Matéria publicada originalmente na coluna Papo de índio do Jornal Pagina 20
A semana passada foi de movimentada articulação dos povos indígenas no contexto acreano e nacional. No Acre um grupo de lideranças indígenas formado por caciques e agentes agroflorestais indígenas protocolaram, dias 20 e 21 em várias instituições públicas a “Carta das Lideranças Indígenas para os Governos e a Sociedade.” A Carta, já divulgada e disponível em várias mídias, manifesta a disposição das lideranças em se manterem unidas e em alerta constante pela garantia dos direitos indígenas e traz um conjunto de reivindicações referentes a tais direitos.
No início da semana, lideranças, agentes agroflorestais, professores, representantes de mulheres e de associações de oito Terras Indígenas (TIs) no Acre, membros da Comissão Indígena de Acompanhamento e Avaliação do Projeto Experiências Indígenas de Gestão Territorial e Ambiental no Acre, reuniram-se durante dois dias no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF). O objetivo foi avaliar, acompanhar e planejar as próximas ações do projeto que visa a implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas apoiados pelo Fundo Amazônia.
No dia 22 ocorreu a 1ª reunião do ano da Câmara Temática Indígena com a missão alemã de monitoramento do Programa REM –composta por membros do KfW, Banco de Desenvolvimento da Alemanha. Na ocasião, indígenas entregaram à chefe da comitiva do Banco a “Carta das Lideranças Indígenas para os Governos e a Sociedade” e destacaram os pontos contidos no documento que cobram a retomada imediata do Programa REM, cujos recursos apóiam o benefício aos agentes agroflorestais indígenas, além de projetos comunitários.
Durante a reunião os titulares da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) e do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais(IMC) se comprometeram em manter a agenda do Programa REM e enfatizaram a disposição para dialogar com os povos indígenas.Representante dos agentes agroflorestais indígenas, Marcondes Puyanawa, ressaltou urgência na continuidade das ações: “Estamos praticamente no meio do ano e a paralisação já está causando muitos prejuízos para a categoria dos AAFIs”, contestou.
Os indígenas solicitaram também revisão na composição da Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento(CEVA) para que seja incluída uma representação indígena. A Câmara Temática Indígena é vinculada a CEVA, que é a principal instância de governança do Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais do Acre (SISA) e acompanha a agenda povos indígenas no referido Sistema, entre as quais o Programa REM. A Câmara é formada por associações indígenas, pela Comissão Pró Índio do Acre (CPI-Acre), Funai e governo do Acre.
Concomitante a essas movimentações e articulações no estado, de 20 a 26 foi realizada em Rio Branco a 4ª Assembleia da Federação do Povo Huni Kuĩ, reunindo cerca de 300 indígenas daquele povo das 12 terras indígenas Huni Kuĩ do Acre.
No contexto nacional o Fundo Amazônia foi destaque na grande mídia. Sendo a principal fonte de recursos para combater o desmatamento na Amazônia, o Fundo, que é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com resultados, sistema de governança e competência de gestão comprovados, é imprescindível para que a região amazônica se desenvolva com conservação, por isso deve ser fortalecido.
Para Francisca Arara, representante da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), “a crise no BNDES significa desalinhamento no governo em Brasília quanto a importância dos projetos do Fundo Amazônia nas comunidades. A implementação dos PGTAs [Planos de Gestão Territorial e Ambiental] são atividades de gestão territorial e ambiental que acontecem nas terras indígenas. Os recursos do Fundo, através dos planos, são para a manutenção e manejo da floresta; para garantir a segurança alimentar com produção sem veneno com práticas culturais tradicionais que são fortalecidas. Paralisar o Fundo e afirmar que os projetos não apresentam resultados mostra um desconhecimento do ministro [do Meio Ambiente] sobre projetos que são bem executados, evitam desmatamento e contribuem com o equilibriodo clima”, conta Francisca.
Contudo, uma vitória dos povos indígenas pôde ser comemorada nesta semana. Em Brasília a votação da Medida Provisória 870 no plenário da Câmara dos Deputados movimentou intensamente uma frente comprometida de parlamentares, indígenas e indigenistas para a aprovação do retorno da Funai para o Ministério da Justiça e permanência da demarcação no órgão indigenista.
Fechando o mês de maio e finalizando a 10ª edição do Projeto Abril no Acre Indígena, alinhando o local e o nacional na luta por direitos plenos, publicamos na Coluna a Nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB. (Assessoria de Comunicação da CPI-Acre).
Nota da APIB sobre a aprovação do texto da MP 870/2019
No primeiro dia de seu mandato o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória N°. 870/2019. Ela seria o prenúncio de tantos despropósitos que temos visto nesse governo. Entre outras coisas a MP, atendendo ao clamor ruralista, fatiou um dos órgãos mais antigos do Estado Brasileiro, a FUNAI.
