Espaço de discussão e proposição de políticas públicas para a Educação Escolar Indígena, a segunda edição da CONEEI, realizada em Brasília de 20 a 22 de março passado, teve como título “O Sistema Nacional de Educação e a Educação Escolar Indígena: regime de colaboração, participação e autonomia dos Povos Indígenas”. Cinco eixos temáticos nortearam os debates e proposições: 1) organização e gestão da educação escolar indígena, 2) práticas pedagógicas diferenciadas na educação escolar indígena, 3) formação e valorização dos professores indígenas, 4) políticas de atendimento à educação escolar indígena na educação básica e 5) ensino superior e povos indígenas.

Foram poucos mais de 8 anos desde a realização da I CONEEI (2009) e a nova conferência foi aguardada com várias dúvidas e pouca esperança. Valeria a pena uma nova conferência diante do pouco que os governos (Federal, estaduais e municipais) fizeram sobre as deliberações da I CONEEI? Ainda mais no contexto de retrocessos que vivemos no país? Havia os que afirmavam que a nova conferência, no contexto atual, poderia ser uma oportunidade para os povos indígenas afirmarem novamente sua luta e oposição as ausências e, principalmente, investidas do Governo Federal e parcela significativa do Congresso (ambos golpistas) em iniciativas que restringem e violam direitos indígenas ( e não só indígenas, convenhamos). Nesse cenário essa Conferência por pouco não aconteceu! Depois de sua proposição em 2015 pela Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI) e aceitação pelo Ministério da Educação (MEC) no ano seguinte, foram quase dois anos de espera em meio a contingenciamentos financeiros no Governo Federal, processo e impeachment da presidenta Dilma Rousseff, instalação do governo de Michel Temer e seus retrocessos.

Semelhante a I CONEEI, a atual estabeleceu em sua organização a realização de etapas locais e regionais preparatórias para a Conferência Nacional. A primeira etapa estava representada pelas conferências nas Comunidades Educativas. Estas eram livres no seu modo de organização e poderiam ser realizadas em uma só escola, em um conjunto de escolas, por um conjunto de comunidades ou por povo. Importante era que atendesse à realidade local e à decisão dos povos/comunidades envolvidas. As propostas resultantes das conferências locais seriam apresentadas pelos representantes escolhidos como delegados para a Conferência Regional. Nessa nova etapa, as propostas seriam reunidas e novamente discutidas buscando aprimora-las e construir consensos sobre o que seria levado para a Conferência Nacional pelos delegados escolhidos.

No Acre, foram realizadas conferências locais nas comunidades educativas de 04 Terras Indígenas, a saber: TI Kaxinawá da Praia do Carapanã, TI Campinas Katukina, TI Arara Igarapé Humaitá e TI Katukina/Kaxinawá (povo Shanenawa), todas apoiadas pela Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC). Na ocorrida na TI Kaxinawá da Praia do Carapanã participaram representantes de outras três terras indígenas: Kaxinawá do Rio Jordão, TI Kaxinawá do Rio Humaitá e TI Kaxinawa do Igarapé do Caucho.

O apoio externo, representado pela mobilização dos recursos humanos e financeiros e, mediação das reuniões foi determinante para a ocorrência das conferências locais, que buscaram reunir representantes de todas as aldeias em cada terra indígena onde aconteceram. Uma articulação melhor entre o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEE/AC) teria possibilitado as condições para que mais conferências locais ocorressem e, principalmente, que a Conferência Regional, fosse realizada como esperada

Ao final, e apesar das condições limitadas,o Acre conseguiu estar presente na II CONEEI e apresentar a sistematização das propostas que nasceram nas conferências locais já citadas. Aproximadamente 116 propostas foram orginalmente redigidas como somatória da etapa local. A cargo da SEE/ AC elas foram agrupadas constituindo 40 propostas aglutinadoras distribuídas nos cinco eixos temáticos propostos pela II CONEEI. O trabalho dos 25 delegados indígenas continuaria tendo como tarefa chegar a um nú- mero menor de proposições que não excedesse a cinco por eixo temático, portanto, 25 como número total de proposições a serem entregues antes dos trabalhos da Conferência Nacional iniciarem. As principais propostas das etapas regionais no Acre são apresentadas a seguir. Orientam um caminho para ações indígena e devem ser efetivadas com alta prioridade, evitando que as dúvidas sobre a II CONEEI virem certezas do descompromisso com a educação escolar indígena.

Eixo I – Organização e Gestão da Educação Escolar Indígena:

Garantir apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação, via FNDE, para o efetivo fluxo de financiamento nos ciclos diagnosticados no âmbito do PAR, considerando os reais custos para as ações de formação, construção, reforma e ampliação de escolas, compra de equipamentos, transporte escolar, pesquisa e publica- ção de materiais didáticos na Amazônia.

Garantir a participa- ção das SEEs no Conselho Nacional de Educação Indígena, bem como representações de professores indígenas no país e normatizar a aplicação da Convenção 169 da OIT no âmbito da Educação Escolar Indígena;

Reestruturação da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, do MEC, com a criação de subsistema para a educação escolar indígena.

Apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação para a criação de programas estaduais e municipais de regionalização da merenda, para aquisição direta de alimentos junto a agricultores indígenas com vistas ao suprimento da merenda nas unidades escolares indígenas.

