós já temos Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena que foi feito em conjunto com o Governo do Estado. Nós temos trabalhado muito na área de preservação da floresta e dos animais, e também com sistemas agroflorestais e manejo. Nós temos acordos para fazer roçado, que é a definição de quantos hectares uma pessoa pode fazer. E temos acordos sobre caça também, não pode matar dois animais por dia. Caçar com cachorro, a gente não caça mais. Tudo tem regra, na pescaria também tem regra. Então, gestão territorial tem plano.

foto: acervo CPI-Acre

Atualmente, nós só caçamos com arma de fogo. Antigamente caçávamos com cachorro, técnica de espera, tocaia. Nós caçamos mais de dia, porque a gente previne melhor, pode ter cobra, acidente. O que nós mais comemos é imbiara, caça grande como veado, porquinho, queixada, anta é quase extinto lá.

Nós pescamos de anzol, tarrafa. De primeiro, nós colocávamos veneno, o tingui, mas daí nós tivemos prejuízo grande durante cinco anos, então deixamos de utilizar. Agora é mais no anzol, na tarrafa, na ‘manga’ como é conhecido. Nós comemos mais peixe pequeno, não temos peixe grande no rio em que moramos, tipo piau, curimatã, mandim, dourado, surubim.

A técnica que usamos no roçado, por enquanto, é a queima, pois nós ainda não encontramos outro tipo de técnica para plantar roça. A gente planta mais alimentação indígena mesmo:  macaxeira, milho, arroz, batata, batata doce, inhame, mamão, banana, cana, essas coisas…

Nossa maior ameaça são os caçadores de fora, nós não temos ameaça de madeireiros, minerador…

Produção e Economia

Nossa principal fonte de renda é a venda de artesanato e de nossa produção: milho, arroz e farinha. Também vendemos galinha e pato. E tem também os salários dos professores e dos agentes de saúde e os benefícios sociais, como bolsa família, aposentadoria, auxílio maternidade. Para nós que moramos perto da cidade, a entrada desses benefícios na aldeia foi um ponto positivo, porque ajuda muitas famílias. Como a terra não tem mais caça e pesca (o que tem é pouco), as famílias utilizam esses recursos para comprar alimento, peixe, frango… A compra e venda acontece dentro da aldeia também, daí o dinheiro circula dentro da terra indígena.

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O dinheiro mudou as coisas dentro da terra indígena, mas nós não temos outra opção. Por exemplo, o frango já vem congelado há muito tempo, o peixe que nós compramos também já é gelado há não sei quantos dias, é alimentado com ração, vacina, não é peixe pegado na hora. Mesmo assim a gente compra, não tem como escapar…  Agora, nós estamos tentando reorganizar isso, a gente quer criar mais porcos da maneira correta.

A cidade que mais frequentamos é Cruzeiro do Sul. Nós temos a política de que todo mundo tem que morar na aldeia. Não tem nenhuma família morando na cidade.  As pessoas que vão para a cidade vão somente para estudar nível superior, mas quando termina têm que voltar, este é o nosso compromisso.

Projeto de Futuro

foto: acervo CPI-Acre

O que eu quero, o que nós planejamos, é que nós, povo Nuke Kuĩ, mantenhamos o nosso ritmo, falando a nossa língua, morando na nossa aldeia, cuidando da nossa floresta, cuidando dos nossos rios, cuidando da nossa terra, cuidando da nossa família e continuando a viver na nossa aldeia, é isso que nós queremos.

Fotos