foto: Ana Luiza Melgaço
Ações educacionais para a formação de jovens e adultos indígenas com finalidade de capacitá-los para a gestão territorial e ambiental de seus territórios e entorno constituem o objetivo central do Programa Gestão Territorial e Ambiental da CPI-Acre.
Considera-se especialmente importante na programação deste trabalho educativo o manejo e a conservação dos recursos naturais e agroflorestais.
Iniciativa pioneira, a formação de Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs) é desenvolvida, desde 1996, como parte das ações estratégicas da CPI-Acre. Seu objetivo é, por meio de processos educacionais técnico-profissionalizantes complementares à escolaridade oferecida nas escolas indígenas, valorizar, intensificar e expandir os conhecimentos e práticas de gestão territorial e ambiental das terras indígenas na Amazônia brasileira, integrando-os à educação básica. Pretende-se assim fornecer subsídios para que os próprios membros das comunidades indígenas possam refletir, intervir e apresentar as possíveis soluções para os problemas socioambientais de suas terras já demarcadas e homologadas, em fase de demarcação, ou de expansão territorial. Neste processo, leva-se em conta a expressão e o registro dos aspectos culturais de sua compreensão do ambiente, e incentiva-se a discussão das práticas e técnicas de manejo tradicionais e dos saberes diversos, entendidos nas suas complexas relações “homem- natureza”. Como resultado prático dessa visão, a CPI-Acre desenvolve, desde 2004, em parceria com as comunidades indígenas do estado, os Planos de Gestão Territorial e Ambiental, importantes ferramentas de reflexão e planejamento do uso sustentável dos territórios indígenas.
Um dos projetos executados pelo programa é o Projeto Experiências Indígenas de Gestão Territorial e Ambiental no Acre, financiado pelo Fundo Amazônia/BNDES. Acesse AQUI a página do projeto e leia mais.
Objetivos do Programa
Atender à demanda de formação profissional dos Agentes Agroflorestais Indígenas, que vêm assumindo em suas comunidades responsabilidades no desenvolvimento de atividades agroflorestais, de manejo e conservação dos recursos naturais, de proteção ao meio ambiente e de seus territórios, e nas demais ações de caráter educacional, socioeconômico e organizativo;
Possibilitar o conhecimento de formas de manejo sustentável dos recursos naturais e agroflorestais existentes nas terras indígenas e seu entorno;
Incentivar e orientar a utilização sustentável dos recursos naturais e agroflorestais de suas terras pelas populações indígenas envolvidas no programa;
Promover ações locais de manejo sustentável dos recursos naturais junto a professores, alunos e membros de suas comunidades.
Incentivar e apoiar a agroecologia e a proteção e conservação das sementes tradicionais dos povos indígenas e das populações tradicionais;
Discutir e sistematizar as técnicas tradicionais, populares e científicas para o manejo dos recursos naturais e agroflorestais;
Viabilizar, aplicar e desenvolver tecnologias ambientais culturalmente adequadas à realidade das sociedades indígenas;
Aplicar e desenvolver técnicas para implantação e manejo de unidades agroflorestais de produção, como Sistemas Agroflorestais (SAFs), enriquecimento de roçados, quintais e capoeiras, trilhas e parques medicinais, hortas orgânicas etc.;
Planejar, incentivar, orientar e implantar o manejo dos resíduos orgânicos e inorgânicos produzidos nas comunidades indígenas;
Promover a reciclagem e a reutilização de madeira para a produção de móveis, utensílios de uso doméstico e esculturas da arte indígena contemporânea;
Orientar e apoiar o manejo e a criação de animais silvestres (quelonicultura, piscicultura, meliponicultura) e animais domésticos (avicultura);
Fortalecer a segurança alimentar nas terras indígenas;
Fomentar a elaboração e a gestão de projetos pelas associações indígenas;
Incentivar o interesse pelo estudo e pesquisa das áreas de conhecimento do currículo do ensino fundamental e médio – história, geografia, arqueologia, meio ambiente, artes, ciências, língua materna, língua portuguesa etc. – integrando-as ao trabalho de gestão territorial e ambiental de suas terras indígenas;
Fortalecer e incentivar o uso das línguas indígenas nas produções didáticas e informativas (livros, cartilhas, pôsters, vídeos, fitas cassete);
Produzir materiais educativos sobre a temática socioambiental, agroflorestal, gestão territorial etc, que apoiem o desenvolvimento da educação básica em escolas indígenas e não indígenas;
Incentivar a expressão e o registro da compreensão indígena do meio ambiente;
Desenvolver proposta curricular de educação intercultural, tendo como tema transversal o meio ambiente e como base a diversidade cultural dos povos indígenas;
Influenciar políticas públicas regionais e nacionais que integrem educação com gestão territorial e ambiental considerando a população local como agente desses processos;
Contribuir para o reconhecimento da profissão de Agente Agroflorestal Indígena como gestor ambiental.