Apoio técnico e financeiro do MEC junto aos sistemas de ensino para a ampliação da participação de escolas indígenas em programas de apoio educacional.

Eixo II – Práticas Pedagógicas Diferenciadas na Educação Escolar Indígena:

Garantir recursos permanentes via PAR/FNDE/ MEC para o apoio à pesquisa intercultural, à elaboração e à publicação de materiais didáticos bilíngues/ multilíngues, interculturais e diferenciados, junto aos povos indígenas, nas diferentes etapas da educação básica, em diferentes suportes e mídias, com assessoramento técnico e participação comunitária

Fomentar, no âmbito do Programa Nacional dos Livros Didáticos, linha de financiamento para o fortalecimento das literaturas indígenas

Manter e ampliar o programa Saberes Indígenas nas Escolas, como meio para a formação de escritores indígenas

Garantir recursos financeiros do PAR/FNDE/MEC e contratação de consultoria para o apoio à elaboração em atividades de formação intercultural dos projetos político pedagógicos (PPP) das escolas indígenas

Garantir apoio técnico e financeiro, via PAR/FNDE/ MEC, para efetivar a centralidade do conhecimento tradicional nas propostas educacionais efetivas de cada povo indígena, com a participação de sábios tradicionais na condição de consultores especiais

Garantir apoio técnico e financeiro do MEC para intercâmbio entre professores, agentes agroflorestais e agentes indígenas de saúde com vista à promoção de educação intercultural nas escolas indígenas e redes de ensino municipais e estadual.

Promover intercâmbio de unidades escolares indígenas e não-indígenas, com vistas de trocas de experiências e de metodologias de ensino e redução dos índices locais de preconceito e racismo institucional.

Fortalecer educação escolar indígena em diferentes territórios, com estrutura necessária e equipe técnica de educação para superar as dificuldades e necessidades de ensinos bilíngues e multilíngues, respeitando os conhecimentos tradicionais de cada povo.

Garantir que o MEC e as Secretarias Municipais e Estadual de Educação criem políticas linguísticas nos Estados

Eixo III – Formação e Valorização dos Professores Indígenas:

Garantir, com o apoio técnico e financeiro do MEC/ PAR/FNDE formações inicial, continuada, específica e diferenciada para os professores, gestores e técnicos indígenas de todas as escolas indígenas, nas diversas áreas do conhecimento, nos níveis de Magistério Indígena e Ensino Superior, para que as práticas pedagógicas diferenciadas na Educação Escolar Indígena sejam asseguradas, com um programa de ensino das línguas de mesma família linguística para povos que estão com deficiência de oralidade na sua própria língua e programa de formação dos professores indígenas em suas respectivas línguas.

Garantir, com o apoio técnico e financeiro do MEC/PAR/FNDE, o reconhecimento e a valorização da categoria escola e professor indígena, nas três esferas de governo

Estabelecer política nacional de incentivo à realização de concursos públicos específicos e diferenciados para professores e demais profissionais indígenas da Educação Escolar Indígena, garantindo isonomia profissional e progressão de carreira, segurança e estabilidade a esses profissionais

Garantir a participação de profissionais indígenas, acadêmicos ou de notório saber, como formadores de indígenas no Magistério, nas Licenciaturas e nos cursos específicos

Eixo IV – Políticas de Atendimento à Educação Escolar Indígena na Educação Básica

Apoio técnico e financeiro do MEC na estruturação e oferta plena de educação escolar indígena de forma intercultural, bilíngue/multilíngue, diferenciada e específica nas três etapas de educação básica (infantil, fundamental e médio), garantindo a oferta de programa intercultural para a educação de jovens e adultos

Desenvolver em âmbito nacional sistema de avaliação intercultural na educação básica, buscando a elaboração de indicadores etnoeducacionais, levando em consideração os múltiplos fatores que configuram as escolas indígenas, em especial, os contextos socioculturais, linguísticos dos(as) alunos(as) indígenas(as), seus processos próprios de aprendizagem e a estrutura física disponível.

Que o MEC reconheça e apóie técnica e financeiramente o conjunto de atividades formativas inovadoras promovidas em contextos indígenas, nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e saberes tradicionais.

Eixo V – Ensino Superior e Povos Indígenas:

Garantir o aumento no número de cotas/vagas nas Universidades, em áreas de formação diversificadas, para o atendimento aos estudantes indígenas, assim como, o ingresso de estudantes indígenas no Ensino Superior e condições de permanência que contemplem financiamento, apoio pedagógico e infraestrutura específica.

Incentivo Federal na oferta pelas instituições formadoras de cursos específicos nas aldeias, presencial ou à distância, em diferentes níveis e modalidades, com projetos pedagógicos e elaborados em parceria, considerando particularidades de cada povo, criando Universidades Interculturais

Garantir acesso ao ensino técnico, superior e pós-graduação com processos seletivos específicos, com ampla diversidade de áreas de conhecimento, com ampla divulgação nas aldeias indígenas e garantia de políticas de assistência estudantil para sucesso, permanência e êxito

O estado do Acre junto com a OPIAC, CPI-AC, FUNAI devem acompanhar e apoiar os cursos de Ensino Superior

Instituir política nacional de formação de indígenas em diferentes áreas profissionais, tais como, Engenharia Florestal, Enfermagem, Direito e Administração, áreas que atenderiam demandas de trabalho próprias dos povos indígenas.