Cartazes produzidos por indígenas durante a caravana (Foto: Leilane Marinho)

Quatro caravanas agroecológicas vindas de Boca do Acre, Mâncio Lima, Assis Brasil e Tarauacá, chegaram em Rio Branco nesta quarta-feira, 12, trazendo agricultores familiares, indígenas, extrativistas, professores e estudantes que durante uma semana vivenciaram de forma coletiva as experiências agroecológicas no Acre.

Realizada no Brasil desde 2014, esta é a primeira vez que as caravanas agroecológicas acontecem no estado. Os coletivos percorreram territórios agroalimentares deste o interior até Rio Branco numa programação que culminará nesta sábado, 15, no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF) da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), uma das parceiras do evento que é organizado pela Comissão da Produção Orgânica do Acre e o Centro Vocacional Tecnológico (CVT) de Agroecologia, formado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC), Universidade Federal do Acre (UFAC) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Cerca de 100 pessoas viajaram nas “Caravanas da Agroecologia do Acre: pelos territórios da Agricultura Familiar da Amazônia”, entre elas representantes dos povos indígenas Apurinã (Popunkare), Puyanawa, Manxineru, Jaminawa, Shanenawa e Huni Kuĩ.

Os caravaneiros visitaram as produções agroecológicas em Terras Indígenas (TIs), como a TI Katukina/ Kaxinawá, em Feijó. “Foram dois dias de muita troca e uma oportunidade para mostrar nosso trabalho como agente agroflorestal indígena (AAFI)” conta o AAFI Ismael Brandão Siã Shanenawa, cacique da aldeia Shane Kaya.

Durante a visita da caravana de Tarauacá, Siã mostrou um Sistema Agroflorestal (SAF) com açaí, graviola, coco, inhame, cupuaçu, pupunha e acerola e o quintal agroflorestal que mantém próximo à sua moradia na aldeia. “Expliquei a diferença dos dois SAFs e como fazemos os plantios e os manejos. No meu quintal agroflorestal plantei macaxeira, milho, manga, coco, mamão, banana e plantas medicinais. Quando a macaxeira e o milho param de produzir eu uso os resíduos das plantações como adubos nas bananeiras”, explica.

Agente agroflorestal indígena, Ismael Siã mostrou a produção de alimentos na aldeia Shane Kaya (Foto: Leilane Marinho)

Na aldeia Shane Kaya, o grupo conheceu na mesa a rica produção de alimentos dos AAFIs. “Servimos nossas comidas tradicionais, com milho, macaxeira, cará e peixe assado. Mas foi a macaxeira doce, que não precisa ser cozida para comer, que chamou mais atenção”, completa Siã, que com a ajuda de um professor indígena resgatou esse antigo alimento dos Shanenawa.

Após a TI Katukina/Kaxinawá, o coletivo seguiu para a colônia “Chuva com Vento”, também em Feijó, do produtor Francisco Pereira dos Santos. Com 73 anos e quatro filhos, ele cultiva frutas, tem plantação de café, uma pequena criação de porco e gado e na sua casa de farinha atende com sua despolpadeira de frutos a comunidade local que planta açaí. “As pessoas chegam aqui com as sacas e passamos o dia “pelando” o açaí”, conta Francisco que partilhou com o grupo seus modos de cultivo e também as dificuldades do trabalho no campo.

Na UFAC, o agricultor familiar Francisco Pereira conta sua experiência no campo para os participantes da caravana (Foto: Leilane Marinho)

As caravanas permitem aos participantes refletirem sobre os distintos modelos de produção e sistemas agroalimentares e de acordo com Romier da Paixão Sousa, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), “essa ideia de colocar indígenas, camponeses e estudantes dentro de um ônibus e ir visitando diferentes experiências permite ter olhares diversos em relação às mesmas, mas com reflexões conjuntas”. “É uma produção do conhecimento de forma horizontalizada”, acrescenta.

Para Romier, que é professor do Instituto Federal do Pará (IFPA), o debate sobre agroecologia na Amazônia gira em torno do desafio de fortalecer a segurança e a soberania alimentar dos povos que vivem nas florestas e nos campos.  “A agroecologia para esses povos é a diversificação da produção e valorização das culturas. Queremos primeiro que essas pessoas garantam sua identidade e sustentabilidade nos territórios e a partir daí possam acessar ou mesmo construir mercados diferenciados”, pontua.

Um dos organizadores da caravana, Flávio Quental, que é coordenador da Comissão Orgânica no Acre e analista de conservação do WWF-Brasil, ressalta que as caravanas têm um forte componente político. “É um movimento que defende território, cultural, identidade, e diversidade da produção e de saberes, se contrapondo aos retrocessos da legislação ambiental”, diz.

A 1ª Caravana da Agroecologia no Acre finaliza na manhã deste sábado, 15, no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF) da CPI-Acre, com um encontro de jovens e feira de sementes.  (Comunicação/CPI-Acre)