foto: Gleison Miranda

O Último Refúgio

A fronteira entre Brasil e Peru abriga uma das maiores populações de indígenas em isolamento da Amazônia, e possivelmente, do mundo. Ao longo da história, esses povos resistiram à violência das diferentes frentes econômicas da colonização da floresta. São os sobreviventes dos massacres organizados por seringalistas e caucheiros no início do século passado. Fugiram para as zonas mais inacessíveis da mata, onde nascem os afluentes da margem direita dos rios Solimões e Amazonas. Hoje, esses índios não mantêm contato permanente com a sociedade nacional, mas têm o direito de continuar vivendo dos recursos que a natureza oferece.

foto: Gleison Miranda

Riquíssimas em biodiversidade, as florestas da divisa do estado brasileiro do Acre, com os departamentos peruanos de Ucayali e Madre de Dios, servem de refúgio para esses povos indígenas que não conhecem os limites nacionais. Nessa fronteira, há 15 milhões de hectares em áreas protegidas outorgadas pelos governos dos dois países nas últimas décadas.

No lado acreano, são quatro áreas oficialmente reconhecidas para a proteção desses povos: Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, Terra Indígena Alto Tarauacá, Terra Indígena Riozinho do Alto Envira, e o Igarapé Taboca Alto Tarauacá, em situação de restrição de uso. Elas somam 636 mil hectares, 26% da extensão total das Terras Indígenas do Acre. Em Ucayali e Madre de Dios são 2,3 milhões de hectares, divididos em quatro áreas destinadas aos grupos em isolamento: as Reservas Territoriais de Madre de Dios, Isconahua, Murunahua e Mashco Piro.

Mas os grupos isolados que habitam essa região fronteiriça não ficam restritos a essas áreas, ao contrário, estendem seus terrenos de moradia e deslocamento por outras terras indígenas e unidades de conservação onde vivem índios que interagem com o Estado e ribeirinhos.

Para encontrar diversidade de alimento, o índio isolado necessita de extensas e preservadas áreas de floresta. Qualquer impacto negativo sobre o seu território de uso pode representar problemas de subsistência e conflitos com as populações do entorno. O Estado deve reconhecer oficialmente esses povos e implementar políticas públicas para a proteção dos seus territórios, garantindo a integridade da floresta onde vivem.

Os Isolados na Fronteira Acre-Peru

No Acre, existe a confirmação de quatros grupos diferentes de índios isolados. Três são de etnias ainda não identificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), órgão federal responsável pela política indigenista brasileira. Fixaram-se nas cabeceiras dos rios Humaitá, no Alto Igarapé Xinane, e no Alto Riozinho, ao longo do paralelo 10º Sul na fronteira com o Peru. Provavelmente, são falantes de línguas da família Pano.

Segundo dados reunidos em sobrevoos e expedições da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira da FUNAI no Acre, estão concentrados em três conjuntos de malocas com aproximadamente 75 habitações cada. Cultivam milho, macaxeira, mamão, banana, batata doce, amendoim, urucum, cana, entre outros, e também algodão para a confecção de roupas e ornamentos. A FUNAI denominou os três grupos de Isolados do Riozinho, Isolados do Humaitá/Envira e Isolados do Xinane.

Os Isolados do Riozinho estão localizados na margem direita do rio Riozinho, na Terra Indígena Riozinho do Alto Envira, e possuem casas altas no meio do roçado. Os Isolados do Humaitá/Envira vivem em uma imensa maloca com cerca de 35 metros, na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira.

Os Isolados do Xinane, que estão fixados no igarapé Xinane, na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, são, na verdade, oriundos das cabeceiras do rio Envira no território peruano. Ficou constatado que esses índios migraram do Peru para o Brasil para fugir de madeireiros que invadiram suas terras. Esses fatores não só causaram reordenamentos territoriais, redefinição de suas áreas de uso e deslocamentos, mas também culminou no próprio contato, como o que foi registrado pelos servidores da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, na aldeia Simpatia do povo Ashaninka, TI Kampa e Isolados do Rio Envira, em junho de 2014.

O quarto grupo de isolados, conhecido como Mashco Piro, é nômade e transita entre as florestas peruana e brasileira. Caçadores e coletores, os indígenas da família Arawak descem os rios em busca de alimento do Peru até o Acre. Durante a seca amazônica, centenas de índios cruzam a fronteira e armam seus tapiris pelas praias dos Chandless, Envira, Iaco e Purus, adentrando à Terra Indígena Mamoadate, e ao Parque Estadual Chandless.

