Edison Rosa Poá e Leilane Marinho

 

Desde 2004, com o Decreto Nº 5.051, que promulga a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, passou a ser lei no país o direito à consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e tradicionais. A Convenção 169 é um texto fundamental sobre direitos dos povos indígenas e tribais em nível global, discorrendo sobre o direito desses povos à terra e aos recursos naturais, a não-discriminação e a viverem conforme suas especificações culturais. Um meio de fortalecer a consulta e a aplicação da Convenção 169 é a elaboração de protocolos próprios que permitem que as comunidades indígenas pactuem como essas consultas devem ser realizadas.

A participação efetiva dos povos indígenas em decisões públicas, seja na formulação e execução de políticas específicas ou de programas e projetos que impactam as terras indígenas, é uma constante preocupação das lideranças indígenas no país, que agora estão em alerta: o governo federal quer anular o direito a consulta, com o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 177/2021. A Câmara dos Deputados criou uma enquete para saber a opinião pública sobre este Projeto de Decreto.

O PDL de autoria do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), pretende autorizar o Presidente da República a denunciar a Convenção 169, ou seja, remover o Brasil desse importante tratado internacional. A OIT prevê que a Convenção pode ser renovada ou retirada pelos Estados membros a cada 10 anos, e o entendimento jurídico diz que o prazo começa a valer por 1 ano a partir de setembro de 2023. No entanto, parece que o governo federal, que tenta de todas as formas atacar as populações indígenas e tradicionais, acredita que pode desrespeitar esse prazo. A consulta prévia, dentre outros direitos previstos expressamente na Convenção 169, é parte fundamental para a garantia dos direitos humanos dos povos indígenas, não podendo haver retrocesso neste aspecto.

O direito de consulta passou a ser tema debatido nas formações com Comissão Pró Índio do Acre (CPI-Acre) em oficinas especificas realizadas no período de 2011 a 2016, realizadas em parceria com a Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC) e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), com vistas a garantir a aplicação da Convenção 169 da OIT.

Um desdobramento desse trabalho foi a oficina para a construção do Protocolo de Consulta e Consentimento dos Povos Jaminawa e Manchineri da Terra Indígena Mamoadate, ocorrida em dezembro de 2017. A TI Mamoadate foi a primeira terra indígena no Acre a elaborar o protocolo, e sua prioridade se deu por estar em uma região de tríplice fronteira (Brasil, Peru e Bolívia), onde estão previstos projetos de construção de estradas e outras iniciativas de desenvolvimento regional e integração entre esses países. Essas investidas estabelecem também um cenário de ameaças aos direitos territoriais dos povos indígenas da região, inclusive os indígenas em isolamento voluntário que habitam esse território.

Na TI Campinas Katukina, um dos pontos fortes da oficina foi discutir a governança do povo com base na escuta. (foto: Vera Olinda)

Entre julho e dezembro de 2019, foram realizadas as Oficinas de Elaboração do Protocolo de Consulta da Terra Indígena Campinas Katukina, povo Noke Ko’í ( Katukina), ministradas pela CPI-Acre, AMAAIAC e  Associação Katukina do Campinas (AKAC), como parte das atividades do Projeto Corredor Socioambiental Alto Juruá-Purus, que tem apoio da Rainforest Foundation Norway (RFN). As oficinas ocorreram em parceria com a RCA, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Defensoria Pública do Estado do Acre.  A TI Campinas Katukina fica às margens da BR 364, no sentido Rio Branco – Cruzeiro do Sul, sendo que o trecho Rodrigues Alves-Tarauacá passa dentro da terra indígena e o processo de pavimentação ocorreu com ausência ou inadequação de consulta livre, prévia e informada.

Nesta semana, a coluna Papo de Índio publica o Protocolo de Consulta da Terra Indígena Campinas Katukina, povo Noke Ko’í ( Katukina), que está disponível na íntegra aqui.

 

Edilson Poá (foto: Leilane Marinho)

Apresentação do Protocolo Katukina por Edilson Poá

Nosso Protocolo de Consulta foi feito pelas comunidades da Terra Indígena Campinas Katukina. Esse documento representa que estamos nos organizando para a consulta livre, prévia e informada. Nenhum projeto pode chegar na Terra Indígena sem consultar a comunidade.

A consulta não é apenas uma conversa. A consulta é para que a comunidade entenda o que está sendo consultado e participe das discussões, para tomar a decisão melhor para o povo Noke Ko’í. Como nossa Terra Indígena é próxima da cidade, é uma terra cortada pela BR 364, temos enfrentado muitos problemas. Mas estamos com disposição para resolver os problemas internos, ou externos.

Nosso Protocolo foi construído em duas oficinas, que foram realizadas em agosto e dezembro de 2019. Entre as oficinas aconteceram as reuniões comunitárias, para discutir um pouco mais sobre como o povo Noke Ko’í quer ser consultado. As oficinas foram coordenadas pela Comissão Indígena de Elaboração do Protocolo de Consulta. Foi muito bom esse momento de construção. Participaram das oficinas representantes das sete aldeias.

Por acreditar que a consulta vai ajudar meu povo, eu conversei com a CPI-Acre e com a RCA para que apoiassem essas oficinas. A professora da CPI-Acre veio fazer as oficinas na nossa Terra Indígena. Em Cruzeiro do Sul convidamos a Funai e a Defensoria Pública Estadual – Núcleo de Cruzeiro do Sul, que também participaram.

Tivemos que paralisar por causa da minha saúde e da pandemia do Coronavírus. Mas agora recuperei minha saúde e posso acompanhar todos os passos, até ter o Protocolo da Terra Indígena Campinas Katukina, povo Noke Ko’í, finalizado e imprenso.