Ana Luiza Melgaço e Stoney Nascimento
No contexto da pandemia e do trabalho remoto continuamos apresentando ao leitor atividades realizadas nas terras indígenas no Acre em parceria com Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs), caciques, mulheres, professores indígenas. A Coluna destacou na semana passada ações de fortalecimento da segurança alimentar. Hoje, apresentamos a proteção territorial e monitoramento na TI Mamoadate, que teve, recentemente, o Plano de Monitoramento concluído. O plano foi organizado no âmbito da parceria entre a Comissão Pró Índio do Acre (CPI-Acre) e o Projeto Amazônia 2.0 da UICN (União Internacional pela Conservação da Natureza) no Brasil, e será publicado após validação final na terra indígena.
A TI Mamoadate é onde vivem os Manxineru e Jaminawa, e sazonalmente grupos de índios em isolamento voluntário, conhecidos como Mashco Piro. A TI foi identificada em 1977, demarcada em 1986 e homologada pelo Decreto 254, de 30/10/1991, possui 313.646 hectares. Está localizada no rio Iaco, afluente da margem direita do rio Purus, fazendo parte dos municípios de Assis Brasil e Sena Madureira. Esse território é ocupado por cerca de 1.016 indígenas Manxineru ou Manchineri, família linguística Arauak, organizados em 12 aldeias, e por 195 Yaminaua ou Jaminawa, família linguística Pano, organizados em 4 aldeias, totalizando uma população aproximada de 1211 indivíduos.
Em 2015, os povos Manxineru e Jaminawa da TI Mamoadate atualizaram o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) com o apoio da CPI-Acre, Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Acre (SEMA – AC) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Entre as ações realizadas, está a articulação interna das lideranças de ambos povos para realizarem o monitoramento do território, que também contempla o acompanhamento de índios isolados da região.
O monitoramento territorial é uma importante estratégia da gestão territorial e ambiental das TIs. O Plano de Monitoramento Territorial da TI Mamoadate foi sistematizado pela equipe da CPI-Acre a partir do resultado de oficinas, cursos de formação, seminários, viagens de assessoria, excursões de vigilância, articulação interinstitucional realizadas nos últimos 5 anos por equipes técnicas de indígenas e não indígenas.
Plano de Monitoramento
O Plano de Monitoramento foi elaborado a partir de oito perguntas orientadoras, que foram respondidas pelos Jaminawa e Manxineru nas atividades de formação: 1) O que monitorar e por quê? 2) Onde e como realizar o monitoramento? 3) Quem realiza e com quem se articula apoio? 4) Quais ferramentas ou equipamentos de registro ou relatório seriam necessários? 5) Quando e com que frequência o monitoramento se daria? 6) Quais requisitos são necessários para o monitoramento? 7) Que tipo de informação seria produzida e qual seria a utilidade? 8) Haveria um filtro para divulgar e usar as informações, quais? Também foi elaborado participativamente um mapa de análise territorial e dinâmica social que considera: as diversas ameaças e pressões, priorizadas de acordo com parâmetros como causas e responsáveis e as ações em curso, ou a considerar, para fazer face a ameaças e pressões, de acordo com o seu nível de impacto e riscos.
Por estar em área de fronteira no estado do Acre, Brasil, com o Departamento de Madre de Dios, no Peru, a TI Mamoadate é palco de dinâmicas transfronteiriças que afetam tanto os povos Jaminawa e Manxineru, como outros moradores da região de fronteira. As madeireiras ilegais e invasões, atividades ilícitas, empreendimentos petrolíferos na fronteira peruana, além de propostas para obras de infraestrutura viária e abertura de ramais e estradas, são consideradas as principais ameaças.
As principais pressões e ameaças apontadas pelos Manxineru e Jaminawa da TI Mamoadate foram definidas como alvos de monitoramento e a partir destas, foram elaboradas estratégias de ação para cada uma das ameaças, incluindo a agenda de monitoramento de cada alvo. Sendo eles: 1) Desmatamento e retirada ilegal de madeira; 2) Caça ilegal; 3) Pesca predatória; 4) Abertura de estradas e ramais; 5) Invasões, acampamentos ilegais, piques usados por forasteiros e deslocamento de índios em isolamento voluntário.
No contexto da degradação e desmatamento, o professor Zé Paulo Jaminawa, da TI Mamodate, diz que monitorar é importante por conta do aumento dos focos de incêndio, que são consequência de invasões recorrentes na TI, o que deixa a comunidade em alerta. “Hoje em dia nós estamos assim preocupados mais com invasão, muitas queimadas. A TI está rodeada de fazendeiros, no dia a dia nós que estamos dentro da nossa terra, nós que fazemos todas as coisas que acontecem dentro da nossa terra né. O problema da Resex Chico Mendes estar diminuindo, então se nós não cuidar, se nós não preparar, na terra indígena a coisa ia ser pior”, completa o professor.
Com a intenção de modernizar o monitoramento e torná-lo mais atrativo, representantes da TI Mamoadate iniciaram em 2020 um processo, ainda experimental, de monitoramento com uso de smartphones e aplicativos de tecnologias abertas (formulários taskfield, GPS status e plataforma SMAP) para auxiliar no acompanhamento dos vários tipos de ameaças. Os indígenas passaram por um processo de formação e realizam as atividades de uso dos smartphones para o monitoramento em seus territórios com o apoio técnico da equipe da CPI-Acre e apoio técnico e financeiro da Rainforest Foundation da Noruega (RFN), WWF- Brasil e UICN-Brasil.
Organizar o Plano de Monitoramento, a partir de anos de trabalho em parceria, é um ganho efetivo. Dinamizá-lo, apoiar sua atualização e uso pelas comunidades é a principal etapa pós elaboração. As estratégias de gestão territorial e ambiental, focando no monitoramento, são para fortalecer os Manxineru e Jaminawa em sua terra indígena, mas também para dialogar com o poder público para que cumpra com suas atribuições na proteção dos povos e das florestas.