No território peruano, os Mashco Piro se dividem em três grandes grupos geograficamente distintos. Segundo o estudo da antropóloga Beatriz Huertas, um deles habita a bacia do rio Purus, no departamento de Ucayali. Os outros dois estão localizados nas bacias dos rios Las Piedras e Manu, no departamento de Madre de Dios.

No Peru, o bloco de floresta entre os divisores de água dos rios Juruá, Purus e Ucayali abriga outros povos isolados que guardam similaridades linguísticas entre si. Segundo Huertas, pertencem à família Pano. São conhecidos como Murunahua, Chitonahua, Mastanahua e Isconahua pelas populações vizinhas, que há décadas criaram esses nomes em alusão as suas características específicas.

A antropóloga também afirma que existem outros grupos nas cabeceiras dos rios Tahuamanu, Yaco, Chandless, Las Piedras, Mishagua, Inuya, Sepahua e Mapuya, que até agora não puderam ser identificados.

Veja o mapa de Índios Isolados (ano 2019)

Políticas de Proteção

Brasil e Peru possuem 71% da extensão total da Amazônia e partilham cerca de 2,8 mil quilômetros de fronteira. O Estado brasileiro possuiu uma política nacional de proteção dos povos isolados e em contato inicial com orçamento e legislação específicos, mas o Estado peruano até hoje não desenvolveu um projeto público efetivo para garantir o direito territorial e a forma de vida desses grupos em isolamento.

foto: acervo CPI-Acre

No Brasil, a FUNAI foi criada em 1967, e seu Sistema de Proteção ao Índio Isolado (SPII) começou a ser desenvolvido 20 anos depois pelos sertanistas da instituição propondo uma nova linha de atuação do Estado brasileiro. Em 1988, foi publicada a portaria que instituiu o não contato enquanto premissa de proteção. A construção dessa política faz com que o Brasil se coloque como modelo dessa experiência indigenista na América do Sul.

No Acre, a FUNAI criou em 1987 a Frente de Atração Jordão, renomeada Frente de Contato Envira, e a partir de 2001, Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, com o objetivo de garantir a proteção do território habitado pelos índios em situação de isolamento, bem como a promoção dos seus direitos.

A Frente de Proteção atua através de dois postos de vigilância instalados na região: um na foz do rio D’ouro com o Tarauacá, e outro na foz do igarapé Xinane com o rio Envira. Uma das funções é evitar a invasão de caçadores e pescadores. O monitoramento das terras é feito por expedições terrestres e sobrevoos realizados esporadicamente, como parte das ações de estudo de localização desses povos pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados (CGIIRC) da FUNAI.

foto: Gleison Miranda

Apesar das limitações do trabalho da FUNAI, foi comprovado que nos últimos 20 anos, a população de isolados no Acre aumentou, e que seus roçados e áreas de uso se expandiram. Outro fator que contribui para o aumento desses índios no estado foi a migração forçada de um grupo de isolados vindos do Peru, como consequência da intensificação das atividades extrativistas ilegais em seus territórios.

No Peru, o Instituto Nacional de Desenvolvimento dos Povos Andinos, Amazônicos e Afro Peruanos (INDEPA), foi criado em 2005 com o objetivo de implementar a política indigenista do país. Mas de lá para cá, o órgão estatal foi submetido a diversas reestruturações, contribuindo para a sua falta de autonomia e eficiência.

Após muita pressão do movimento indígena peruano, o Congresso aprovou em 2006 a Lei Nº 28736 que reconhece a proteção dos povos indígenas em situação de isolamento e contato inicial. Mas a norma tem vazios e contradições, como, por exemplo, permitir a exploração dos recursos naturais que estão no subsolo desses territórios reconhecidos.

Perigo e Fuga

O descontrole da atividade madeireira no lado do Peru é uma das ameaças sobre os povos indígenas isolados. O governo concedeu imensas áreas de floresta a grandes empresas do ramo. Sem a devida fiscalização, a medida já causou o desmatamento de milhares de quilômetros de floresta para a abertura de estradas, ramais e picadas para a extração da madeira. A política facilita a atuação de ilegais, que invadem as Reservais Territoriais onde vivem grupos em isolamento.

foto: acervo CPI-Acre

A atividade ilícita é baseada em um sistema que acontece há décadas na Amazônia peruana: o branqueamento. Donos das concessões florestais compram a madeira dos extratores ilegais e usam as guias de autorização concedidas pelo Estado para a comercialização. A extração é feita por trabalhadores locais com poucos recursos e, em alguns casos, pelos próprios índios contatados, e a venda por intermediários do negócio internacional.

