Entre os dias 26 a 30 de agosto, foi realizada a primeira Oficina de Elaboração do Protocolo de Consulta da Terra Indígena Campinas Katukina, povo Noke Ko’í ( Katukina), com a presença de mulheres, jovens, lideranças e anciões de oito aldeias, reunindo uma média  de 50 indígenas. Esta foi a primeira de um ciclo de três oficinas ministradas pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre) e Associação Katukina do Campinas (AKAC), em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai), Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC) e com a colaboração da Defensoria Pública do Estado do Acre. A oficina faz parte Projeto Corredor Socioambiental Alto Juruá-Purus, com apoio da Rainforest Foundation Norway (RFN).

A TI Campinas Katukina fica às margens da BR 364, no sentido Rio Branco – Cruzeiro do Sul, sendo o trecho Rodrigues Alves-Taraucá o que passa dentro da TI. O processo de pavimentação da BR 364 é um dos mais emblemáticos sobre os impactos que empreendimentos causam na vida dos Noke Koí e a ausência ou inadequação de consulta livre, prévia e informada. Mais recentemente o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) também chegou na TI sem passar por consulta às comunidades. Durante a oficina os relatos e os efeitos destas iniciativas foram apresentados e debatidos.

Desde 2004, com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), passou a ser lei no Brasil o direito à consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e tradicionais. Um meio de fortalecer a consulta e a aplicação da Convenção 169 é a elaboração de protocolos próprios que permitem que as comunidades indígenas cheguem a acordos internos com relação a quem os representa e como devem ser conduzidos os processos de tomada de decisão em casos de consultas do Estado. Em resumo, o Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada é uma proposta que formaliza perante o Estado a diversidade de procedimentos adequados de dialogar com cada povo indígena para que participem de processos de tomada de decisões sobre o que pode afetá-los.

Na TI Campinas Katukina, um dos pontos fortes da oficina foi discutir a governança do povo com base na escuta. Os participantes avaliaram, atualizaram informações e entendimentos. Os anciãos das aldeias ensinaram aos mais jovens os modos como os Noke Koí tomam decisões. “Os indígenas trouxeram muitas falas sobre a importância da participação comunitária para tomar as decisões. Houve um encontro de gerações, os mais velhos foram convidados a participar e deram testemunhos chaves da conquista da terra e da governança tradicional Noke Koí”, conta Vera Olinda, mediadora da oficina.

Grupo de jovens discute tradução do protocolo (Foto: Tarik Argentim)

A defensora pública Cláudia Aguirre colaborou com a oficina, e segundo ela, essa foi a primeira vez que a Defensoria Pública do Acre participou desse tipo de iniciativa. “Além a atuação judicial é previsto uma ampla gama de atividades extra-judiciais, que são atribuições, funções institucionais da Defensoria Pública, dentre elas, promover a difusão e conscientização dos direitos humanos e do ordenamento jurídico, e trabalhar nessa seara de educação em direitos. Foi pensando nisso que fiz minha exposição sobre o funcionamento do Estado brasileiro para o povo Noke Koí, para que eles pudessem compreender essa estrutura complexa, e que a partir disso eles pudessem pensar na formação e depois apresentação desse protocolo de consulta”, explica Cláudia.

Outros mediadores da oficina foram Petrônio Katukina, vice-presidente da Associação Katukina do Campinas (AKAC) e Edilson Puá Katukina, coordenador da AMAAIAC . “Estou contente de ter conseguido realizar a oficina aqui na nossa terra. Eu solicitei à CPI-Acre que o 2º protocolo fosse na nossa terra indígena. Aqui é muito perto da cidade, chegam vários projetos aqui sem consulta. Algumas pessoas e até governos vem aqui e falam com uma ou duas pessoas e já dizem que a decisão é da comunidade. Então vivemos isso com frequência e o protocolo é pra ajudar a organizar nossa comunidade. A oficina trouxe mais informações para os jovens e debateu sobre as decisões internas e externas”, disse Puá.

De acordo com Vera, por ser muito próximo a cidade de Cruzeiro do Sul e nas margens da BR 364, a TI Campinas Katukina sofre muitos impactos e transformações. “São mudanças muito rápidas, o impacto mais acelerado, os riscos de ser terra indígena em uma BR com fluxo dia e noite traz alterações que precisam de um conjunto de medidas de proteção e políticas fortes para que o povo não fique mais vulnerável ainda.  Na oficina, eles fizeram reflexões sobre essas mudanças, o que é positivo e negativo. O encontro permitiu discutir vários assuntos, dentro do tema direitos indígenas e elaboração de protocolos, para salvaguardar esses direitos”, disse a mediadora completando: “Os protocolos são instrumentos que os povos indígenas estão construindo e elaborando, que é importante balizador para a relação dos indígenas com o Estado brasileiro e tem tido forte incidência na ONU”.

A primeira TI no Acre a ter um protocolo de consulta foi a TI Mamoadate, território localizado numa região de tríplice fronteira (Brasil, Peru e Bolívia), onde estão previstos projetos de construção de estradas e outras iniciativas de desenvolvimento regional e integração entre esses países. O protocolo foi elaborado pelos povos Manchineri e Jaminawa e durante a oficina na TI Campinas Katukina, o professor indígena Edipaulo Manchineri fez uma exposição sobre a experiência de construção do Protocolo de Consulta e Consentimento dos Povos Jaminawa e Manchineri da TI Mamoadate, destacando que o processo – muito rico – começou em 2014 com as oficinas sobre direitos indígenas, iniciativa do professor Lucas Manchinere, o que facilitou a elaboração do Protocolo da TI Mamoadate.

(Foto: Tarik Argentim)

Na TI Campinas Katukina, o primeiro resultado da oficina foi a definição de uma agenda para as próximas etapas da elaboração do protocolo. A partir de agora se inicia uma série de reuniões comunitárias para discutir os conteúdos da primeira oficina, ampliar informações e esclarecimentos e levantar novas sugestões para o Protocolo. Além disso, foi criada uma Comissão Indígena par elaboração do Protocolo da TI Campinas Katukina formada pelos dois coordenadores indígenas da oficina, um representante de jovem, uma das mulheres e um tradicional. As reuniões comunitárias deverão contar com a colaboração da Funai – CR Alto Juruá e da Defensoria Pública do Acre – Núcleo de Cruzeiro do Sul.

por Vera Olinda e Leilane Marinho