Produzir pesquisa indígena intercultural sobre o conhecimento indígena amazônico e o manejo do mundo.
Este programa está estruturado em três componentes:
Há mais de duas décadas a CPI-Acre coordena o Curso de Formação de Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs) do estado. Esta formação começou em 1996, quando foi ministrado o primeiro curso no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF), localizado na zona rural da cidade de Rio Branco. Além dos cursos intensivos, que acontecem todos os anos no CFPF, a formação do AAFI também se dá por meio de intercâmbios, oficinas e assessorias realizadas nas aldeias. Ela inclui ainda atividades autônomas e à distância dos centros de estudo, com ou sem a presença dos formadores, consultores e assessores.
Existe assim todo um conjunto de ações programadas nos cursos e que são depois realizadas pelos AAFIs, sozinhos ou assessorados. A ‘autoria’, marca registrada dos processos educativos desenvolvidos pela CPI-Acre há mais de quatro décadas, constitui um princípio fundamental na formação desses profissionais. Através deste princípio, traduzido numa metodologia, os agentes são chamados a pensar, produzir e aplicar os conteúdos do programa curricular relativo à questão socioambiental, de maneira a colocar seus próprios conhecimentos em harmonia com os saberes das demais culturas, indígenas e não indígenas. Esta relação entre conhecimento tradicional e novos conhecimentos é chamada de interculturalidade.
Da mesma forma que as demais formações já realizadas pela CPI-Acre nas áreas de saúde (agentes de saúde indígenas) e educação (professores indígenas), a proposta pedagógica de formação dos AAFIs segue os princípios da educação intercultural. Isto significa que, além das técnicas, conteúdos e conceitos do saber científico sobre o uso, manejo e a conservação dos recursos naturais, os saberes próprios indígenas sobre o meio ambiente são valorizados e abordados durante os cursos de forma transversal. Isso quer dizer que – por meio das atividades desenvolvidas nos modelos demonstrativos do CFPF e no cotidiano de sua terra indígena – os AAFIs relacionam sua formação à gestão territorial e ao manejo dos recursos naturais e agroflorestais especialmente com a segurança alimentar, a saúde e a melhoria da qualidade de vida das suas comunidades, numa perspectiva local, mas também planetária.
Desde 2009, o Curso de Formação de Agentes Agroflorestais Indígenas é reconhecido como curso de ensino médio técnico profissionalizante na área da gestão, por conta da aprovação pelo Conselho Estadual de Educação do Acre da Proposta Político-Pedagógica e Curricular de Formação Profissional e Técnica Integrada à Educação Básica de Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (Resolução CEE Nº 236/2009 e Parecer CEE AC nº 101/2009). A primeira turma composta por 28 Agentes Agroflorestais Indígenas formou-se em 2010, tendo sido diplomados até agora pela um total de 55 AAFIs dentro de uma meta de formação de mais 100 desses profissionais. Um resultado importante da atuação desses Agentes Agroflorestais ‘veteranos’ é a existência de diferentes modelos de agrofloresta já em fase de produção por eles implementados em suas comunidades.
Atualmente existem no Acre 179 AAFIs, de 14 povos, em 30 terras indígenas, todos com seus “suplentes” (denominação dada por eles), pertencentes às famílias linguísticas Pano e Aruak. Entre os primeiros encontram-se os Huni Kuῖ (Kaxinawa), Nawa, Jaminawa, Yawanawa, Noke Ko’í (Katukina), Shawãdawa, Shanenawa, Jaminawa Arara, Kuntanawa, Nukini, Apolima-Arara e Puyanawa; na família Aruak, estão os Ashaninka e Manxineru. Estas terras indígenas estão distribuídas em 11 municípios do Acre e possuem uma área agregada de 2.083.217 hectares. Juntas, somam uma população aproximada de 17.164 indivíduos que habitam a região da fronteira do Acre com o Peru. O curso de formação de Agentes Agroflorestais Indígenas da CPI-Acre é referência nacional para a formação indígena em gestão ambiental e territorial e já influenciou diversos projetos pelo Brasil afora, que também passaram a desenvolver a formação de agente ambiental, agente do manejo e agente socioambiental para atuarem com funções semelhantes em suas terras indígenas. No âmbito deste programa, a CPI-Acre desenvolve suas ações em estreita parceria com a Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas (AMAAIC).
Produzidos e sistematizados nas Oficinas de Etnomapeamento que acontecem nas aldeias, os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) de terras indígenas do Acre têm por objetivo registrar os acordos coletivos de uso do território e de seus recursos naturais, bem como as estratégias para conservá-los. Eles resultam de ações realizadas pela CPI-Acre desde a década de 90, no âmbito dos cursos de formação de professores indígenas e, a partir de 2004, nas oficinas de mapeamento participativo realizadas em diversas terras indígenas do estado, especialmente as localizadas na região de fronteira entre Brasil e Peru.
Estas oficinas consistem no mapeamento e classificação na concepção indígena, dos diferentes ecossistemas que compõem as Terras Indígenas, bem como das áreas de uso, manejo e conservação dos recursos naturais. Consistem também na identificação e registro, na língua indígena, dos principais rios, igarapés e lagos, áreas de refúgio para a fauna, sítios culturais e espirituais, além das áreas de conflito e outros aspectos significativos para os povos indígenas. Os ‘etnomapas’ resultantes dessas oficinas constituem importantes ferramentas de planejamento para a proteção, conservação e o manejo dos recursos naturais, além de servirem como instrumentos para a reivindicação de direitos territoriais, entre outros.
Mais uma vez, as ações desenvolvidas pela CPI-Acre nesse âmbito foram pioneiras. Além de influenciar outras organizações indigenistas no Brasil, que passaram a incorporar o PGTA como ferramenta de diagnóstico e planejamento de gestão territorial, o próprio Governo do Estado do Acre passou a apoiar a produção de PGTAs em terras indígenas do estado, incorporando-os como política pública. Hoje, no estado do Acre, há 29 terras indígenas com seus Planos de Gestão Territorial e Ambiental em processo de implementação. Com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída através do Decreto nº. 7.747 de 2012, espera-se que sejam fortalecidas as ações de gestão ambiental e territorial em curso nas terras indígenas do Acre.
Local onde acontecem os cursos presenciais para Formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas, o Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF) possui um grande número de unidades e sistemas demonstrativos, baseados nos princípios da Agroecologia e também nos conhecimentos próprios dos povos indígenas que o frequentam. As unidades demonstrativas incluem sistemas agroflorestais, hortas orgânicas, viveiros de produção de mudas, criação de animais domésticos (aves) e espécies silvestres (quelônicultura, melíponicultura e piscicultura), marcos verdes formados por castanheiras/açaí, recomposição da mata ciliar, bancos de sementes pré-colombianas, além do beneficiamento e produção de alimentos provenientes dos safs. Todas as unidades demonstrativas que existem hoje no CFPF foram implementadas e manejadas como atividades dos cursos de formação. A principal finalidade dessas unidades e sistemas é permitir que estas práticas sejam apropriadas pelos alunos e replicadas nas aldeias, no intuito de contribuir com a segurança alimentar, a conservação e o incremento da agrobiodiversidade nas terras indígenas.