Para afastar os índios isolados, os madeireiros peruanos organizam expedições armadas, no passado conhecidas como correrias. A perseguição vem provocando a migração forçada desses índios para as florestas do Acre. Um povo está assentado no alto igarapé Xinane desde 2006. Escaparam de madeireiros que invadiram a Reserva Territorial Murunahua e o Parque Nacional Alto Purus.

O reordenamento territorial causado com a chegada desse grupo na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira representa hoje risco de conflitos com outros grupos isolados, indígenas contatados Kaxinawá, Ashaninka e Madjá, seus inimigos históricos, e ribeirinhos que vivem nessa região de fronteira com o Peru.

A Ameaça Vem do Subsolo

Em 2007, o governo peruano iniciou uma campanha para a internacionalização do subsolo da sua Amazônia, concedendo a empresas estrangeiras lotes para a prospecção e exploração de petróleo e gás. Em 2004, esses terrenos ocupavam 15% do território amazônico do país. Quatro anos depois, a área loteada passou para 72%.

foto: acervo CPI-Acre

Parte dos 49 milhões de hectares destinados à atividade hidrocarbonífera se sobrepõe aos territórios de povos em isolamento, como o Lote 88, que incide sobre a Reserva Territorial Madre de Dios. As concessões peruanas ocupam importantes bacias hidrográficas trinacionais (Brasil-Peru-Bolívia), cujos cursos são fonte de água para milhares de moradores da floresta.

No Acre, as atividades de prospecção de petróleo e gás foram iniciadas em 2008 no Vale do Juruá, como resultado da política da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Depois, o governo brasileiro suspendeu as operações para avaliar novas regras para o setor. Em 2011, os estudos que definem se existem, ou não, os dois produtos em solo acreano foram retomados com força pelo governo do estado acreano.

No entorno das linhas sísmicas estão seis terras indígenas, além do Parque Nacional da Serra do Divisor. A região é uma das áreas com maior biodiversidade do mundo, abrigando diversos Povos e Povos que vive em isolamento voluntário. Todas as etapas da prospecção, inclusive a divulgação dos seus resultados, têm sido realizadas sem o consentimento das populações que vivem no lugar.

Lideranças do movimento indígena brasileiro e peruano há anos alertam para os impactos socioambientais que a pesquisa e a extração de petróleo e gás provocam. Denunciam que as ações dos governos violam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a Declaração das Nações das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que recomendam a Consulta Livre, Prévia e Informada às suas organizações – também representantes legais dos índios sem contato com a sociedade.

Grandes Obras

Nos últimos anos, a região amazônica da fronteira Brasil-Peru tem sido alvo de políticas públicas que implementam grandes obras de infraestrutura. Em 2000, os chefes de Estado da América do Sul, além de representantes de agências multilaterais e da iniciativa privada, reuniram-se para discutir ações para o desenvolvimento e à integração das regiões mais isoladas do subcontinente, como a Amazônia. Surge a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), prevendo um investimento bilionário em mais de 500 projetos de comunicação, energia e transporte.

foto: Gleison Miranda

O Brasil atua com protagonismo nessa história. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um dos maiores financiadores dos projetos no Brasil e nos países vizinhos. As construtoras transnacionais brasileiras estão à frente das principais obras em curso hoje. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é parte dessa estratégia regional, o compromisso brasileiro na execução dos projetos em seu território.

O antigo desejo político de conectar por terra os oceanos Atlântico e Pacífico é agora uma realidade: a rodovia Interoceânica Sul. A obra foi iniciada em 2006, ligando a fronteira do Acre aos portos peruanos do Pacífico, e atravessando as regiões de Madre de Dios, Cusco e Puno. Essas florestas possuem uma riqueza biológica única por estarem na transição dos ecossistemas amazônico e andino, mas hoje estão ameaçadas. Apesar da sua inauguração, ainda não foram tomadas medidas efetivas para a mitigação dos impactos socioambientais que estrada vem provocando.

O asfalto já mostra os seus efeitos colaterais na Amazônica Sul do Peru. Com a facilidade de acesso gerada pela construção da rodovia, assentamentos de madeireiros e garimpeiros ilegais surgem de um dia para o outro. As comunidades nativas sentem as consequências da chegada crescente de colonos no lugar: desmatamento, contaminação da água, falta de alimento de caça, invasão de territórios e conflitos sociais. Também alertam sobre os riscos que correm os últimos grupos que vivem em isolamento nessas florestas. Nos últimos anos, ganhou força o projeto IIRSA que sugeri a abertura de mais um eixo vial transfronteiriço, ampliando a BR-364. Dessa vez, ligando Pucallpa, capital de Ucayali, e principal pólo madeireiro da Amazônia peruana, à Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do Acre.

Proteção sem Fronteiras

Iniciativas para promover o debate regional sobre a situação dos povos indígenas isolados que vivem na fronteira Brasil-Peru foram desencadeadas pela sociedade civil organizada nos últimos anos, como o Grupo de Trabalho Transfronteiriço (GTT).

foto: acervo CPI-Acre

Em reuniões e seminários, discute-se as políticas públicas direcionadas aos índios isolados dos dois países, além dos impactos socioambientais provocados pelos projetos de desenvolvimento e pelas atividades ilícitas em curso na região Acre-Ucayali-Madre de Dios.

O Tratado de Cooperação Amazônica, assinado em julho de 1978, por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, é o instrumento jurídico que reconhece a natureza transfronteiriça da Amazônia.

Em agosto de 2011, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) realizou em Brasília, a primeira reunião dos pontos focais de Estado do Projeto “Marco Estratégico para a elaboração de uma agenda regional de proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial”. O projeto é financiado pelo BID, e foi rejeitado pelas organizações indígenas na reunião de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 2006.

No âmbito governamental, a conversa sobre os povos isolados entre Brasil e Peru caminha a passo lento. Até hoje nenhum plano de ação bilateral para a proteção dos grupos indígenas em isolamento na fronteira foi desenvolvido em parceria pelos organismos federais responsáveis pelas políticas indigenistas dos dois países.

foto: acervo CPI-Acre

A crescente pressão sobre os recursos naturais da Amazônia, somada à constatação da migração de um grupo de isolados do Peru para o Brasil, exige uma nova estratégia de proteção e uma agenda de cooperação entre os dois países para a garantia dos direitos humanos e territoriais desses povos sem fronteiras.

A troca de informações e experiências sobre o tema precisa ser levada para as esferas mais altas dos poderes nacionais dos dois países, aquelas que encabeçam as decisões. Enquanto a conversa e os acordos se restringirem aos projetos de desenvolvimento econômico que constroem estradas, trens, hidrelétricas, e usinas de petróleo, este índios, extremamente vulneráveis, correm risco de ser exterminados.

Intercâmbio Binacional

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), a Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre) e a Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (FENAMAD), do Peru, realizaram em julho de 2011, uma expedição para a Terra Indígena Mamoadate, no município acreano de Assis Brasil, com o objetivo de mapear novos vestígios de grupos isolados na região de fronteira Acre-Madre de Dios.

Além de possibilitar o intercâmbio de informações, a participação da organização indígena peruana na expedição, vem atender a demanda de capacitação em metodologia de localização de índios isolados da equipe da FENAMAD. No âmbito do Projeto Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contato Inicial, a federação peruana tem implantado postos de vigilância nas Reservas Territoriais do Peru.

Durante a expedição foram fotografados acampamentos já abandonados, onde foi possível analisar os tipos de construções e ferramentas que estes grupos utilizam, além das suas dietas alimentares. Foram encontrados vestígios que podem indicar a presença de mais de um grupo de isolados na região, que usam rotas pela Terra Indígena Mamoadate e pelo Parque Estadual do Chandless, do lado brasileiro, e pelo Parque Nacional de Alto Purus e pela Reserva Territorial Madre de Dios, do lado peruano

A expedição também lançou novas hipóteses sobre o deslocamento que esses indígenas percorrem ao longo das estações do ano. As pressões sobre a floresta do lado peruano (exploração ilegal da madeira e do ouro, construção de estradas e tráfico de drogas) têm mudado os calendários e rotas desses isolados que permanecem cada vez mais tempo do lado brasileiro.

Os indígenas Manchineri, que vivem na Terra Indígena Mamoadate, estão preocupados com a proteção dos seus parentes isolados, e elaboraram um abaixo assinado solicitando apoio dos governos do Brasil e do Peru para intensificar o trabalho de fiscalização na área, cada vez mais ameaçada.

Diálogo com o Entorno

Os reordenamentos territoriais entre os próprios indígenas em isolamento da região de fronteira Acre-Peru, e, consequentemente, a redefinição das áreas utilizadas para suas atividades produtivas, têm resultado nos últimos anos em perigosos encontros entre isolados, índios contatados pela sociedade e brancos.

No Acre, as visitas e os saques dos “brabos”, nome usado pela população local do entorno, eram decorrentes em aldeias e acampamentos de caçadas e pescarias dos Kaxinawá e Ashaninka, e em comunidades ribeirinhas, próximas as cabeceiras dos rios. Os isolados não querem o contato, mas iam em busca de ferramentas modernas como terçados e panelas. A situação gerou temor nas comunidades indígenas e ribeirinhas, e risco de enfrentamentos armados, comuns na região no final dos anos 1980.

foto: acervo CPI-Acre

Nesse contexto, a Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira (FPERE), em parceria com a Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre), começou a realizar as Oficinas de Informação e Sensibilização junto as comunidades indígenas e ribeirinhos que vivem em áreas vizinhas ou sobrepostas aos territórios dos grupos isolados no Acre. Uma demanda dos próprios índios, que ao ser absorvida pela equipe da Frente Envira e pela CPI-Acre, ajudaram a fortalecer o trabalho da FUNAI para a proteção desses povos.

Desde 2009, foram realizadas oficinas, com o objetivo de apresentar e levantar informações sobre os grupos em isolamento da região, levando-os a compreender que se um grupo indígena está isolado é por sua própria decisão. O diálogo resultou em um trabalho de etnomapeamento com mais de 150 pontos sobre a presença dos índios isolados no Acre: 48 casos de saques, 30 avistamentos, 44 registros de vestígios materiais, como acampamentos e flechas, e 36 de confrontos armados com mortes, entre outros.

O povo Huni Kuĩ da TI Kaxinawá do Rio Humaitá conhece este grupo há anos e vem construindo iniciativas próprias para evitar o contato e possíveis conflitos, não só dentro da TI, mas também com os vizinhos do entorno. As lideranças Huni Kuĩ definiram ações estratégicas para a proteção desses grupos na região. Entre as principais medidas adotadas, algumas delas já realizadas, estão: i) A “Casa de Monitoramento” construída com objetivo de diminuir a presença dos isolados nas aldeias, localizada próxima às cabeceiras do rio Humaitá, onde há roçados implantados e alguns utensílios deixados pelas equipes que a visitam periodicamente; ii) A devida capacitação e apoio para que os Huni Kuĩ realizem o monitoramento; iii) Realização de oficinas de sensibilização junto aos moradores do entorno do rio Muru e Iboiaçu; iv) Um terço da extensão da TI (cerca de 40.000 ha) destinada para uso exclusivo dos povos indígenas isolados que habitam a região das cabeceiras do rio Humaitá.

foto: acervo CPI-Acre

As oficinas contaram com a presença do cineasta indígena Huni Kui Nilson Sabóia Tuwe Kaxinawá, dirigente da Associação dos Povos Indígenas do Rio Humaitá (ASPIRH). Seu documentário “Notícias dos Brabos”, a respeito da Primeira Oficina de Informação e Sensibilização sobre Índios Isolados na TI Kaxinawá do Rio Humaitá, sua terra natal, foi exibido nas outras oficinas.

Nilson Sabóia produziu mais dois documentários com o material gravado durante as oficinas. Um retrato do ponto de vista indígena sobre a situação dos índios isolados na área de fronteira entre Brasil e Peru. Nilson e sua comunidade convivem, ainda que indiretamente, com esses povos. Nos documentários, ele também revela a vida nas aldeias Kaxinawá e as soluções que os índios propõem para situações adversas.

O Risco do Contato

Um grupo indígena isolado não significa completamente à margem dos processos sociais que ocorreram ao longo da história – e que ainda ocorrem – à sua volta. Pelo contrário, toda sociedade é construída a partir da sua interação com o outro. O termo “isolado”, adotado oficialmente pelo Estado brasileiro, designa, principalmente, a sua condição no espaço global: a de representante de segmentos e remanescentes de povos que optaram pelo isolamento, ou contato esporádico, após viverem experiências mal sucedidas com os homens inseridos nas sociedades nacionais.

foto: Gleyson Miranda

Ao longo da história, o contato trouxe consequências desastrosas para as populações indígenas: genocídios, mortes em massa por doenças infecto-contagiosas, além de mudanças radicais e irreversíveis na sua cosmovisão e organização social e cultural.

Hoje, os povos em isolamento são extremamente vulneráveis, sobretudo, no aspecto imunológico. O que significa uma simples gripe para nós pode ser o risco de extermínio de um povo inteiro. Apesar de avanços nas políticas públicas indigenistas, Brasil e Peru ainda não dispõem de preparo e estrutura adequados para um atendimento à saúde no caso de um situação emergencial de contato forçado ou não planejado de um grupo.

Em um contexto pós-moderno, marcado pela discussão de um caminho socioambiental sustentável, onde o homem repensa a sua própria condição de sobrevivência no planeta, proteger a vida e o território desses índios significa garantir o direito dos últimos homens do planeta que ainda vivem exclusivamente da floresta.