Sem qualquer constrangimento, o governo transferiu a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, desconsiderando o histórico de conflitos inerente às pastas. As demais atribuições do órgão, por sua vez, ficaram a cargo do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. O que não seria exatamente um problema, não fosse a responsável pela pasta declaradamente machista, tuteladora e alguém que não vê problemas em aplicar suas convicções religiosas ao trabalho.
Diante desse imenso retrocesso diversas mobilizações foram iniciadas para garantir que a MP não fosse aprovada no Congresso Nacional. No dia 09 de maio garantiu-se na Comissão Mista a aprovação das emendas que previam o retorno da Funai para o Ministério da Justiça juntamente com as suas responsabilidades mais significativas, a demarcação e proteção das terras indígenas e a participação no licenciamento ambiental. Ontem, dia 22 de maio conseguimos uma importante vitória histórica para os povos indígenas e seus aliados, com a confirmação do mesmo texto da Comissão Mista no plenário da Câmara dos Deputados. Ainda temos mais um capítulo dessa batalha, onde o texto ainda enfrentará o plenário do Senado Federal, onde temos a certeza que deverá ser confirmado.
O caminho trilhado até o atual texto da MP é resultado da união das forças de várias pessoas e instituições; parlamentares, de indígenas e de indigenistas e vem encorajar a sociedade brasileira a se manter em permanente e coordenada mobilização contra os retrocessos desse governo reacionário e fascista.
Esse resultado apenas vem confirmar o quanto a representação indígena no Congresso Nacional é essencial. O protagonismo da deputada Joênia Wapichana (REDE), que esteve à frente das articulações na Comissão Mista e no Plenário da Câmara dos Deputados, foi determinante. É dela, também, o mérito pela formação e pela coordenação da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, composta por 219 deputados e 29 senadores e que foi também fundamental por mais essa conquista.
Joênia, levou ao Congresso às demandas das mobilizações indígenas ocorridas durante o 15° Acampamento Terra Livre, e teve intenso apoio dos Indigenistas Associados (INA), associação formada majoritariamente por servidores da FUNAI compromissados com o órgão e com os povos indígenas, que encabeçaram a campanha “Funai inteira e não pela metade”.
Apesar dessas vitórias ainda é preciso garantir que o texto assim permaneça na votação que ocorrerá no plenário do Senado.
O governo, tomado pelos ruralistas, não quer largar o osso e insiste em manter a demarcação e o licenciamento nas mãos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Mesmo após o plenário da Câmara aprovar o texto da MP n°. 870 com a devolução da demarcação e do licenciamento para a Funai, o presidente do INCRA e o presidente Substituto da Funai mantém Portaria Conjunta n. 917, para constituição de “comissão mista para tratar das medidas necessárias à transição de processos e procedimentos operacionais pertinentes a parte das pautas sob atribuição de Diretorias da Fundação Nacional do Índio – FUNAI”, publicada dia 09 de maio no Diário Oficial.
Tirem as mãos da demarcação!
A terra é o princípio de tudo. Ela é nossa mãe e nosso pai. Em evento realizado no Superior Tribunal de Justiça em 08 de maio a ministra Damares Alves disse ao ministro Sérgio Mouro que estava brigando com ele pela Funai. Segundo a ministra, “a Funai tem que ficar com a mamãe Damares e não com o papai Moro”. A manifestação beira o ridículo e seria risível se não remetesse ao período nefasto da história desse país em que os indígenas eram tutelados e equiparados a crianças.
Nessa mesma reunião, o ministro rebateu afirmando que “não tem interesse em ficar com a Funai”. Não nos importa seu interesse, ministro! Não estamos pedindo favor algum. Estamos exigindo justiça! É dever do Estado brasileiro cumprir com suas obrigações constitucionais e fazer justiça aos povos originários. Povos que, nunca é demais lembrar, devem ser consultados, pois a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, assim determina.
Estamos atentos às investidas desse governo ruralista, tentando provocar nossa desunião, cooptando lideranças indígenas com o discurso raso e falacioso da abertura das nossas terras para o agronegócio. Nossa relação com a terra é de sustentabilidade, de respeito com a mãe natureza. A terra está gritando, está pedindo socorro e há quem não escute esse clamor.
Estamos acompanhando de perto os trabalhos no Congresso Nacional, unidos e ao lado das pessoas certas. Não admitiremos que os ruralistas deem o tom do que deve acontecer com a terra nesse país. Essas terras têm dono: os povos originários do Brasil e lutaremos por elas até a última gota de nosso sangue!
Brasília/DF, 23 de maio de 2019.
SANGUE INDÍGENA NAS VEIAS A LUTA PELA TERRA
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB