Sobrevoo da Funai a Terra Indígena Kaxinawá. Foto: Manoel Sabóia Kaxinawa

Por José Frank de Melo Silva

Não é de hoje que os indígenas em isolamento são avistados nos arredores da Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, mas nos últimos dias, está sendo constantes a presença dos “parentes brabos” nas aldeias São Vicente e Novo Futuro, o que tem provocado apreensão e até medo entre os moradores da região.

Os Huni Kuĩ do Humaitá vêm relatando nos últimos dias de julho vários sinais da presença dos “parentes brabos” nas duas últimas aldeias, São Vicente e Novo Futuro, o que os deixa em alerta e preocupa as principais lideranças indígenas sobre a possibilidade de um eventual contato. As lideranças relataram que no último fim de semana, 22 de julho, tiveram suas roupas levadas dos quintais de suas casas e o aparecimento de vários “sinais de tapagem” (galhos de árvores cruzados no meio dos caminhos), rastros nos roçados e até avistamentos de grupos nas praias próximas das aldeias huni kuĩ do rio Humaitá.

Um grupo de huni kuĩ que estava pescando acima da aldeia Novo Futuro, próximo da foz do igarapé Três Cantos, relatou que viu a presença de 8 isolados às margens do rio Muru que deixaram uma “trouxa” de milho no barranco e retornaram na direção oposta ao grupo de pescadores huni Kuĩ. Segundo relatos comunicados pela liderança Jocemir Sabóia, da Aldeia São Vicente, Domingos e Ismael Kaxinawá, que estavam com o grupo de pescadores, os isolados jogaram o milho na praia e subiram o barranco. “Só assopramos eles, ninguém fez nada não, só vimos eles e aí voltamos”, explicam.

A liderança Jocemir Sabóia Kaxinawá, destaca que eles já estão sofrendo com as consequências da aproximação dos parentes isolados, que são vistos mais de uma vez por dia, sendo uma questão de grande preocupação para todos da terra indígena. Ele destaca que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) realizou ontem, 26, um sobrevoo na região das cabeceiras do rio Humaitá, onde foi avistado os roçados e malocas, sem a presenças dos “Isolados do Humaitá”, como são chamados pela Funai, constatando o deslocamento, onde eles estão baixando o rio para chegar nas aldeias.

“Estamos com medo, já fomos saqueados, estamos vendo sinais. Foram vistos em uma aldeia, na beira do rio Humaitá, rastro dos isolados, até rastro de criança tem. Estou conscientizando minha família, os ribeirinhos, o pessoal das outras aldeias”, explica a liderança, que está cada vez mais solicitando aos órgãos públicos e parceiros apoio e proteção para ambos os povos, dada a aproximação dos parentes, que agora, estão indo em locais que antes não tinham sido vistos.

Jocemir explica que não importa mais se é noite ou dia, que a comunidade teme sair em qualquer horário. “A gente a noite tem medo, o cachorro fica latindo, eles correndo dos nambus, a gente fica um pouco assustado. De dia a gente não consegue ir muito longe de casa, hoje nem saí de casa, nesse momento nem todo homem pode sair de casa, nem toda mulher. Tem sempre que está ali, com as crianças. Não vai ter jeito a gente vai sair de casa, a gente vai pescar, caçar, a gente vai buscar roça no roçado. O que será que os parentes isolados querem? Querem roupa, comida, terçado, querem sair, querem aparecer? A gente está preocupado com todas essas questões”, relata.

A Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, do Povo Huni Kuĩ, localizada no município de Feijó, é uma das terras indígenas (TIs) do Acre onde indígenas em isolamento voluntário historicamente habitam as cabeceiras desse rio, afluente do rio Muru, que está localizado entre municípios de Tarauacá e Feijó. A região onde está situada a terra indígena faz parte da faixa de fronteira entre Acre e o Departamento de Ucayali, no Peru.

Mapa da região de entorno da Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá – impactos e presença histórica de povos indígenas isolados. Fonte: CPI-Acre, SEMA/ZEE-AC, FUNAI, ASPIRH, ACIH, INPE. Organização e Elaboração Cartográfica – José Frank – Setor de Geoprocessamento (SEGEO)/CPI-Acre, 2023.

Entre os quatro grupos de índios isolados confirmados no Acre, os “Isolados do Humaitá”, são provavelmente falantes de línguas da Família Pano, juntamente com mais dois grupos identificados, nas regiões do alto rio Envira, nas cabeceiras dos igarapés Xinane e Riozinho, localizados nas terras indígenas vizinhas.

Com o passar dos anos estes grupos de isolados vêm aumentando suas “visitas” às aldeias dos Huni Kuĩ em busca de ferramentas de metal (machado, terçados, facões) e outros utensílios domésticos. Tal presença nas aldeias e localidades vizinhas aumenta durante o período do verão amazônico.

As lideranças Huni Kuĩ do Humaitá realizam há vários anos ações de monitoramento e proteção aos isolados, mantendo uma política de não contato, bem como um trabalho de sensibilização dos vizinhos não indígenas, moradores do entorno da terra.

Além do desafio para manter uma política de proteção aos isolados, seguindo as recomendações da Funai, ações estratégicas de monitoramento indígena para a proteção territorial foram iniciadas dada a dinâmica de pressões sobre a terra indígena, entre elas as queimadas e desmatamentos em pequenas e grandes propriedade rurais localizadas no entorno da terra indígena, ao longo do rio Muru.

A região da foz do Humaitá, entrada localizada ao norte dos limites da Terra Indígena e a parte oeste, subindo o rio Muru concentra grandes desmatamentos para abertura de campos para atividade agropecuária na região. Ao longo dos anos as queimadas na região de entorno foram bastante intensas, com crescimento preocupante a cada ano. Entre os anos de 2015 a 2022 dados de focos de calor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registraram 4.080 focos na região de entorno da terra indígena, uma média de 510 focos de calor por ano. Em 2022 esses focos chegaram a 1.092, um aumento de 67% em relação ao ano de 2021, no qual foram registrados 654 focos (INPE/BD Queimadas, 2022).

A CPI – Acre monitora essas informações a fim de subsidiar e fortalecer as ações de gestão e proteção territorial dos Huni Kuĩ do Humaitá, que são estratégias para evitar o avanço das ameaças (invasões e desmatamento), uma vez que elas já estão “batendo na porta de entrada” do território. Nos últimos dezoito meses na TI Kaxinawa do Rio Humaitá foram realizadas, com apoio da CPI-Acre, várias excursões de monitoramento, cursos e oficinas de formação em tecnologias socais e intercâmbios. Em âmbito interinstitucional as discussões com OPI, Funai e Coiab também estão contribuindo para fortalecer os Huni Kuĩ e proteger os dois povos. Nesta quinta-feira, 27, CPI-Acre e Funai se juntaram para mais um apoio com combustível, lanternas, alimentação e segurança para as casas, atendendo a solicitação dos Huni Kuĩ.

Vale observar que, a terra indígena demarcada, protege e amortece as pressões já que as malocas dos “parentes brabos” se situam aos fundos da área, além de evidenciar a importância da gestão das terras indígenas e seus povos para a proteção dos povos (isolados ou não), proteção das florestas, bem como para a manutenção do clima em escala global.